FILMES E SÉRIES DE TV

Black Knight: Mostrou Muito, Disse Pouco

As produções sul-coreanas estão sendo cada vez mais frequentes, principalmente na Netflix. A bola da vez é uma distopia pós apocalíptica baseada em uma webtoon.

Paulo Bocca Nunes

A Netflix provavelmente seja a plataforma de streaming que mais disponibiliza produções sul-coreanas. Algumas tiveram sucesso, como as séries Squid Game, que no Brasil ficou conhecida como Round 6, e Profecia do Inferno. Isso sem falar de produções de ficção científica Jung_E, Nova Ordem Espacial e Mar da Tranquilidade.

Agora, os sul-coreanos trazem uma série em seis episódios que foi baseada em uma webtoon e chegou explodindo as telas. Em alguns aspectos, a série parece beber em algumas fontes como Mad Max, Velozes e Furiosos e uma pitadinha de Duna, com aqueles desertos em tom sépia, que só falta sair debaixo da terra aqueles minhocões bicudos. Isso sem falar nas cenas que lembram Rocky Balboa.

Black Knight é uma série em seis capítulos e tem roteiro e direção do cineasta sul-coreano Cho Ui-seok. Para desenvolver a trama da série, ele se baseou em uma webtoon homônima, lançada na internet por Lee Yun-kyun entre 2017 e 2019 na plataforma Webtoon,  muito popular entre produtores sul-coreanos de quadrinhos. No total, a saga conta com 89 capítulos.

SOBRE O QUE TRATA BLACK KNIGHT?

Em 2071, quarenta anos depois de um meteoro cair na Terra e dizimar a população mundial, a poluição extrema do ar transformou a maior parte da península coreana em um grande deserto e eliminou quase 1% de sua população original. Os sobreviventes foram divididos em classes: gerais, específicas e centrais.

Os que pertencem à classe alta vivem em cidades abobadadas com acesso constante a oxigênio e vegetação, enquanto a classe trabalhadora vive em casas de concreto fora dessas cidades. Os que não pertencem a essas classes, são chamados de refugiados e são reduzidos à vida no deserto árido, forçados a subsistir com suprimentos limitados.

As pessoas que vivem nos acampamentos fora das cidades abobadadas são obrigadas a usar respiradores e contar com os Entregadores, motoristas de entrega especializados, para fornecer os suprimentos (especialmente oxigênio fresco) de que precisam para permanecerem vivos. Somente as pessoas que podem receber esse material tem tatuados em suas mãos um código QR.

Um dia, um lendário Entregador chamado 5-8 (cinco barra oito) conhece um garoto chamado Sa-Wol, que deseja se tornar um Entregador igual a ele, e decide treiná-lo para que ele possa realizar seu sonho no mundo sombrio e perigoso que eles vivem. No entanto, 5-8 se depara com um plano de uma empresa que domina a entrega de ar puro que pode afetar tragicamente aos refugiados e causar o seu extermínio.

O QUE SE PODE DIZER SOBRE A SÉRIE?

Logo no começo do primeiro episódio há um prólogo que localiza e ambienta toda a história. Na verdade, explica tudo com muita pressa. Encontramos um personagem que é protagonista e mentor de um jovem muito imaturo que quer ser Entregador. Por conta disso, o protagonista é pouco desenvolvido, mas sobre ele muito é contado, e um aprendiz que passa por um processo de “crescimento” que se realiza de maneira pouco convincente. Principalmente, nas cenas em que ele decide se vai ou não ser um Entregador.

Algumas coisas não são bem explicadas e isso faz falta na hora de analisarmos a verossimilhança ou profundidade dos personagens. O único que tem alguma história de origem razoável é o Entregador 5-8. Quanto aos outros, suas histórias lembram as Webtoons coreanas ou os mangás, ou seja, há muito visual e poucos diálogos que expliquem alguma coisa.

