LITERATURA MITOLÓGICA

Perseu, herói transformado em constelação

A mitologia grega trouxe grandes contribuições ao pensamento ocidental. Os feitos de heróis, sempre indo de um lugar a outro do Mundo Antigo em busca de aventuras e realizações, assombravam pela superação e coragem. No panteão dos grandes heróis, Perseu é um dos mais conhecidos por ter decepado a cabeça da górgona Medusa, criatura terrível com rosto deformado e serpentes na cabeça que transformava qualquer pessoa em pedra. Neste artigo, falaremos sobre a história de Perseu e de seus feitos. Também mostraremos duas adaptações para cinema, que, no entanto, não foram muito fieis ao mito

Por Paulo Bocca Nunes

O mundo grego fascina pelas histórias de deuses, criaturas monstruosas, pelos feitos dos seus heróis lendários, as peças trágicas que sobreviveram ao tempo e a filosofia que formou a base do pensamento ocidental.

Algumas dessas histórias de heróis, muitas vezes descritos como filhos de deuses e, portanto, semideuses, prendem a atenção do leitor ou contador de histórias pelas sequências de peripécias e aventuras vividas por um objetivo nobre. A coragem e a bravura eram predominantes nos feitos, pois a vida sempre estava em jogo. Porém, pior que morrer é não ter a coragem de enfrentar o perigo e não superar as suas limitações e os perigos.

Perseu colocou-se sempre mostrou o seu valor ao enfrentar alguns dos maiores perigos usando não apenas a coragem como também a astúcia. Como prêmio, foi dado o seu nome a uma constelação que pode ser avistada no hemisfério norte. Da mesma forma, o nome da mulher que veio a ser sua esposa, Andrômeda, também ficou eternizado em uma galáxia, vizinha da nossa Via-Láctea, que está na mesma direção de uma constelação que leva também o mesmo nome.

O nome de Perseu está fortemente conectado ao de Medusa, a filha de Fórcis e Ceto. De acordo com os antigos mitos, Medusa era uma das sacerdotisas do templo de Atena. Por ser bela, atraiu os olhares de Poseidon que a assediou e cedeu aos seus apelos amorosos dentro do próprio templo. Atena ficou irada e amaldiçoou Medusa, dando-lhe um aspecto terrível com serpentes no lugar dos cabelos e quem a visse se transformaria em pedra. Se na Grécia Antiga, esses mitos eram contados pelos aedos, atualmente eles são inspiração para outras formas de contar histórias, como é o caso do cinema.

Neste artigo, falaremos inicialmente falar sobre o próprio mito, depois apresentaremos as resenhas de dois filmes que são considerados adaptações do mito. No final, apresentaremos um comentário que será uma breve análise sobre a aproximação ou afastamento do mito original.

A NARRATIVA DO MITO

De acordo com Apolodoro, a história de Perseu começa em Argos, cidade grega, na Argólida, península do Peloponeso.

O rei Acrísio de Argos perguntou ao oráculo como ele poderia ter filhos homens. A resposta foi que sua filha, Dânae, daria a luz a um menino que o mataria. Temendo seu destino, Acrísio aprisionou Dânae em uma câmara de bronze no subsolo do palácio e colocou guardas à porta.

O mito afirma que Zeus fecundou Dânae ao se transformar em uma chuva de ouro que derramou através do telhado e caindo no colo da jovem. Acrísio depois soube que ela gerou um menino que foi chamado de Perseu, ficou furioso, colocou a filha e a criança em um baú e os lançou ao mar. O baú acabou parando em Sérifo e Dictis adotou o menino.

Polidectes, irmão de Dictis e rei de Sérifo, se apaixonou por Dânae, mas não se casou com ela porque ele cresceu em seu lar. Dictis convocou seus amigos e Perseu para darem presentes (cavalos) para o casamento que ele planejava com Hipodâmia, filha de Enomau. Como Perseu não podia dar cavalos, Polidectes exigiu que Perseu trouxesse a cabeça da Medusa.

