FICÇÃO CIENTÍFICA

A Jornada Cósmica de ‘Poeira de Estrelas’, de Isaac Asimov

Uma das primeiras obras de Isaac Asimov foi escrita quase que despretensiosamente. Porém, alguns anos depois de sua publicação, acabou fazendo parte de um dos universos criados pelo autor, o Império Galáctico.

Paulo Bocca Nunes

Poeira de Estrelas (Stars Like Dust) é um dos primeiros romances de ficção científica publicados pelo renomado autor Isaac Asimov. A obra teve sua origem em uma das inúmeras revistas pulp fiction da época e acabou se tornando uma das contribuições mais significativas de Asimov para o gênero da ficção científica. Para falarmos deste livro, usaremos a primeira edição de 1970 da Editora Expressão e Cultura. A tradução foi de Stella Alves de Souza.

Isaac Asimov, nascido em 1920 em Petrovichi, Rússia, e criado nos Estados Unidos, é considerado um dos maiores escritores de ficção científica de todos os tempos. Sua escrita foi influente e prolífica, abrangendo uma ampla gama de tópicos científicos, desde a robótica até a exploração espacial. Asimov é famoso por seu estilo claro e conciso, além de sua habilidade em criar histórias cativantes com base em conceitos científicos complexos.

Poeira de Estrelas foi publicado pela primeira vez com o título de “Tyrann” na revista Galaxy, em três partes nas edições de janeiro, fevereiro e março de 1951. A publicação em livro foi no mesmo ano pela Doubleday com o título “The Stars, Like Dust“. O livro faz parte da série Império Galáctico de Asimov e ocorre antes da fundação real do Império Galáctico, antes mesmo de Trantor se tornar importante.

Em termos cronológicos do universo de Asimov, a história se passa antes de 827 Era Galáctica (Pedra no Céu / Peeble In The Sky), mas foi escrita um ano depois. Em Poeira de Estrelas, o Império Trantoriano não é mencionado de forma clara, pois o planeta que se tornaria o centro do Império está localizado muito distante da Terra e tudo se passa antes da grande expansão pela galáxia. A Terra é apresentada como um planeta com uma atmosfera radioativa, resultado de uma guerra nuclear não especificada.

RESUMO DA OBRA

Poeira de Estrelas é ambientado em um futuro distante, no qual a humanidade colonizou inúmeros planetas em toda a galáxia. A história segue Biron Farril, o jovem filho do rancheiro de Widemos, o maior nobre do planeta Nephelos, um dos planetas da Nebulosa Cabeça de Cavalo. Ele é enviado por seu pai para estudar na Universidade da Terra, que é um planeta radioativo.

A história começa com a notícia de que seu pai foi pego conspirando contra os tyranni, do planeta Tyrann, que governam um império menor de 50 planetas perto da Nebulosa da Cabeça do Cavalo. Tyrann suprimiu o treinamento de ciência e navegação espacial nos reinos para manter o controle sobre seus mundos subordinados. O governante de Tyrann na história é chamado de “Khan”. Contra esse domínio, o pai de Biron lutava. Suas atitudes conspiratórias foram descobertas e, por conta disso, ele foi executado pelos tiranianos.

Antes mesmo de saber do fato, Biron sofre um atentado contra a sua vida quando uma bomba radioativa é colocada em seu armário. Ele é aconselhado por Sander Jonti a deixar a Terra e ir até Ródia pedir asilo.

Em Ródia, Biron encontra-se com Artemísia de Hinriad, filha do líder do planeta, que está mentalmente abalada devido às pressões dos tiranianos. Biron ouve falar de um planeta rebelde e decide tentar o contato para pedir ajuda contra Tirânia. Artemísia decide ajudar Biron e os dois empregam uma fuga espetacular até o planeta rebelde enquanto são perseguidos de forma implacável pelo espaço.

A série do Império galáctico é ambientada em um futuro no qual a galáxia está iniciando a fase de criação de pequenos impérios espalhados por setores da galáxia. Há o início da criação do Império Galáctico que fará parte da série da Fundação. Os livros exploram a história desse império, suas origens, desafios e consequências.

