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Como eu me tornei super-herói

A platafoma da Netflix tem valorizado a diversidade de produções de várias partes do mundo. O cinema francês tem sido um desses casos, mas dessa vez entra em um gênero que fez a Marvel se tornar uma gigante quase imbatível: um filme de super-heróis.

Por Paulo Bocca Nunes

Julho de 2021 marcou a chegada de uma produção francesa na Netflix, marcando presença no mercado de super-heróis, mas não espere algo parecido com Marvel ou DC. O filme é uma adaptação do romance de Gérald Bronner e estreou no Festival de Cinema de Deauville em setembro de 2020.

A trama do filme é simples: em um mundo onde já existem super-heróis, uma droga comercializada de forma clandestina concede poderes a qualquer um que tenha dinheiro para comprar. O detalhe é que os heróis que já nasceram com seus poderes fazem o bem e defendem a justiça, enquanto os que buscam poderes com a droga cometem crimes que podem ser desde uma vingança por sofrerem bullying na escola até cometer assaltos.

Além disso, o uso da droga pode trazer outros problemas muito sérios para a usa. Para investigar esse comércio ilegal são encarregados os policiais Moreau e Cécile. Em certo momento, surgem super-heróis que se afastaram da atividade, mas ajudam Moreau a buscar o fornecedor da droga. Moreau é o típico policial complicado, com vida complicada e sempre em dificuldades com o seu superior. Aquele tipo de policial clichezão que não gosta de trabalhar em equipe e não gosta de seguir regras.

Pra completar, ele acaba se envolvendo em mais problemas e deixa a sua parceira de cabelo em pé. À medida que a história vai se desenrolando, ele adquire poderes e a partir daí passa por uma mudança interior que não chega a ser muito aprofundada.

Para variar, como todo filme francês, a história vai andando meio devagar. Na fotografia, há uma variação de planos interessante, mas tem vezes que se gasta muito tempo supervalorizando o plano fechado no personagem seja qual for a cena. A história não tem muita profundidade, nem mesmo o personagem principal, Moreau.

O roteiro valoriza as ações atuais do personagem sem nos trazer aspectos passados que tenham sido relevantes para a formação do caráter de Moreau e possam servir para dar alguma empatia do espectador. As cenas dele sendo o policial destemido parecem mais dar uma visão do galã para a tela do que dar um clima de tensão e expectativa do que vai acontecer.

O que parece bem mais interessante são os super-heróis que ajudam Moreau. Um deles tem super-velocidade, mas por estar com mal de Parkinson, fica todo atrapalhado quando usa seu poder. Seria a veia cômica do filme o que, por falta de uma profundidade dramática ao personagem principal, quase faz do filme uma sátira exclusiva dos filmes de super-heróis. Mesmo assim ainda falta muito para ser uma comédia. Aliás, em se tratando de filme francês seria quase um acontecimento surpreendente.

O vilão da história não creio que convença. Quando ele surge, temos a impressão de que ele é o vilão por algo terrível que o tornou uma pessoa perversa, mas também não temos isso. Há uma tentativa de fazer dele algo sombrio e também não convence. Por conta dessa superficialidade, a cena em que ele elimina um desafeto causa um mal estar. Ficou uma coisa assim: “O vilão matou por matar porque ele é o vilão”. Ainda não faço ideia o que motiva o vilão.

Pra piorar, ele tem traços orientais, o que parece ser a única explicação para o fato dele ser um vilão cruel. É óbvio que isso não explica, não justifica, nem convence. Um dos problemas, ao meu ver, é o “explicar” ao invés de “mostrar”. Isso deixa o filme lento, sonolento e pouco interessante. É assim com Moreau, com os heróis aposentados e com o vilão.

O filme faz algumas referências interessantes como a questão do tráfico de drogas ilícitas e do enriquecimento que ela proporciona a um fornecedor sem qualquer tipo de escrúpulos. O uso de drogas por parte de jovens oprimidos por um sistema que escolhe os seus alvos para degradar ou humilhar. Parece dar uma ideia também de que as pessoas querem um lugar de destaque numa sociedade que tem as portas fechadas para aqueles que buscam o seu próprio espaço e, por isso, buscam todos os meios para abrir essas portas.

Os efeitos especiais foram convincentes apesar do orçamento bastante baixo, ou ser um exagero para os padrões franceses. As ações fluem mais da segunda metade do segundo ato em diante. A participação dos antigos heróis, principalmente de Callista, que tem o poder de ver o futuro.

O filme também não desenvolve um relacionamento que possa servir de elemento dramático. Não se tem uma definição romântica de Moreau com Cécille ou Callista. Não que isso seja fundamental para o filme ser bom, mas não nos deixa a esperar por algo que não anda, não se desenrola, não se vê uma “química” entre quem quer que seja. O final apenas sugere alguma coisa. Inclusive na cena pós crédito que nos dá a certeza de que terá uma sequência. Uma coisa que não me empolga muito.

O filme não é terrível e nem uma sumidade da sétima arte. Dá pra assistir tranquilamente num dia que a pessoa chega em casa muito cansada, de saco cheio de um dia de trabalho e quer relaxar com um filme. Com certeza vai dar um soninho.

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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.