Perseu foi até as filhas de Fórcis, três mulheres idosas desde o nascimento que tinham apenas um olho que passavam de uma para outra. Elas disseram como ele poderia chegar até onde Medusa estava. Perseu levou uma sacola (kibisis) e os presentes que recebeu dos deuses: as sandálias de Hermes que o fariam voar, o elmo que o tornava invisível, o escudo polido de Atena e uma foice adamantina. Chegando ao local, ele encontrou as três górgonas, matou Medusa, decepou-lhe a cabeça e a colocou na sacola.

Ao passar pela Etiópia, encontrou a filha do rei Cefeu acorrentada a um rochedo para ser sacrificada a um monstro marinho pelo fato de sua esposa, Cassiopeia, ter competido com as Nereidas em beleza e ter se gabado de ser melhor do que elas. Isso enfureceu tanto as Nereidas quanto o seu pai, Poseidon, que enviou uma inundação e um monstro para invadir e destruir a cidade. O sacrifício poderia evitar a calamidade. Perseu viu Andrômeda, se apaixonou por ela e promete a Cefeu que a salvaria contanto que ela se casasse com ele. Cefeu fez a promessa, Perseu enfrentou o monstro, venceu e libertou Andrômeda. Porém, Fineu, irmão de Cefeu, reclamou Andrômeda para si, pois havia a antiga promessa entre os dois. Perseu não aceitou, mostrou a cabeça da górgona para Fineu e seus companheiros que se transformaram em pedra.

Em Sérifo, Perseu descobre que sua mãe e Dictis se esconderam por causa da violência de Polidectes. Perseu foi ao encontro de Polidectes e seus companheiros e mostrou a eles a cabeça da Medusa e todos se transformaram em pedra. Dictis foi nomeado o rei de Sérifo.

Perseu devolveu as sandálias, o kibisis e o elma para Hermes e a cabeça da Medusa deu de presente para Atena, que a colocou no meio do escudo.

Perseu levou Dânae e Andrômeda para Argos e encontrar Acrísio, que lembrou-se da profecia e fugiu para outra cidade. Tempos depois, em uma competição de pentatlo, Perseu arremessou o disco que atingiu Acrísio, que estava presente, e veio a morrer, cumprindo-se assim a profecia.

Perseu teve filhos com Andrômeda. Foi rei em Micenas, cidade que fundou, e segundo os mitos foi o descendente dos reis da Pérsia.

FÚRIA DE TITÃS (1981) (Clash of the Titans)

Produção britano-estadunidense de 1981, dos gêneros fantasia, ação e aventura, teve a direção de Desmond Davis. Nesse filme foi usada a técnica de animação em stop-motion, uma técnica para animar diversos monstros que aparecem no desenrolar da história. Todas as criaturas criadas para o filme e sua animação ficaram a cargo do perito na animação em stop motion, Ray Harryhausen (1920-2013), especialista nessa área, com vários filmes na sua biografia. Esse filme foi o seu último, pois logo após se aposentou. Como sempre fazia, Harryhausen também participava do roteiro e da direção dos atores para contracenar com os monstros.

A história inicia com o rei Acrísio furioso com Zeus por ele ter engravidado sua filha, a princesa Dânae, e ter desonrado a sua família e seu próprio nome. Acrísio manda colocar Dânae e o filho, chamado de Teseu, dentro de uma grande arca de madeira e a joga ao mar. Poseidon se transforma em gaivota e vai ao Olimpo avisar Zeus do ocorrido. O deus supremo do Olimpo ordena que Poseidon solte o kraken para que esse destrua Argos. Dânae e Teseu aportam sãos e salvos na ilha de Sérifo.

Calibos, filho de Tétis, deusa dos mares, era o escolhido para casar com a princesa Andrômeda, filha da rainha Cassiopeia, herdeira da rica cidade de Jopa. Zeus encarrega Calibos de cuidar dos poços da Lua, incluindo os rebanhos sagrados e os cavalos alados de Zeus. Mas, Calibos caça e mata tudo o que vive lá, menos o cavalo alado Pégaso. Zeus pune Calibos o transformando em um monstro e a viver em um pântano, que passa a ser o seu reino e sua moradia. Tétis fica furiosa e decide que nenhum homem irá casar com Andrômeda.