A série do Império Galáctico é uma das obras mais conhecidas de Asimov e uma das mais importantes da ficção científica. É formada por três livros: Pedra No Céu (1950), Poeira de Estrela (1951) e As Correntes do Espaço (1952). A série permite que os leitores mergulhem em uma história épica que abrange milênios e explore questões complexas sobre política, poder, ética e o destino da humanidade em um contexto galáctico.

Poeira de Estrelas é uma obra de extrema importância para o gênero da ficção científica. Isaac Asimov apresenta uma narrativa repleta de ideias inovadoras e conceitos científicos, ao mesmo tempo em que mergulha nas complexidades da condição humana e suas interações com o mundo em constante evolução.

Uma das contribuições notáveis ​​de Poeira de Estrelas é a maneira como Asimov retrata a interseção entre a ciência e a sociedade. Ele examina as implicações sociais, éticas e políticas das descobertas científicas e da expansão da humanidade pelo espaço. O livro oferece uma visão crítica das consequências positivas e negativas que a tecnologia e a exploração espacial podem trazer, levantando questões atemporais sobre a responsabilidade da humanidade em relação aos avanços científicos.

Além disso, Asimov constrói um universo ficcional ricamente detalhado no contexto do Império Galáctico. Ao longo da série, ele desenvolve uma história que se estende por milênios, explorando diferentes períodos da evolução humana em diversos planetas. Essa amplitude temporal e espacial permite que o autor aborde uma ampla gama de temas e examine a natureza da civilização, o impacto das mudanças culturais e tecnológicas e as possibilidades futuras da humanidade.

Outro aspecto notável de Poeira de Estrelas e da obra de Asimov como um todo é a sua habilidade em mesclar elementos de ficção científica com uma escrita acessível e envolvente. Ele traduz conceitos científicos complexos em uma linguagem clara e cativante, permitindo que os leitores não apenas compreendam as ideias apresentadas, mas também se sintam conectados emocionalmente aos personagens e às situações descritas.

Podemos encontrar esse aspecto no capítulo em que Biron está fugindo dos tiranianos em uma de suas naves, junto com Artemisia e seu tio, Gillbret. Quando esse narra a sua história em que a nave em que viajava foi atingida por um micro meteorito, causando destruição e matando os tripulantes. Biron explica como isso foi possível:

Trata-se do seu momento, que é o produto de sua massa e de sua velocidade. A velocidade compensa a sua falta de massa.” (p. 101)

Para ambientar suas histórias na galáxia, Asimov também mostrou profundo conhecimento de astronomia para criar o seu universo ficcional. A forma de localizar os planetas nos mapas da galáxia foi explicada em detalhes no capítulo 11, quando Biron e seus amigos buscavam descobrir a localização de sua nave para calcular o salto até o planeta Lingane (p. 111). 

Essa combinação de rigor científico e narrativa habilidosa torna a obra de Asimov uma referência fundamental para o gênero da ficção científica. Seu trabalho influenciou gerações de escritores e leitores, estabelecendo um padrão de excelência e originalidade. Através de suas histórias, Asimov estimula a imaginação e convida os leitores a refletirem sobre o futuro da humanidade, a natureza da inteligência artificial, os dilemas éticos e as possibilidades inexploradas do universo.

Esse aspecto de “precisão científica” foi sugerido por Hugo Gernsback em seu editorial da primeira edição da revista Amazing Stories, de abril de 1926. Para ele, as histórias deveriam entreter, enquanto oferecia algum ensinamento científico aos leitores. Esse fator era fácil para Asimov, pois ele tinha formação científica e um grande talento para criar histórias.

O cálculo leva em conta o ano de publicação do romance (1951) somando-se os dez mil anos citados pelo personagem. Logicamente que se trata de uma dedução a partir de informações do texto. Por outro lado, o site Eu, Asimov e  Asimov Fandom, apontam essa história respectivamente para os anos 4.850 e 5.922 AD. Portanto, bastante diferente do Sikander.

Asimov viveu em uma época sob o domínio do medo do uso da bomba atômica. Como a história foi escrita depois dos uso das duas bombas atômicas no final da Segunda Guerra Mundial, Asimov trouxe em suas obras as consequências futuras do mau uso da tecnologia atômica. Isso se percebe em Poeira de Estrelas.

