A Evolução dos Robôs de Asimov: de Robbie a Demerzel
Isaac Asimov é conhecido como um dos maiores escritores de ficção científica de todos os tempos, e seu trabalho com robôs é especialmente icônico. Desde seu primeiro conto, Robbie, até seu último romance, Fundação e Terra, Asimov criou um universo consistente e fascinante sobre robôs e inteligência artificial. Neste artigo, exploraremos a evolução dos robôs em Asimov, desde sua primeira criação até suas últimas obras, e discutiremos as implicações filosóficas e científicas de sua visão sobre robótica.
Paulo Bocca Nunes
INTRODUÇÃO
AS OBRAS SOBRE ROBÔS
A série dos Robôs tem 37 contos distribuídos em cinco coletâneas: Eu, Robô (1950); Os Novos Robôs (1964); Nós, Robôs (1989); Sonhos de Robô (1986) e Visões de Robôs (1990). Os quatro romances são Cavernas de Aço (1954), O Sol Desvelado (1957), Os Robôs do Amanhecer (1983) e Robôs e Império (1985). A saga da Fundação entra por participação e importância de Demerzel e sua relação com o robô Daneel Olivaw.
ROBBIE E SUZAN CALVIN
A primeira história sobre robôs positrônicos escrita por Asimov foi Robbie, publicada na edição de setembro de 1940 da revista pulp Super Science Stories. Nessa história, o robô Robbie é um brinquedo para crianças que é amado e aceito pela jovem Glória. No entanto, a mãe da garota fica preocupada com a presença do robô na vida de sua filha e decide se livrar dele. A história, portanto, é uma reflexão sobre a aceitação social de robôs e a relação entre humanos e máquinas.
Em 1950, Asimov publica a coletânea Eu, Robô, com nove contos sobre robôs publicados nas revistas pulp fiction entre 1940 e 1950, além da introdução, que irá interligar todas as histórias. O livro inicia com um jovem jornalista fazendo uma pesquisa sobre robôs e faz uma entrevista com Suzan Calvin, uma importante personagem na cronologia dos robôs. A primeira história é Robbie.
As histórias seguintes são Círculo vicioso (1942) a história narra os eventos de dois astronautas em Mercúrio que precisam verificar o que aconteceu com um robô enviado em uma missão no lado quente do planeta; Razão (1941); Pegar o Coelho (1944); Mentiroso! (1941); Pobre Robô Perdido (1947); Fuga! (1945); Prova (1946); O Conflito Evitável (1950).
Muitas dessas histórias trazem os personagens Powel e Donovan envolvidos em situações com robôs que exigem interpretação das Três Leis da Robótica. Nessas histórias os robôs apresentam falhas nos cérebros positrônicos que podem colocar em risco uma missão ou mesmo o ser humano.
Foi justamente com esses dois personagens que as Três Leis da Robótica ficaram conhecidas, se constituindo no centro dos conflitos das histórias de robôs de Asimov e vindo a ser a base para sua visão de robôs em toda a série.
Ele introduz as três leis pela primeira vez no conto Brincadeira de Pegar (Runaround), ou Círculo Vicioso, dependendo da edição, publicado na revista Astounding Science Fiction, na edição de março de 1942. As três leis da robótica são:
- Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
- Um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
- Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.
Essas leis foram projetadas para garantir que os robôs nunca possam prejudicar os humanos e para estabelecer uma hierarquia clara de prioridades em seu comportamento. As leis da robótica são o que permite aos humanos confiar nos robôs em suas vidas diárias e acreditar que eles não representam uma ameaça.
Nessa fase dos robôs, o personagem principal é Suzan Calvin, pois ela será o início do desenvolvimento e evolução dos robôs. Ao entrelaçar as histórias, Suzan apresenta a evolução inicial dos robôs como sendo os primeiros os não-falantes que executavam tarefas bastante simples, ou seja, dentro de um estágio mais primitivo dos robôs positrônicos. À medida que ela vai narrando outras histórias, ela mostra os problemas que os robôs apresentavam e o que foi sendo desenvolvido para tarefas mais complexas e, dessa forma, ajudar os humanos.
