FICÇÃO CIENTÍFICA

O Dia em Que a Terra Parou: um conto se tornou em clássico da ficção científica.

Um dos filmes de ficção científica mais marcantes da história e entrou para a cultura pop foi baseado em um conto quase desconhecido para o público em geral. O conto “Adeus ao Mestre”, publicado na revista norte-americana Astounding Science Fiction (outubro – 1940 – p. 58-87) narra a chegada de um extraterrestre e um robô à Terra. No entanto, o conto e as duas adaptações para cinema (1951 e 2008) seguiram rumos diferentes. Os dois filmes, no entanto, tiveram o mesmo título: O dia em que a Terra parou.

Por Paulo Bocca Nunes

Nas primeiras décadas do século XX, as revistas que publicavam contos de ficção científica, as chamadas pulp fiction, faziam sucesso no mercado norte-americano. Muitos autores que vieram a se tornar famosos começaram nessas revistas. Entre elas está a Astounding Science Fiction.

Na edição de outubro de 1940, o escritor norte-americano, Harry Bates, que dirigiu a Astounding entre 1930 e 1933, publicou o conto Farewell to the Master. Na época, ninguém, e sequer ele mesmo, poderia imaginar que esse conto fosse a base para um filme em 1951 e ainda viria a se tornar um clássico do cinema e uma referência na cultura pop.

Além dessa adaptação para o cinema, a história ainda chegaria às revistas de histórias em quadrinhos da Marvel Comics em 1973 para a série Worlds Unknown. Também houve mais uma adaptação para o cinema em 2005, no entanto distanciou-se bastante em relação ao conto e ao filme de 1951. Os dois filmes receberam o mesmo título: O dia em que a Terra parou.

Na história original de Bates, o fotógrafo jornalístico Cliff Sutterland é o personagem principal que se envolve na investigação do robô Gnut, companheiro de viagem interestelar de Klaato que morreu pouco depois de desembarcar na Terra. O mistério daquele robô que ficou imóvel logo que seu mestre foi morto vai desenvolvendo toda uma trama em que Cliff vai mergulhando cada vez mais. O final do conto é tão surpreendente quanto assustador.

Apesar das grandes diferenças, os dois filmes têm uma semelhança entre si. Nos dois, o personagem principal é Klaato, o extraterrestre que veio trazer uma mensagem muito importante para toda a humanidade. Em cada filme, no entanto, o robô ganha uma importância diferente, sendo que no filme de 2005 ele tem uma relevância quanto ao futuro da raça humana.

As duas obras fílmicas podem ser assistidas em plataformas de streaming, inclusive o filme de 1951 pode ser encontrado em preto e branco e dublagem em português. 

Lembro-me que, quando era criança (tenho 60 anos em 2021), eu assisti a esse filme de 1951 na TV. Nunca me saiu da cabeça aquela cena do extraterrestre saindo de uma nave espacial e o robô logo atrás. Essa imagem, aliás, é uma das cenas clássicas tanto do cinema quanto da ficção científica.

Chegar ao conto de Bates, no entanto, foi algo totalmente imprevisto. Eu o encontrei quando fazia uma pesquisa sobre filmes de ficção científica e fazer uma matéria para um canal que eu tenho no Youtube. Ao pesquisar sobre “O dia em que a Terra parou” eu soube do conto de Bates e daí fui em busca dele. Descobri, então, que o conto original havia sido digitalizado e colocado à disposição e está em domínio público em um site em inglês.

Procurei por uma tradução com publicação em português e, como eu não encontrei, decidi tomar a iniciativa de traduzir o conto e fazer esta publicação. Aproveitei e revi os dois filmes e escrevi um artigo em que analiso todas essas obras.

SOBRE O AUTOR

Harry Bates nasceu em 9 de outubro de 1900, em Pittsburgh, Pensilvânia . Ele começou a trabalhar para William Clayton na década de 1920 como editor de revistas pulp de aventura. Clayton propôs uma revista de aventura e Bates sugeriu várias alternativas e a ideia que venceu foi a que deu origem à revista Astounding Science Fiction.

A princípio, Bates não era fã de ficção científica, mas foi o editor da revista desde seu início entre janeiro de 1930 e março de 1933, quando Clayton faliu e a revista foi vendida para a Street and Smith. Durante esse tempo, ele editou outras revistas para Clayton, incluindo Strange Tales, destroçado a competir com a Weird Tales.

Além de afirmar que as histórias eram mal escritas e com conteúdo ruim, Bates dizia que as histórias nada tinham a ver com ciência dos cientistas. O que os escritores de ficção científica faziam, segundo ele, era “extrapolar” e não “relacionar” porque quase tudo o que era chamado de ficção científica na época não passava de mera fantasia e nada mais. Bates achava que a ficção científica precisava ser empolgante, mas não necessariamente precisa, e que a história e o ritmo eram mais importantes.