Tétis leva Perseu para Jopa. Ele fica sabendo do drama de Andrômeda: ela só se casará com o homem que decifrar um enigma, caso contrário ele morrerá queimado vivo. Perseu recebe vários presentes dos deuses do Olimpo: uma espada e um capacete que o torna invisível. Com o capacete, Perseu entra nos aposentos de Andrômeda, à noite, enquanto ela dorme e vê quando pousa na sacada do quarto dela um abutre gigante que carrega uma gaiola. Então, a alma de Andrômeda se separa de seu corpo e vai em direção à jaula. Ela entra, o abutre vai embora levando-a com ele. Preocupado com o que vê, Perseu decide investigar e conversa com o seu amigo que sugere capturar o cavalo alado Pégaso.

Perseu consegue capturar e amansar o cavalo alado quando esse vai beber água numa fonte. Na noite seguinte, Perseu vê quando o abutre chega aos aposentos de Andrômeda e leva a alma dela até o pântano onde está Calibos. Perseu vai atrás com Pégaso. Calibos dá mais um enigma para a jovem princesa que é levada embora em seguida. Logo em seguida, Perseu e Calibos lutam no pântano e Perseu decepa a mão do filho de Tétis.

Perseu retorna para Jopa e se apresenta como pretendente, responde o enigma, acerta e mostra a mão de Calibos. O casamento é marcado e, durante a cerimônia, no templo de Tétis, a rainha Cassiopeia compara a beleza de sua filha à da própria deusa. Tétis fica furiosa, sua estátua cai, a cabeça ganha vida e exige que, como forma de punição, Andrômeda seja sacrificada ao monstro kraken em 30 dias e durante esse período se mantenha virgem. de outra forma, o monstro irá destruir toda a cidade.

Perseu busca uma forma de vencer o kraken e é orientado a procurar as bruxas estegeanas. Como Perseu perdeu o capacete no pântano, Zeus pede que Atena dê a sua coruja a Perseu, mas, ao invés de fazer isso, ela pede a Hefesto que construa uma coruja mecânica e a chamou de Bubo. A coruja encontrou o grupo que estava a caminho da caverna das bruxas e emite sons que somente Perseu entende, fato que faz com que entendam que é um presente dos deuses. Chegando à caverna das bruxas, Perseu pega o único olhos das três usam para enxergar, uma de cada vez e dessa forma, elas dizem que a única saída é ele pegar a cabeça da Medusa e mostrar ao kraken. Assim, ele se transformará em pedra. 

Para pegar a cabeça da Medusa é preciso atravessar o rio Estige no barco de Caronte. Perseu encontra a Medusa, corta-lhe a cabeça e a coloca em um saco. No retorno, enquanto dormem no acampamento, Calibos fura o saco com a cabeça da Medusa, do sangue que jorra e cai na terra surgem escorpiões gigantes que atacam os homens. O grupo mata os escorpiões, porém Calibos mata todos os companheiros de Perseu. Por sua vez, Perseu usa a espada mágica e mata Calibos. O jovem herói pede a Bubo para ele encontre Pégaso. Bubo vai até o pântano de Calibos, causa grande confusão, os servos de Calibos fogem, o abutre gigante fica confuso e foge também e finalmente Bubo solta Pégaso da jaula em que estava preso. 

Enquanto isso, Andrômeda está sendo preparada para o sacrifício. Zeus ordena que Netuno solte o kraken. No instante derradeiro, em que Andrômeda está presa no penhasco e surge o monstro do mar, Perseu aparece com Pégaso, mostra a cabeça da Medusa e o kraken se transforma em pedra. Perseu liberta Andrômeda e se casam. Por ordem de Zeus, Perseu, Andrômeda, Cassiopeia e Pégaso são transformados em constelações.