Ao longo da narrativa vão sendo feitas referências à uma guerra nuclear que contaminou o planeta em várias áreas, sobrando muito pouco onde pode ser habitado. O narrador informa que o uso de uma “bomba nuclear primitiva” causou danos irreversíveis ao planeta, mas que sua história se constitui muito mais em uma “tradição milenar”. Observe o que diz no livro:

Isso, porém, já fazia agora parte do passado. A guerra atômica foi extremamente danosa para a Terra. A maior parte de sua área tornou-se irremediavelmente radioativa e inútil. (p. 10).

A descrição da situação em que ficou o planeta se estende mais adiante:

Seu solo morto e insalubre ocultava todo o seu horror sob um cintilar de joias. A radioatividade daquele solo era um vasto oceano de azul iridescente, constituindo brilhantes e estranhas guirlandas, as quais, de certa forma, permitiram perceber a disposição da queda das bombas nucleares. (p. 29)

A visão de Asimov era, portanto, bastante pessimista com relação ao futuro do planeta. Porém, ele coloca os efeitos nefastos do uso errado da energia atômica em um futuro muito distante. Isso vai na contramão do período da Guerra Fria, período histórico bastante tenso que colocou o mundo em alerta para as relações tensas entre Estados Unidos e a extinta União Soviética e todos os seus aliados.

Os robôs estão presentes na obra, no entanto não são necessariamente os robôs positrônicos criados por Asimov. Quando Biron estava na nave que o levava para longe da Terra, ele usava um documento falso. Um robô foi levar a ele uma mensagem do comandante da nave, avisando que havia sido trocada o seu camarote.

A função desse robô era a de servir como mensageiro aos passageiros da nave. No momento em que Biron recebe a mensagem, ele olha para a máquina de modo inexpressivo, como se não se impor

Há uma descrição sobre o que é e como acontece o Salto nas naves espaciais (p. 36). Tudo se passa em um salão da nave onde os passageiros estão presentes com o comandante para que todos assistam o momento do salto no hiperespaço. O comandante explica de forma simples os fundamentos teóricos, citando Albert Einstein. Porém, pelo fato da história se passar muito no futuro, tudo é visto quase como uma lenda. Diz o texto:

No sistema espaço-tempo propriamente dito torna-se impossível viajar mais rápido do que a velocidade da luz. Trata-se de lei natural, descoberta pela primeira vez por um dos antigos, talvez o tradicional Einstein, se bem que tantas coisas sejam a ele atribuídas.

Após o salto, a nave alcança um ponto mais ao centro da galáxia, onde as estrelas estão mais próximas. Esse fato deixa os passageiros assombrados e o narrador transforma o texto em uma descrição quase poética ao dizer que as estrelas tomavam “conta daquele vácuo de veludo negro sob a forma de poeira fina”, o que remete ao título do romance. O assombro daquela visão do espaço e suas estrelas também é demonstrado no personagem Biron e num poema de autoria dele.

Asimov trouxe a sua visão sobre por onde começou a expansão humana pela galáxia pelos “mundos centaurianos e sirianos” (p.47). Também há referências à estrela Arcturus e à Nebulosa Cabeça de Cavalo. No texto faz referência, inclusive desde quando iniciou a colonização dos mundos do setor:

Os planetas de Arcturus, por exemplo, datavam e duzentos anos antes, quando as primeiras espaçonaves haviam circundado a nebulosa da Cabeça de Cavalo, encontrando-se por trás dela verdadeiros ninhos contendo centenas de planetas que possuíam oxigênio e água. (p. 47)

No começo do capítulo cinco o narrador desenvolve ideias sobre o número de estrelas e de planetas habitáveis, com gravidade e atmosfera ideais para os humanos. Na trama, o planeta Rhodia foi o 1098º mundo estabelecido pelo Homem, enquanto Tirânia foi o 1099º. São planetas localizados atrás da Nebulosa Cabeça de Cavalo.

Os primeiros impérios também começam a surgir, conforme o texto sugere:

O desenrolar da história da região trans nebular foi assustadoramente similar aos demais… Pequenos impérios foram criados, entrando inevitavelmente em conflito. (p. 48)

Ao longo do capítulo sete, Asimov apresenta um cenário que será frequente em outras obras, principalmente da série da Fundação: o domínio de um império dominador. Há um forte controle sobre a sociedade e seu desenvolvimento tecnológico, o que favorece ao dominador. Também parece haver um indicativo da psico história.