Bates escreveu diversos contos de ficção científica e ensaios. Também foi o editor de diversas revistas do gênero como as Astounding Stories of Super-Science (1930), Astounding Stories (1931-1932), Strange Tales of Mystery and Terror (1932) e a Astounding Stories of Super-Science (1933). Alguns de seus contos foram publicados com o pseudônimo Anthony Gilmore e H. G. Winter em diversas revistas.

A partir de 1960, aos 60 anos de idade, a saúde de Bates apresentava graves problemas. Ele mostrava estar incapacitado de escrever histórias para poder tirar o seu sustento devido a uma artrite progressiva. Assim, ele buscou ajuda do seguro social para conseguir manter-se. Bates faleceu aos 80 anos de idade em Nova York.

AS ADAPTAÇÕES PARA O CINEMA

A Twentieth Century Fox lançou o filme The Day the Earth Stood Still, que no Brasil se chamou O Dia em que a Terra Parou, em 1951, baseado no conto de Bates de 1940, “Farewell to the Master”. O filme de ficção científica apresentou Michael Rennie como Klaatu e Lock Martin como o robô alienígena gigante Gort, que foi chamado Gnut no conto de Bates. O roteiro coube a Edmund H. North e a direção a Robert Wise. O filme foi avaliado pela crítica como um dos maiores filmes de ficção científica já feitos. 

Em 2008, o diretor Scott Derrickson fez uma nova versão de O Dia em que a Terra Parou e trouxe Keanu Reeves como o alienígena Klaatu. David Scarpa escreveu o roteiro baseado no roteiro de 1951.

Tanto o conto quanto os dois filmes são obras do tempo de cada um. Desde H.G. Wells os alienígenas eram vistos como agressivos, violentos, ameaçadores e dispostos a dominarem a Terra e os humanos. Há também por trás da obra do escritor inglês algumas relações morais, éticas e sociais. 

No entanto, Bates fez o contrário com os alienígenas de sua história. Klaatu foi morto sem nada ter feito a não ser um gesto que significava um cumprimento ou algo de paz. Em nenhum momento o robô Gnut agrediu os humanos mesmo que esses tenham matado Klaatu. A descrição dada ao alienígena era de possuir um rosto que “irradiava bondade, sabedoria, a mais pura nobreza. Em seu manto delicadamente colorido, ele parecia um deus benigno“. 

No filme de 1951, havia um contexto que motivou a adaptação para o roteiro. Naquela época havia a Guerra Fria, uma representação simbólica para um conflito que se movia nos campos diplomáticos, econômicos, sociais e políticos, mas que assustava as pessoas. Os países dos chamados blocos liderados pelos Estados Unidos e a extinta União Soviética viviam o constante medo de uma guerra nuclear sem precedentes na história humana.

Sob esse contexto, o filme inicia com uma nave espacial aterrissando em Washington, trazendo o alienígena Klaatu e seu robô Gort. Antes que ele pudesse explicar o seu objetivo e passar a sua mensagem, Klaatu é baleado, mas, ao contrário do livro, ele não morre. 

Klaatu é levado a um hospital e recebe a visita do Secretário de Estado Norte-Americano. O alienígena relata os motivos que o trouxeram à Terra: alertar toda a humanidade sobre os perigos da ciência e da tecnologia que, sendo usadas de forma errada, poderia levar o planeta a uma guerra nuclear. Ele pede uma audiência com todos os líderes mundiais, algo que foi rejeitado pelo Secretário pela impossibilidade de colocar na mesma mesa os representantes de certas nações. 

Klaatu percebe que talvez fosse melhor primeiro conhecer os humanos para depois seguir com a sua missão. Então, ele foge do hospital e se esconde em uma pensão. entre as pessoas que ali estão, Klaatu conhece Helen Benson e seu filho Bobby e faz amizade com os dois. Através de Bobby, Klaatu vai ao encontro de um cientista, o professor Barnhardt. 

Klaatu revela a sua identidade e explica que a corrida armamentista dos humanos, produzindo armas nucleares e o desenvolvimento dos veículos espaciais, aliados à natureza violenta dos humanos, estariam preocupando os habitantes de outros sistemas estelares. Klaatu pede ao professor que reúna membros importantes da comunidade científica internacional para que eles sejam os portadores da sua mensagem.

Como forma de demonstração de força, Klaatu diz que no dia seguinte todos os aparelhos elétricos da Terra deixariam de funcionar, com exceção dos lugares em que isso causasse dano às pessoas, como hospitais e aviões em voo. No entanto, Klaatu é considerado uma ameaça e um perigo à humanidade e passa a ser perseguido.

