Uma produção da Netflix que chegou no final de 2023 deu a impressão de reviver um clássico do cinema sobre extraterrestres na terra. No entanto, não foi bem o que se pensava.
Paulo Bocca Nunes
A história de Nosso Amigo extraordinário traz um ET como pano de fundo para falar de algo bastante delicado e importante: a solidão na terceira idade. Enquanto somos jovens e adultos, vivemos intensamente as nossas vidas, correndo de um lado a outro, do trabalho para casa, de casa para o trabalho, esperando ansiosos pelas férias e os fins de semana. Nem percebemos o tempo passar.
Mas, quando chega a velhice e o ritmo diminui, as pessoas passam a ver o tempo de outra forma. Tudo se passa numa lentidão assustadora alimentada por uma solidão causada pelas pessoas mais importantes de nossas vidas: os familiares. A vida na velhice passa a ser um grande desafio para vencer
A história de Nosso Amigo extraordinário segue Milton, um homem de idade avançada, viúvo, que mora sozinho em sua casa, numa pacata cidadezinha do interior. Ele recebe com certa frequência a visita de sua filha Denise, que o ajuda a organizar as suas contas e as coisas da vida. Certos comentários e comportamentos de Milton fazem com que Denise acredite que ele está começando a ter problemas de memória.
A vida de Milton, como de outros moradores da cidadezinha, é ir às reuniões do conselho da cidade, onde as pessoas apresentam sugestões de melhorias. Milton sempre faz queixas das mesmas coisas. Ele não é muito levado a sério, mas, certa noite, uma nave espacial cai em seu quintal e ele conhece um ET. O que era para ser um segredo, passou a ser algo dividido com duas de suas amigas, também idosas.
A história, na verdade, tem um ET como elemento de fundo, pois o que se percebe em uma hora e meia é como esse universo de uma pessoa idosa vive em uma sociedade que não leva a sério os idosos, que não são levados a sério e os primeiros problemas de cognição começam a aparecer. Com esse panorama, ninguém iria acreditar em um idoso falando que tem um ET dentro de casa. Nem mesmo as suas amigas idosas.
Milton se ressente de seu filho que há muito tempo não vê. Mas, cria a sua válvula de escape ao dizer que ele mora e trabalha em outro estado e as ligações telefônicas são muito caras. Por outro lado, apesar das preocupações de sua filha, ele quer manter o pouco que lhe resta de independência para seguir a sua vida tranquila e monótona.
A forma como se desenvolve a amizade entre Milton e o ET segue a mesma morosidade da vida de Milton. No entanto, também mostra algo que Milton sente falta: alguém que preste atenção às coisas que ele diz. Diferente de sua filha, que quer dar cuidados ao pai, e das pessoas que vão ao Conselho da cidade, o ET presta atenção a tudo o que Milton fala, como se realmente estivesse se importando com o que fala.
Quando a verdade sobre o ET começa a chamar a atenção das autoridades, não vemos as cenas de perseguição que assistimos no clássico de Spielberg, nos anos 80. Mas, vamos observando como os três idosos se esforçam para ajudar Jules, nome dado por uma das amigas de Milton, a voltar para casa. A partir de Jules, os três personagens passam a ter uma nova dinâmica nas suas vidas e o medo de perder o novo e estranho amigo, mexe nas feridas não cicatrizadas do passado de cada um. O ET Julius passa a ser, portanto, um pano de fundo para falar de questões existenciais.
Sendo essa a questão principal do filme, não se admira que o próprio ET seja algo muito insosso e sem graça, ao contrário do ET de Spielberg muito bem trabalhado. A própria nave de Julius é totalmente sem graça: um disco voador sem qualquer detalhe importante ou que a torne uma das naves icônicas da ficção científica.
Um detalhe importante é o que Julius precisa para fazer com que sua nave o leve de volta para seu planeta. Com certeza vai fazer com que os adoradores de gatos se incomodem.
Nosso Amigo Extraordinário não é um filme grandioso, sequer pode se dizer que é de ficção científica, mas é um filme que deve ser assistido a partir de sua ideia central, mostrada desde as primeiras cenas do filme. Os personagens principais são cativantes. A direção é bem conduzida e a história é emocionante.
Nosso Amigo Extraordinário está disponível na Netflix.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.