FICÇÃO CIENTÍFICA

Perdido em Vesta: O Começo de Tudo Para Asimov

Um dos maiores escritores de Ficção Científica começou muito cedo a sua carreira nas antigas revistas pulp de um gênero que cada vez mais fazia sucesso nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século XX. O seu primeiro conto já mostra os indícios do estilo que o autor iria impor em suas obras, algumas já sendo clássicos da Sci-Fi.

Por Paulo Bocca Nunes

Em março de 2024 completam-se 85 anos da publicação do primeiro conto de Isaac Asimov. A primeira revista a ter esse privilégio, que na época não se tinha a menor noção da importância desse acontecimento, foi a Amazing Stories. O conto foi Perdido em Vesta (Marooned off Vesta).

Asimov é um dos grandes mestres da ficção científica e dispensa comentários e grandes apresentações. Ele é o autor de obras como a trilogia da Fundação, O Homem Bicentenário, Eu, Robô, entre outras marcantes para a ficção científica. No entanto, cabe ressaltar alguns aspectos importantes que estão relacionados ao seu primeiro conto.

Nascido em 2 de janeiro de 1920, segundo ele determinou em sua biografia, Perdido em Vesta foi publicado em 1939. Portanto, o autor tinha 19 anos de idade. Isso já seria o indicativo de um talento para escrever sobre o gênero. Na verdade, o conto foi o terceiro a ser escrito. O primeiro foi dado como perdido.

Perdido em Vesta foi oferecido para a revista Astounding Science Fiction em agosto de 1938. Porém, assim como os outros dois primeiros contos, a revista recusou. Em agosto, Asimov enviou para a Amazing Stories e foi aprovado. O conto foi publicado na edição de março de 1939, mas o seu nome não consta na capa como se fazia com os autores que também tinham suas histórias publicadas. Deduz-se que o motivo tenha sido o fato de o autor ainda ser um jovem desconhecido no meio literário de ficção científica, pois a revista já existia desde 1926, criada por Hugo Gernsback, tendo sido a primeira especializada em contos somente de ficção científica.O conto de Asimov, depois de já estar consagrado como escritor do gênero, foi publicado na coletânea Mistérios (1968) junto com outros contos do autor também publicados em revistas.

Capa da revista Amazing Stories, de março de 1939, onde foi publicado o primeiro conto de Isaac Asimov.
Primeiras duas páginas do conto Marooned off Vesta.

Desde muito jovem, Asimov lia as histórias nas revistas que eram vendidas na loja de doces da família, mesmo que a contragosto do pai. Aos 15 anos, ele recebeu uma bolsa de estudos da Seth Low Junior College, uma faculdade de graduação que era um tipo de filial da Universidade Columbia, e ele passou a estudar química. Nessa época ele tinha 15 anos e bacharelou-se em Ciências em 1939, ou seja, aos 19 anos.

Mesmo sendo tão jovem, Asimov tinha duas coisas que foram importantes para a formação do escritor: era leitor das revistas sobre ficção científica desde muito jovem e teve uma formação em Ciências que lhe garantiu fundamentos científicos para as suas histórias. Não é para menos que suas obras sejam chamadas de ficção científica dura (hard science fiction), ou seja, caracterizadas por seu interesse no detalhe e na precisão científica. Isso está presente, como veremos, em Perdidos em Vesta.

A precisão científica de Asimov vai ao encontro do que afirmou Hugo Gernsback no editorial da edição número 1 da revista Amazing Stories, criada por ele. No texto, Gernsback usou o termo cientificação para se referir a “um romance encantador misturado com fatos científicos e visão profética” e servir de entretenimento enquanto ensina algo relacionado à ciência. Mais tarde, na revista  Writer’s Digest (fevereiro de 1930), ele afirma que a história deve ser baseada “em princípios científicos conhecidos” e a teoria científica apresentada nas histórias deveriam estar corretas. Depois de ter perdido a propriedade da Amazing, Gernsback criou a Science Wonder Stories e a Air Wonder Stories, e nos editoriais, ele retoma a sua ideia de como deveriam ser as histórias: “… publicar apenas histórias que tenham sua base em leis científicas como as conhecemos, ou na dedução lógica de novas leis a partir do que conhecemos”. Portanto, seguir essas ideias para criar histórias de ficção científica não seria dificuldade para Asimov. E mesmo para ele, criar histórias que não tivessem fundamentos na ciência conhecida da época, seria uma atitude inconcebível.