Temendo ser morto, Klaatu pede a Helen que, caso isso acontecesse, ela deveria ir até Gort e dizer as palavras “Klaatu barada nicto”. Ao ser atingido e morto, Helen faz conforme as instruções, Gort pega o corpo de Klaatu e o leva para dentro da nave espacial, onde é ressuscitado.

Antes de partir, Klaatu apresenta um ultimato aos cientistas que se reuniram próximos à nave: a Terra deveria se juntar à pacífica confederação dos outros mundos habitados. A segurança dessa confederação era mantida por robôs tão poderosos quanto Gort que foram criados para eliminar quaisquer civilizações que promovessem a guerra no espaço.

A relevância desse filme foi reconhecida em 1983 quando foi incluído no Hall da Fama do Cinema de Ficção Científica como parte do Prêmio Balrog.

Por sua vez, a versão de 2008 trouxe um problema que estava relacionado à sua época. O filme inicia com a iminência de um objeto vindo do espaço em direção à Terra. Acreditava-se que fosse um asteroide, mas ao pousar no Central Park, em Nova Iorque, todos veem uma enorme esfera verde de onde sai um homem e um robô gigante. O homem, chamado de Klaatu, levou um tiro ao sair. Nesse instante, antes que Gort tomasse uma atitude de reação contra os agressores humanos, é possível ouvir Klaatu dizer a mesma frase do filme anterior: Klaatu barada nikto.

O alienígena foi levado a um hospital e se recupera. Em seguida recebe a visita da Secretária de Defesa dos Estados Unidos e pede uma audiência com todos os líderes do mundo para que todos ouçam a sua mensagem: a humanidade precisava cuidar do meio ambiente ou o planeta poderia correr o risco de ser destruído. Ele tem o pedido negado e foge do hospital. Ele faz amizade com Helen Benson, uma cientista, e ela o ajuda a seguir com a sua missão antes que algo de pior aconteça. 

Depois desse dia, outros pequenos e grandes globos pousaram na Terra causando pânico na população. Na terceira parte do filme, Klaatu fala que a Terra é considerada por outras civilizações planetárias como um dos poucos planetas preciosos capazes de sustentar vida inteligente e, portanto, deveria ser protegida da destruição pela humanidade. 

No final, o robô Gort dá início ao processo de aniquilação da humanidade pelo não cumprimento da mensagem trazida por Klaatu. Nesse aspecto, Gort se diferencia tanto da versão fílmica de 1951 quanto do próprio conto de Bates. No entanto, essa adaptação apresenta um conflito maior e consequente tensão dramática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto a obra de Bates quanto os dois filmes trouxeram suas contribuições dentro de seu próprio tempo e os contextos inseridos neles. No entanto, se não fosse o filme de 1951, o conto não seria de conhecimento público, aliás muito mais nos Estados Unidos do que no Brasil. 

O que tornou o filme de 1951 um ícone da ficção científica foi, certamente, a famosa frase que Klaatu ensinou à Helen: Klaatu barada nikto. No remake de 2008, a frase foi usada devido a insistência do ator Keanu Reeves e aparece duas vezes. A primeira quando Klaatu “desliga” Gort ao ser atingido no início e depois no final para interromper a destruição da Terra. É importante salientar que essa frase em nenhum momento aparece no conto.

A frase nunca foi traduzida no filme e nem Edmund North nem a 20th Century Fox lançaram uma tradução oficial. Porém, o estranhamento provocou uma admiração geral que, a partir de então, fez parte de vários debates sobre o possível significado da frase.

Alguns especularam se tratar de um dispositivo de segurança para desativar o robô, visto como muito poderoso. Outros consideraram ser uma forma de mensagem codificada para o robô ajudar Klaatu e não revidar os humanos. Em uma entrevista, o diretor Robert Wise disse que esteve em uma conversa com Edmund North, que lhe disse tratar-se de algo que ele havia inventado e lhe pareceu bom.

A frase já está incorporada na cultura pop e já teve referências em outros filmes, como por exemplo, Contatos imediatos de terceiro grau, Tron e Guerra nas Estrelas (os guardas de Jabba the Hutt chamam-se Klaatu, Barada e Nicto).

O filme de 1951 pode ser assistido, em preto e branco e dublado em português, em uma das páginas do Facebook clicando AQUI. Por sua vez, o filme de 2008 está disponível, até o momento em que esse artigo é escrito (dezembro de 2021), na plataforma Star+.

Assista ao vídeo sobre esse mesmo artigo, que está no Youtube. Aproveite e se inscreva no canal, acione as notificações, curta o vídeo e deixe o seu comentário.

Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.