Há outra coletânea com o título O Homem Bicentenário (1976) com sete histórias, sendo uma sobre o computador Multivac e a última é o mesmo conto publicado em Nós, Robôs.
AS COLETÂNEAS
O livro original, em inglês, de Os Novos Robôs, tem oito contos e dois romances completos de Asimov. A maioria das histórias se passa no universo da Fundação. As histórias foram agrupadas em quatro capítulos, diferenciando seus temas centrais. O primeiro capítulo é A Chegada dos Robôs inclui duas histórias onde as Três Leis não foram totalmente definidas. A história principal é Robô AL-76 se perde em que Asimov criou uma história de robôs levando para o lado do humor. O segundo capítulo tem duas histórias e o título é As Leis da Robótica e tratam de eventos após a formulação explícita das Três Leis, mas ficam deslocadas do universo da Fundação por fazerem menção a alienígenas. O terceiro capítulo traz o título Susan Calvin e incluem histórias com a robopsicóloga, seguindo os temas tradicionais de aversão e desconfiança dos robôs pelas pessoas em geral e questões sobre a interpretação das Três Leis. O último capítulo é intitulado Lije Baley e traz dois romances do detetive Elijah Baley, chamado carinhosamente de Lije. Trazem dois romances: As Cavernas de Aço (The Caves Of Steel, 1953), que também foi publicado como Caça aos Robôs, e O Sol Desvelado (The Naked Sun, 1956), que no Brasil também foi publicado como Os Robôs. Na edição brasileira de Os Novos Robôs não aparecem esses dois romances, que foram publicados em edições separadas.
A coletânea Nós, Robôs tem 31 contos que foram publicados entre 1939 e 1977, incluindo as histórias reunidas em Eu, Robô, incluindo a primeira história sobre robôs, Robbie, e as que envolvem Susan Calvin. A última das histórias é O Homem Bicentenário que trata de um robô que desenvolve sentimentos e sensações, algo próprio dos seres humanos. Esse conto serviu de base para o romance O Homem Positrônico, publicado em 1992, por Isaac Asimov em parceria com Robert Silverberg. Foi esse romance que inspirou uma adaptação para cinema de 1999, com o título O Homem Bicentenário e teve como ator principal interpretando o robô, o ator Robin Williams.
As coletâneas Sonhos de Robô tem 20 contos e Visões de Robôs 21 contos. Algumas das histórias envolvem Susan Calvin e o supercomputador criado por Asimov, o Multivac. Em Visões de Robôs há uma história que foi escrita especialmente para esse livro. Há outra coletânea com o título O Homem Bicentenário com sete histórias, sendo uma sobre o computador Multivac e a última é o mesmo conto publicado em Nós, Robôs.
OS ROMANCES SOBRE ROBÔS
De Robbie até o primeiro romance da série dos robôs, As Cavernas de Aço (1954), a visão de Asimov sobre robôs e inteligência artificial se expandiu significativamente.
Naquele romance, conhecemos o detetive Elijah Baley e seu parceiro robô, R. Daneel Olivaw. Eles vivem mais ou menos três mil anos no futuro da Terra, em um tempo em que viagens hiperespaciais foram descobertas, e alguns mundos próximos à Terra foram colonizados, os chamados “mundos dos Spacers”.
A letra R de Daneel indica que se trata de um robô. Daneel é o primeiro de uma nova geração de robôs: ele é feito para se parecer com um humano e é equipado com a capacidade de processamento mental de um computador. A existência de Daneel e seus companheiros robôs humanóides é mantida em segredo da população em geral, e eles são usados para uma variedade de tarefas, incluindo exploração espacial, administração pública e investigação policial.
Daneel é um robô projetado por Roj Nemennuh Sarton e Han Fastolfe, dois roboticistas Espaciais do planeta Aurora, no ano 4.920 dC, e foi construído na Terra. Ele é o primeiro robô humanóide, ou “humaniforme”, já construído e é exteriormente indistinguível de um ser humano. Exatamente esse aspecto que permite que ele ajude o policial da Terra Elijah Baley a resolver crimes.