Veja só. Toda a galáxia… eles foram forçados a estudar suas ciências sociais.” (p. 69)

O contexto dessa fala está apresentada dentro de um diálogo entre os personagens Biron e Gillbret que discutem exatamente o expansionismo de Tirania. 

A ópera espacial é um dos sub gêneros mais apreciados da ficção científica. As histórias envolvem um personagem principal (o herói) que é hábil, corajoso, destemido e muito inteligente que está lutando contra um adversário poderoso. Geralmente, um rei ou um império galáctico e ele fará de tudo para derrotá-lo. A favor do herói tem um personagem que o ajudará na sua trajetória até a vitória final.

Além desses elementos também encontramos a heroína, uma jovem que pode ser, ou não, frágil, mas depende das ações do herói para escapar das mãos do vilão ou do poder ao qual ela está correndo o risco de ter que se submeter. Outro elemento bastante importante na ópera espacial são as viagens interestelares que o herói faz para ir em busca da solução de como derrotar o vilão da história. Entende-se aqui também a perseguição que o herói sofre pelo cosmos e entre as estrelas.

Nas óperas espaciais não podem faltar as batalhas espaciais que reúnem em confronto, as forças do bem e do mal. Um dos exemplos clássicos é a franquia Star Wars.

Em Poeira de Estrelas encontramos todos esses elementos. Biron é o herói e Artemisia, a heroína. Ela foi prometida por seu pai a um nobre tiraniano em casamento, algo que ela quer evitar a todo custo. A forma que ela encontrou foi Biron que, além de ser o herói, também sabe pilotar uma nave e levá-la para longe de seu infortúnio. O personagem Gillbret se constitui no personagem ajudante de Biron.

Todas as ações de como Biron e seu grupo capturam uma nave tiraniana e a usam para a fuga espetacular se constitui no ponto alto da história. Há descrições de como são calculadas as coordenadas cósmicas para os personagens em fuga encontrarem o planeta dos rebeldes. Eles vão de planeta em planeta, cruzando a Nebulosa Cabeça do Cavalo e outros sistemas estelares. 

Nesse aspecto, Asimov mostrou muita imaginação para apresentar a forma científica de calcular as coordenadas. Se não são as correspondentes, pelo menos são baseadas em um conhecimento que havia na época. A forma como todas as ações foram descritas, leva o leitor a entrar na nave e seguir com os personagens em sua rota de fuga pelo cosmos. 

Não poderia faltar, é claro, o confronto final entre o herói e o vilão. Se Biron é o herói da história, o verdadeiro vilão é uma surpresa, ou nem tanto. Apesar de todos esses elementos interessantes, a trama central tem um final um pouco desalentador. Porém, segundo a biografia de Asimov, foi sugerido pelo editor da Doubleday e, como o interesse era a publicação, Asimov aceitou a sugestão. Esse fato fez com que ele considerasse Poeira de Estrelas uma de suas obras menores.

Poeira de Estrelas, de Isaac Asimov, é uma das primeiras obras de ficção científica de Isaac Asimov, porém cativa os leitores com uma narrativa envolvente, ação contínua e repleta de ideias inovadoras. A história oferece uma visão fascinante de um futuro distante, explorando temas como ciência, sociedade, política e a natureza humana.

A contribuição de Asimov para o gênero literário é inestimável, deixando um legado duradouro e influente. Poeira de Estrelas e a série do Império Galáctico continuam a ser lidos e apreciados por fãs de ficção científica ao redor do mundo, atraindo novas gerações de leitores com sua combinação única de exploração científica, reflexões filosóficas e narrativa emocionante.

Asimov elevou o patamar da ficção científica, ampliando os horizontes do gênero e inspirando outros escritores a explorarem temas complexos e a imaginarem futuros alternativos. Sua percepção visionária do Império Galáctico estabeleceu um marco para as sagas espaciais, apresentando uma narrativa épica que vai além das fronteiras do tempo e do espaço.

Poeira de Estrelas é um exemplo brilhante do talento literário de Isaac Asimov e de sua capacidade de desafiar os limites da imaginação. Constitui-se, portanto, em leitura obrigatória para os amantes do gênero e uma prova do poder transformador da literatura especulativa.

Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.