FÚRIA DE TITÃS (2010) (Clash of the Titans)

Produção norte-americana, considerado um remake do original de 1981, dirigido por Louis Leterrier. Ao contrário do primeiro filme, esse usou o recurso do CGI para as criações dos monstros e outros efeitos especiais. Outro destaque é que, mesmo sendo baseado no mito de Perseu, trouxe muitas modificações e mais ainda do filme de 1981. Por esse motivo podemos dizer que é um filme totalmente independente do outro, ou mesmo uma obra original em termos de produção cinematográfica.

O filme inicia fazendo um breve histórico da criação de todo o universo, algo próximo da Teogonia, de Hesíodo. Zeus, Poseidon e Hades se uniram e derrotaram os titãs com a ajuda de cetus, um monstro nascido de Hades. depois da vitória, eles dividiram o universo: Zeus ficou com o céu, Podeidon com os mares e Hades foi enganado por Zeus e forçado a governar o submundo, território dos mortos. Prometeu criou os humanos e a fé dos homens nos deuses dava força e poder aos próprios deuses. Porém, os humanos se cansaram de ser manipulados pelos deuses e decidiram se voltar contra eles.

Certo dia, um pescador chamado Spyros, encontra um caixão flutuando na água, recolhe o caixão para seu navio a, ao abri-lo, ele encontra uma mulher morta com um bebê. Spyros e sua esposa o adotam e lhe dão o nome de Perseu. Anos depois, Perseu está com sua família num barco pescando quando encontram soldados de Argos derrubando uma estátua de Zeus e declarando guerra aos deuses. Nesse momento, surge Hades com uma horda de demônios, mata a maioria dos soldados e a família de Perseu, que sobrevive. O líder da guarda real, Draco, encontra Perseu e o leva ao rei e à rainha de Argos. Eles estão dando uma festa no palácio e a rainha compara a beleza de sua filha, Andrômeda, com a de Afrodite. Nesse momento, surge Hades com os demônios e mata muitas pessoas e soldados. Como punição ao comentário, Hades avisa que em dez dias Andrômeda deverá ser sacrificada ao kraken ou Argos será totalmente destruída. Antes de ir embora, Hades reconhece Perseu como um semideus e filho de Zeus.

Perseu é preso e interrogado. Recebe a visita de Io que se apresenta como sua guia na jornada que ele terá que empreender. Ela revela ter sido amaldiçoada a nunca envelhecer depois de se recusar a ser seduzida por um deus e que ele, Perseu, é o único a derrotar o kraken. o jovem concorda ajudar, mas com o intuito de se vingar de Hades. Eles partem com Draco e a guarda real em busca das Bruxas Estígias para saberem como derrotar o kraken

Io narra a história de Perseu. Ele é filho de Zeus com Dânae, esposa do rei Acrísio, rei de Argos. O deus olímpico fez isso como punição por ter renegado os deuses e depois transformou Acrísio num monstro. Enquanto isso, Hades tem um plano: ele sabe que o poder de Zeus vem da adoração dos humanos, ao passo que o medo alimenta o poder do próprio Hades. Dessa forma, ele planeja usar o medo de Argos para ganhar mais poder, destronar Zeus e dominar o Olimpo. Hades procura Calibos, a figura monstruosa transformada de Acrísio e dá a ele o poder de matar Perseu.

Enquanto isso, Perseu está em uma floresta a caminho de encontrar as bruxas, quando é atacado por Calibos. Perseu depois recebe uma espada do próprio Zeus, que somente Perseu pode usar, mas a rejeita. Surge o cavalo alado Pégaso, que Perseu conquista com a ajuda de Io, mas pouco depois ele vai embora. Calibos ataca novamente, é ferido e de seu sangue surgem escorpiões gigantes que atacam o grupo de Perseu. Io ajuda. Todos são salvos pelos Djinn, os feiticeiros árabes que vivem no deserto e tem o corpo de madeira. Os Djinn também querem se livrar dos deuses e decidem ajudar Perseu.

Ao chegarem na caverna onde estão as bruxas, todos percebem que cada uma tem um olho na palma das mãos. Depois elas informam que a única maneira de vencer o kraken é com a cabeça da górgona Medusa que vive no Tártaro. Zeus dá uma moeda de ouro para Perseu. Todos chegam na entrada do Tártaro à espera de Caronte que aceita a moeda de ouro e leva todos. Durante a travessia, acontece um envolvimento entre Perseu e Io.