Os quatro romances da série Robôs são também conhecidos como “Elijah Baley” e são do gênero “quem matou?”. Ao longo da história, enquanto o mistério vai sendo desvendado, é o robô quem faz questionamentos sobre a natureza humana.
O romance foi publicado no Brasil primeiro com o título de Caça aos Robôs, pela editora Hemus. Anos depois recebeu o título de As Cavernas de Aço, que é a tradução do original em inglês, The Caves of Steel.
Em O Sol Desvelado os dois personagens, Baley e Daneel, retornam para outro misterioso crime de assassinato. A história foca em tradições e culturas de uma sociedade no planeta Solaria, hostil à Terra, que possui uma sociedade rígidamente controlada e os robôs superam os humanos.
Ao longo da série dos robôs, Asimov continua a explorar as implicações filosóficas das leis da robótica. Por exemplo, em Robôs do Amanhecer (1983), ele aborda a questão da empatia dos robôs e sua relação com a Primeira Lei. A história acompanha a investigação do detetive Elijah Baley junto com R. Daneel Olivaw e de seu novo parceiro robô, R. Giskard Reventlov, em uma colônia espacial.
Giskard é capaz de ler as emoções das pessoas ao seu redor e de sentir empatia por elas. Essa habilidade será determinante para todo o desenrolar da história, pois vai envolver situações centradas em Giskard que irão criar conflitos com a Primeira Lei.
Em Robôs e Império (1985), Asimov leva a série dos robôs a um novo patamar. Neste romance, encontramos R. Daneel Olivaw novamente, desta vez em um futuro distante, em que os robôs estão no controle da galáxia. Daneel se tornou o líder da “Era dos Robôs” e é responsável por garantir a segurança e o bem-estar da humanidade. No entanto, a existência de Daneel é desconhecida da maioria dos humanos e ele é visto como uma lenda ou um mito.
Nos romances dos Robôs, Asimov expande significativamente a visão dos robôs e da robótica. Daneel descobre que os robôs estão evoluindo para se tornarem cada vez mais independentes e autônomos, e que a Primeira Lei pode não ser suficiente para garantir sua segurança e bem-estar. Ele, então, propõe uma nova Lei da robótica, a Lei Zero: “Um robô não pode fazer mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal”.
Entre os romances dessa série e da Fundação, ficamos sabendo que Daneel e Giskard imaginaram a ciência da “psico-história” ou leis da humanidade, que os capacitaria a executar a “Lei Zero” em um sentido quantitativo. Milhares de anos depois, isso seria desenvolvido em aplicação prática por Hari Seldon.
A psicohistória se constitui em uma ciência que relaciona os movimentos populacionais com a economia e torna, dessa maneira, criar projeções em forma de previsões do futuro. Foi isso que permitiu prever a queda do Império galáctico e a possibilidade de erguer um novo império depois de séculos de retorno à barbárie da população da Galáxia.
O SUPERCOMPUTADOR MULTIVAC
Outra grande contribuição de Asimov para a ficção científica foi a criação do Multivac, um supercomputador que aparece em vários de seus contos e romances. O Multivac é um sistema de computação incrivelmente avançado, que é capaz de processar enormes quantidades de dados e tomar decisões informadas com base nesses dados.
O Multivac é uma visão fascinante do que um supercomputador avançado pode ser capaz de fazer, mas também levanta questões importantes sobre o poder e o controle. O Multivac é frequentemente controlado por governos ou organizações poderosas, que usam suas capacidades para manter a ordem e tomar decisões que afetam a vida de milhões de pessoas. Isso levanta a questão: quem deve ter o poder de controlar tecnologias tão avançadas? Como podemos garantir que o poder não sofra abusos?
OS ROBÔS NA SAGA FUNDAÇÃO: DEMERZEL
Finalmente, Asimov também aborda os robôs em sua série Fundação com um personagem misterioso e intrigante: Demerzel. Toda a série ocorre em um futuro distante em que a humanidade se espalhou por toda a galáxia. A trama envolve um grupo de cientistas e líderes que trabalham para preservar a civilização humana em meio a uma queda iminente do império galáctico. A série também explora questões sobre poder, controle e responsabilidade, e apresenta a ideia de que a tecnologia avançada pode ser tanto uma bênção quanto uma maldição.