RESUMO DA HISTÓRIA

Perdido em Vesta conta a história de três homens que sobrevivem ao naufrágio da nave espacial Silver Queen no cinturão de asteroides e se encontram presos em órbita ao redor do asteroide Vesta. Eles têm à sua disposição três quartos herméticos, um traje espacial, uma arma térmica, três dias de ar, um suprimento de comida para uma semana e um suprimento de água para um ano. 

Eles estão inicialmente desanimados por estarem destinados a morrerem asfixiados, até que um dos homens tem a ideia de abrir um buraco no tanque de água com a arma térmica. Se tivesse êxito, o jato de água solto no vácuo do espaço impulsionaria o destroço da nave para Vesta, onde havia uma pequena base de humanos.

Em algumas partes do conto, Asimov buscou dar precisão científica em alguns momentos da história. Tudo isso na forma de diálogos entre os personagens, algo que fugia de um texto didático do narrador. Um exemplo disso está no diálogo entre dois personagens, Mike e Moore, em que eles falam sobre a composição da superfície de Vesta:

– Lugar engraçado, Vesta, – observou Mike Shea.

– Eu estive lá embaixo duas ou três vezes. Que droga! É todo coberto de uma matéria que parece neve, apenas não é neve. Eu me esqueci como é que lhe chamam.

– Bióxido de carbono gelado? – prontificou-se Moore.

– Sim, gelo seco, aquele carbono, é isso. Dizem que é o que faz Vesta ser tão brilhante.

– Naturalmente! Isso a faz muito branca.

Mais adiante, a forma como é descrita a localização da espaçonave em relação à Vesta, ao Sol, à Terra e a Júpiter também é bastante interessante para mostrar ao leitor que o autor tinha pleno domínio de astronomia cósmica, como se ele mesmo já tivesse feito viagens espaciais e estivesse nos descrevendo o seu roteiro de viagens. Observe essa passagem quando o astronauta Moore sai da nave para ir em direção ao tanque de água que está do outro lado da nave. Pra chegar lá, ele tem que sair da nave usando os poucos recursos que sobraram e ainda fazer um grande esforço físico para não ser jogado no espaço:

Fechou os olhos e durante cinco minutos permaneceu ali, agarrando-se às faces macias do que fora uma vez o Silver Queen. O gancho magnético mantinha-o firme e, quando abriu os olhos outra vez, encontrou sua autoconfiança numa certa medida.

Olhou em torno de si. Pela primeira vez, depois da batida, via as estrelas em lugar da visão de Vesta permitida pela claraboia. Ansiosamente, buscou nos céus o pequeno ponto azul e branco que era a Terra. Ele sempre se divertira com o fato de que a Terra era sempre o primeiro objeto procurado pelos viajantes espaciais quando olhavam as estrelas, mas agora não lhe ocorria o humor da situação. Entretanto, sua busca foi em vão. De onde ele estava, a Terra era invisível. Tanto ela quanto o Sol deviam estar escondidos atrás de Vesta.

Além disso, havia muito mais coisas que ele não podia deixar de notar. Júpiter estava do lado esquerdo, um globo brilhante do tamanho de uma pequena ervilha a olho nu. Moore observou dois de seus satélites assistentes. Saturno também era visível, como um planeta brilhante, com uma magnitude negativa, rivalizando com Vênus como era vista lá da Terra. Moore esperara que um grande número de asteroides seria visível – perdidos como estavam no cinto dos asteroides – mas o espaço parecia surpreendentemente vazio.