Sem Io, o grupo enfrenta a Medusa. O combate termina com Perseu cortando a cabeça da górgona e sendo ele o único sobrevivente. Calibos aparece e mata Io. Perseu usa a espada mágica e mata Calibos. Surge Pégaso que leva Perseu com a cabeça da Medusa em um saco até Argos. Enquanto isso, Andrômeda foi amarrada para o sacrifício. O kraken é libertado e se aproxima de Argos. Perseu chega a tempo, enfrenta os demônios de Hades, mas consegue usar a cabeça da Medusa para derrotar o kraken. Perseu usa a espada mágica de Zeus e expulsa Hades temporariamente para o Tártaro.

Andrômeda é libertada e torna-se rainha de Argos. Oferece o trono para Perseu, mas ele não aceita. Zeus parabeniza o jovem pelo seu êxito. Como prêmio, o deus revive Io para que os dois vivam juntos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Adaptar um filme de uma fonte literária não se constitui em tarefa fácil. Uma texto escrito pode receber todas as informações e detalhes possíveis, os personagens podem viajar para todas as partes do mundo das maneiras mais variadas. O tempo pode ir para frente ou para trás, em forma de flashbacks ou seguir uma trilha rigidamente cronológica. O número de páginas de um livro não interfere no tempo narrativo, ou diegético como dizem os especialistas. No entanto, um filme precisa contar uma história com textos, mas acima de tudo com imagens. Exatamente isso que dificulta na hora de ser feita a adaptação de um texto literário.

Partindo dos textos que sobreviveram aos séculos, a história de Perseu não é longa e nem se pode dizer que tem o formato, ou a estrutura de um romance. Mesmo assim, podemos observar enormes diferenças entre o texto e os dois filmes e grandes mudanças entre os filmes entre si, partindo da ideia de que ambos têm a mesma suposta fonte.

As diferenças começam na origem do personagem Perseu. Na mitologia, ele é filho de Dânae, filha do rei Acrísio de Argos e por causa de um oráculo decidiu prender a filha em uma cela de bronze. No entanto, Zeus intervém e engravida a jovem que depois dá a luz a Perseu. Acrísio arremessa filha e neto num baú ao mar, mas eles sobrevivem e são resgatados. No filme de 1981, Acrísio estava preocupado com a sua honra ao ver sua filha com uma criança sem estar casada, algo semelhante ao filme de 2010, mas com a diferença de que Dânae é a esposa de Acrísio. Podemos entender que a abordagem tenha sido diferente pelo fato de que a motivação pela perda do trono para o neto não tenha força dramática suficiente enquanto que, um soberano da Antiguidade ter a sua honra atingida garanta uma motivação mais forte. Só assim para explicar a diferença da origem do herói.

Em 2010, um pescador encontra o caixão no mar, recolhe, abre e vê que a mãe está morte e a criança está viva. Bastante diferente do mito. Ao lermos o mito, vemos que Perseu protege a sua mãe e, ao final das suas aventuras, volta para casa e a salva do assédio de outros homens. De um modo geral, os personagens são muito diferentes, alguns no nome e outros na sua função dentro da história, como é o caso de Dânae.

Tanto no mito quanto nos dois filmes algo está de comum acordo: os presentes dos deuses. O capacete que dá invisibilidade, o escudo, a espada e as sandálias. Porém, no mito o  que move o personagem à ação é o fato de ele não poder dar um presente que foi solicitado e, num forte estratagema, foi pedida a cabeça da Medusa. No filme de 1981, os objetivos de Perseu estão assentados no amor por Andrômeda desde a primeira em que ele a viu. Por outro lado, em 2010, o que movimenta o personagem é a vingança que Perseu deseja satisfazer contra Hades.