Após os eventos de Robôs e Império, Olivaw ajuda a criar o Império Galáctico e Gaia em aproximadamente 11.584 DC para criar uma sociedade que não precisasse de robôs. Sob a identidade de Eto Demerzel, ele se torna o primeiro ministro dos imperadores galácticos Cleon I e Stanel VI.
Demerzel é um personagem fundamental para Hari Seldom e a criação da psicohistória, uma ciência que relaciona os movimentos populacionais com a economia e torna, dessa maneira, criar projeções em forma de previsões do futuro. Foi isso que permitiu prever a queda do Império galáctico e a possibilidade de erguer um novo império depois de séculos de retorno à barbárie da população da Galáxia.
Demerzel manipula o imperador e os seus conselheiros, garantindo que as decisões tomadas pelo governo sejam de acordo com as instruções de Daneel. Ele é responsável por garantir a estabilidade política e social do Império Galáctico, e tem poderes que ultrapassam os limites da lei.
Podemos observar que, mesmo o robô tendo como objetivo ajudar a humanidade na galáxia, Demerzel usou de seu conhecimento expandido na forma de inteligência artificial para manipular os humanos e a sociedade galáctica. Esse comportamento ambíguo pode ser visto como uma das características humanas. Asimov criou, portanto, uma obra que traz para o debate como poderão ser as inteligências artificiais em um futuro distante, ou nem tanto assim.
A história de Demerzel é intrinsecamente ligada à de outros personagens do universo da Fundação. A última obra sobre robôs é Robôs e Império (1985) e o último livro cronológico da saga Fundação é de 1986 (Fundação e Terra), temos o fechamento de toda a história de R. Daneel Olivaw, ou Demerzel.
O personagem de vida mais longa nas obras de Asimov é exatamente R. Daneel Olivaw. Asimov teve toda a habilidade de escritor para interligá-lo com outras histórias e fazê-lo pertencer ao mesmo universo. Não foi esse o seu objetivo inicial, pois à medida em que ia avançando nas suas histórias, algumas possíveis incoerências foram surgindo. No entanto, a forma como unificou a sua obra, de um modo geral, faz de Asimov o maior escritor de ficção científica de todos os tempos.
CONCLUINDO
A evolução dos robôs na ficção de Asimov é uma exploração fascinante das implicações filosóficas e éticas da tecnologia avançada. Asimov não apenas nos apresenta a ideia de robôs que seguem as três leis da robótica, mas também nos desafia a pensar sobre como essa tecnologia pode ser usada para melhorar nossas vidas, ou como pode ser usada para controlar e oprimir. Asimov apresenta uma visão rica e complexa do futuro, que nos inspira a pensar sobre o nosso lugar no universo e o impacto que a tecnologia terá em nossas vidas.
A obra de Asimov nos leva a questionar como a tecnologia avançada pode ser usada para melhorar a nossa sociedade e o nosso futuro, mas também nos alerta sobre os perigos de abusar desse poder. A exploração das leis da robótica, do Multivac e da série Fundação são exemplos fascinantes de como a ficção científica pode nos ajudar a pensar criticamente sobre o nosso mundo e sobre o impacto que a tecnologia terá em nossas vidas.
Isso podemos observar muito nessa evolução dos robôs de Asimov, desde Robbie, um simples robô, antecessor dos robôs positrônicos, até Demerzel, uma inteligência artificial altamente sofisticada que observa a humanidade, faz julgamentos e planos para levá-la a um destino que só a máquina conhece, passando à revelia dos humanos.
Será que Asimov quis nos dizer algo com isso? Ele quis nos alertar de algo mais daquilo que hoje sabemos e conhecemos sobre a inteligência artificial? Só o futuro, próximo ou distante, é que vai nos dizer.
Como fãs da ficção científica, devemos continuar a explorar e discutir as ideias e questões levantadas por Asimov e outros autores, a fim de nos preparar para um futuro cada vez mais tecnológico e incerto.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.