O vilão da história toda é muito caricato. O sujeito odeia os pobres das classes mais baixas e quer exterminá-los de uma vez só. Não se sabe o que o faz ser assim além do fato de que faz parte de uma grande corporação que lucra com a entrega de mantimentos e ar puro a alguns privilegiados. Ele também é portador de uma doença, que não se sabe qual é, mas faz um tratamento e se dedica a buscar pessoas que são conhecidas com “mutantes” e podem trazer uma cura para ele.

O outro detalhe dessa série que ficou devendo, foi exatamente esses mutantes. Como a história se passa quarenta anos depois da queda de um meteoro, não se sabe ao certo se foram alguns efeitos desse evento ou se isso provocou outra coisa para surgirem esses mutantes. Parece que quarenta anos é pouco tempo para o surgimento de algum tipo de mutante da forma como foi mostrada.

Por outro lado, o super-empresário bonzinho e humanista também não é muito convincente. Principalmente pelo fato de que ele não consegue enxergar uma conspiração bem dentro de sua sala de trabalho. Ou então enxerga, mas se nega a aceitar até onde podem ir as ações de quem o cerca. Uma pessoa tão poderosa poderia ser mais desconfiada.

Se, por um lado, os personagens não são bem desenvolvidos, por outro a história se movimenta de forma intensa e as ações se sucedem de modo a deixar o espectador quase sem ar (desculpem o trocadilho infame!). Exatamente isso pode ter sido o maior problema da série. Lembrando que se levarmos em conta a webtoon que deu origem à série, muita coisa ficou de fora para ser colocada em apenas seis episódios. Tudo ficou tão resolvido no final, que não se pode afirmar que haverá uma segunda temporada.

Os personagens secundários que deram um suporte para o protagonista respondem a um manual de muito filme. Se tem o protagonista super-herói, o antagonista malvado e inescrupuloso, o discípulo que vira herói no final, uma mocinha bonita (a major), também é necessário ter um velho sábio com segredos que serão usados na solução do problema que o protagonista tem que resolver e aqueles que farão o lado cômico para dar uma aliviada na tensão criada pela história.

O CGI, efeitos especiais, cenários e ambientação muito bons. Aquele tom sépia da paisagem desértica, as cenas de perseguição aos caminhões dos Entregadores, as lutas bem coreografadas. Tudo muito bom. Faltou mais consistência à história. Um desenvolvimento melhor e menos contado. Não significa que a série seja ruim. Há muita intensidade de ações, que vão conquistar o público.

ALGUMAS DIFERENÇAS ENTRE A WEBTOON E A SÉRIE

Há diferenças consideráveis entre a webtoon e a série. Os personagens aparentam ser mais jovens na Webtoon. Alguns mudaram de função, como por exemplo, Jung Seol-Ah, que na webtoon é uma funcionária de um escritório e na série ela é major do serviço de inteligência. 

Outra diferença é em relação a Yoon Sa-Wol, que na webtoon é uma garota e na série é um rapaz. No entanto, a garota Sa-Wol entra em luta contra bandidos e consegue se dar razoavelmente bem.  

Algumas coisas foram bastante fiéis como os caminhões e as residências dos distritos das pessoas que recebem as entregas dos entregadores. Algumas cenas dos quadrinhos serviram como referência bastante importante para a fotografia da série.

No site da webtoon estão disponibilizados cinco episódios. Para ler todos, basta fazer a inscrição e o login. Se você quiser, pode acessar clicando AQUI

CONCLUSÃO

A série peca em um roteiro que espreme toda uma série de webtoon, resumindo, explicando ou ainda omitindo informações importantes sobre personagens. Muitos apenas surgem e se explicam. O grande conflito já está estabelecido e somos informados disso. Dá a impressão de que perdemos alguma coisa pelo caminho. No entanto, as ações são bastante dinâmicas e se alternam com outras mais dramáticas, com auxílio de uma câmara lenta para aumentar ainda mais a dramaticidade. As partes cômicas não funcionam muito bem e chegam a ser um pouco chatas. A série não pode ser considerada ruim. Vale a diversão sem muito comprometimento.

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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.