Observe-se a segurança do jovem autor em apresentar uma descrição como essa, mesmo tendo apenas 18 anos de idade e sendo ainda um estudante. Os recursos naquela época, vale lembrar, não eram os mesmos de hoje. Aqueles que eram interessados em dominar alguma área do saber, tinham a sua disposição apenas as bibliotecas. Certamente, Asimov buscou algumas informações em livros para fazer essas descrições acima para dar à sua história um status de verossimilhança ou de algo plenamente crível.

Importante ressaltar que esse era exatamente o objetivo do criador da revista, Hugo Gernsback, quando lançou o primeiro número, em 1926. Além do mais, para ele, as histórias não deveriam servir apenas como entretenimento ou ser de uma leitura agradável, mas também deveriam ser instrutivas. Sob esse aspecto, é claro que não se desejava dar uma formação em astronomia para os leitores, e sim dar ao leitor precisão de informações que também pudessem transmitir algum conhecimento.

Perdido em Vesta certamente não se constitui no melhor conto de Asimov, mas por aquilo que Gernsback propôs para a sua revista, tudo foi plenamente observado ao longo da história. Nas obras subsequentes de Asimov isso passou a ser uma de suas características e foi um dos autores que motivou a criação da expressão hard science fiction.

SEQUÊNCIA DEMAROONED OFF VESTA

Em 1958, surgiu a ideia de comemorar o 20º aniversário da primeira publicação de Asimov e, para isso, ele escreveu uma sequência intitulada Aniversário, ambientada também vinte anos após os acontecimentos de Perdido em Vesta. As duas histórias apareceram na edição de março de 1959 de Amazing Stories e depois em 1973 na  coletânea Mistérios.

No conto Aniversário, os três amigos se reúnem para comemorar mais um ano desde o incidente próximo de Vesta, na espaçonave Silver Queen. Em meio à uma conversa sobre eles terem ficado famosos na época do acidente, mas, passados vinte anos, eles agora eram uns desconhecidos e descobrem que a companhia de seguros da antiga nave ainda estava guardando os destroços, indo em busca de alguma coisa. Todos acharam isso estranho, pois os custos para manter os antigos destroços em Vesta eram muito altos. Então, eles descobriram que poderia haver um objeto que fazia parte das pesquisas de um famoso cientista que estava na nave e morreu no acidente.

Os três antigos astronautas decidem descobrir que objeto é esse e porque ele é tão importante. Para isso, recorrem ao supercomputador Multivac, que apareceu também em outras obras do autor. À medida que eles vão juntando as peças do quebra-cabeças para descobrir que objeto poderia ser esse que a companhia de seguros está procurando, mais o trio de amigos se aproxima de encontrá-lo. O final é surpreendente, pois tem uma relação direta com o conto original de vinte anos antes e eles encontram uma maneira de voltarem a ficar famosos mais uma vez.

O QUE É VESTA?

Vesta é o segundo maior asteroide do Sistema Solar com um diâmetro médio de 530 km. O maior asteroide é Ceres com 964 km e, para uma comparação mais detalhada, o diâmetro da Lua é de 3.474 km e do planeta anão, Plutão, é de 2.376 km. O asteroide foi descoberto por Heinrich Wilhelm Olbers em 29 de março de 1807. Está localizado no cinturão de asteroides, região entre as órbitas de Marte e Júpiter. O nome veio da deusa romana Vesta, a deusa virgem da casa. Seu tamanho e o forte brilho da superfície fazem de Vesta o mais brilhante asteroide e o único que pode ser avistado da Terra com alguma facilidade. Em 16 de julho de 2011 a sonda da NASA Dawn entrou em órbita ao redor de Vesta para uma exploração de um ano. A Dawn saiu da órbita de Vesta em 4 de setembro de 2012 para viajar a Ceres.

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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.