Outros dois pontos importantes são Pégaso e Io. O cavalo alado não faz parte do mito de Perseu, mas de Belerofonte, filho de Poseidon. Na mitologia, ele encontrou Pégaso junto à fonte de Pirene, algo que se repete no filme de 1981. Belerofonte é o herói que matou a quimera, monstro metade leão e metade cabra. Nos dois filmes, Pégaso está presente, mas tanto o seu surgimento e participação têm diferença. No primeiro, ele captura Pégaso e o doma. No segundo filme, Pégaso aparece no meio da floresta em que estão Perseu, os soldados e Io. Ela ajuda Perseu a conquistar a confiança do cavalo, algo muito diferente da versão anterior.

Certamente, o maior estranhamento de 2010, tirando Pégaso, é a participação da figura conhecida de Io, mas que não pertence ao universo de Perseu. No mito, ela não está presente e ainda está separada do herói grego por centenas de anos. No filme, ela explica que foi amaldiçoada por não ter cedido a um deus. Logicamente, ela está se referindo a Zeus. Segundo os mitos, o deus supremo do Olimpo a cobiçava e, por não ceder aos seus avanços, transformou a jovem em uma vaca.

Diferente do filme de 1981, Perseu entra nos aposentos reais de Andrômeda enquanto ela está dormindo e se apaixona por ela. No filme de 2010, Perseu entra no meio da festividade do rei e da rainha, trazido pela guarda real e Andrômeda o observa, vai até ele e oferece uma taça de vinho. Percebe-se que é ela quem se apaixona por ele, mas em nenhum momento é correspondida. Ao final, depois que Perseu a salva do kraken, ela mesma se torna rainha e oferece o trono de Argos ao jovem herói, entretanto ele recusa. Ao passo que o filme de 2010, o amor de Perseu, desde o primeiro encontro sempre foi Io. Tanto que, quando Calibos mata Io, Perseu sente uma fúria imensa o obrigando a usar a espada de Zeus que ele tanto rejeitara. No final, como prêmio por sua coragem, Zeus traz de volta Io para que se case com Perseu. 

O fato de Perseu amar Io e nada sentir por Andrômeda, mas a obrigação de salvá-la está na determinação dele se vingar de Hades, tenha contribuído para enfraquecer a batalha final do filme. Isso não ocorreu na adaptação de 1981, pois Perseu amava Andrômeda e ele fez de tudo para chegar a tempo de salvar o seu amor. Inclusive a sequência de cenas em que Perseu tem dificuldade de tirar a cabeça da Medusa do saco, faz com que o espectador sinta uma forte tensão pelo que pode a acontecer na cena seguinte.

Um dos pontos mais engraçados do filme de 2010 está no momento em que Perseu está pegando armas no arsenal para ir com um grupo de guardas reais até a caverna das bruxas. Em certo momento, ele ouve um barulho semelhante ao pio de uma coruja. Ao olhar dentro de um baú, ele pega uma coruja mecânica, a mesma do filme de 1981. Perseu pergunta ao chefe da guarda que vai liderar a expedição sobre o que era aquilo (ele faz uma expressão de quem não está entendendo absolutamente nada) e a resposta é: “Deixe isso aí” e empurra a coruja. Aqui temos uma referência ao filme anterior, mas também a um tipo de sátira daquela coruja. Na minha opinião foi um equívoco usar aquela coruja como artifício para um ajudante de Perseu, cargo ocupado por Io no filme de 2010. Fica uma sensação de algo deslocado dentro do filme, pois a história se passa num período histórico em que o ferro sequer tinha sido descoberto. Então, como se explica uma coruja mecânica, cheia de engrenagens pequenas e precisas, mecanismos que faziam o engenho voar e falar uma língua parecida com um pio que somente Perseu entendia? A explicação de que foi criação de Hefesto, o deus do fogo, engenhoso e habilidoso com todos os metais creio ter sido um pouco fraca.

De qualquer forma, os dois filmes são boas diversões se formos assistir pelo gosto de apenas… se divertir! As questões de análise não precisam entrar na sala no momento o filme inicia. Nem precisamos ser especialistas em mitologia grega. A diversão apenas já é uma boa pedida. Quanto à continuação (Fúria de Titãs 3), não há relação com o mito. Portanto, não precisamos fazer qualquer análise.

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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.