Destruição final: o último refúgio, uma superação em família.
Os chamados Filmes Desastre ganharam força durante o período de pandemia, provavelmente como uma forma de catarse para a humanidade. Muitos filmes mostraram uma possibilidade de existência humana pós apocalíptica na Terra, mas o filme de Ric Roman Waugh traz algo diferente apesar de não convencer no conjunto da obra.
Paulo Bocca Nunes
A tecnologia do final do século XX e início do XXI voltada à astronomia alimentou a imaginação da humanidade de um modo geral. Muitas descobertas de corpos celestes vagando pelo espaço pelas proximidades de nosso planeta têm sido divulgadas de forma bastante alardeada. Quando nos referimos à “proximidades” não significa dizer que esses corpos celestes passam encostando na nossa atmosfera. Mas as notícias sempre trazem um título que causa mais efeito pela forma como escrevem do que propriamente o perigo em si de um choque iminente e devastador.
Chega a ser realmente assustador quando falam nas dimensões desses objetos, pois são informados seus tamanhos não em metros, mas pelo tamanho de objetos que conhecemos aqui na Terra como, por exemplo, a Torre Eiffel. O leitor das notícias pode nunca ter estado em Paris para saber o quanto ela é alta, mas todos têm uma ideia bastante clara pela comparação do que se dissesse que um asteroide tem o tamanho de 324 metros. Logicamente, um esteroide desses causaria um desastre enorme e colocaria em risco a humanidade.
Com tantos telescópios espalhados pelo planeta e com os telescópios colocados em órbita, a vigilância passou a ser muito maior. Com resultados de pesquisas e varreduras pelo espaço em busca desses objetos potencialmente perigosos, somados às notícias alarmantes para chamar mais leitores para periódicos sensacionalistas, as inspirações para filmes com esse tema chegam muito rápido. O que se espera, no caso de um filme, é que haja um roteiro bom, um diretor talentoso e um elenco que corresponda. Os efeitos especiais são o recheio do bolo.
Alguns filmes do tipo “desastre”, no entanto, podem ser ótimos, mas também podem vir a causar desconforto ou até mesmo podem afundar nas expectativas. Serem um desastre seria um adjetivo mais apropriado, entretanto isso seria um trocadilho um tanto infame. Em Destruição final: o último refúgio, com roteiro de Chris Sparling e a direção de Ric Roman Waugh, quase foi isso por conta de algumas superficialidades que, no meu entender, deixaram o filme com o brilho um pouco ofuscado.
A HISTÓRIA
John Garrity (Gerard Butler) é um engenheiro estrutural que vive em Atlanta, Geórgia. Está em fase de separação de sua esposa Allison (Morena Baccarin). O casal tem um filho diabético, Nathan (Roger Dale Floyd). Ele volta para casa para ver a passagem de um cometa interestelar recentemente descoberto e que foi chamado de Clarke. Em sua casa estão alguns vizinhos.
Ao chegar no supermercado para comprar bebidas e alguns alimentos, John recebe um telefonema do governo dos Estados Unidos, dizendo que ele e sua família foram pré-selecionados para um abrigo de emergência.
Bastante surpreso e preocupado, ele volta para casa. Todos assistem à queda de um dos fragmentos do cometa que atingiu a Flórida, destruindo tudo e causando uma força de impacto muito grande.
John recebe mais uma vez a chamada do governo em seu celular e pela TV. As instruções são para irem imediatamente para uma base militar para de lá tomarem um avião e irem para um abrigo.
Um vizinho de John explica que Clarke não é apenas um cometa, mas um gigantesco grupo de objetos que irão bombardear a Terra nos próximos dias e o maior fragmento esperado vai causar um evento de nível de extinção em massa.
A família faz as malas e vai embora sob os olhares dos vizinhos que não foram selecionados. Aqui começa a jornada da família que vai enfrentar situações difíceis para chegar à base militar à medida que os fragmentos vão caindo e destruindo tudo, cuidar de seu filho diabético e da tentativa das pessoas de tirarem deles as pulseiras que usam e os identificam como os escolhidos para embarcarem em um dos aviões.
Os muitos desencontros e as reviravoltas constantes interferem na relação do casal. Aliás, o filme é mais centrado na relação do casal e como os acontecimentos extremos podem afetar e mudar as pessoas. Em uma cena em que John precisa lutar pela sua vida, ele toma uma atitude que não é exatamente a que ele gostaria ou teria planejado. Isso o abalou profundamente e trouxe ao espectador uma reflexão sobre o comportamento humano em momentos de grande tensão.
A trama toda envolve o conflito interno do casal, a luta para manter o filho atendido em sua necessidade por insulina, a luta para alcançar o abrigo na Groenlândia e as despedidas de coisas importantes e bastante caras que precisam ficar para trás. Todos esses conflitos vão se desenrolando e crescendo à medida que o filme segue. O único vilão dessa história toda é o tempo, contra o qual todos correm. Um vilão tão assustador quanto o próprio cometa que se aproxima cada vez mais.
Em certos momentos, os acontecimentos causam uma agonia no espectador. Parece que o pior sempre está à espreita e o final trará o resultado mais desastroso possível. O final traz um problema que, se entendermos alguns aspectos que surgiram durante o filme, poderia ter sido bem explorado.
O abrigo foi fechado pouco antes do impacto fatal do cometa e, nove meses depois, a grande porta se abre e todos veem uma terra arrasada. O que aconteceu durante esses nove meses dentro do abrigo? Antes de entrarem, não se viu nenhum problema entre as pessoas, mas e as questões pessoais que provavelmente existiam, como elas ainda existem hoje? No primeiro e segundo atos do filme, ficamos sabendo o que levou John e sua família a serem escolhidos para entrarem no abrigo. Isso gerou conflitos sérios. E dentro do abrigo, durante nove meses, não haveriam também outros conflitos que colocassem a segurança de todos em risco? Como todos estavam se preparando para retornar à superfície e repovoar o planeta? As velhas questões sociais, de cor de pele entre outras estariam resolvidas? Essas perguntas não foram respondidas, entretanto, para que isso pudesse acontecer, seria necessário um tempo muito maior de filme e algumas mudanças no roteiro, tirando um pouco do foco no casal e na sua trajetória de sobrevivência.
Para resolver isso, talvez tenhamos que aguardar uma sequência, pois isso ficou muito evidente no final. Inclusive, tanto o diretor quanto a produção de Destruição Final esclareceram em meados de 2021 que haveria uma sequência.
Outra questão são as reviravoltas constantes, mas não parecem orgânicas ou naturais pela própria sequência dos fatos. Em meio a um verdadeiro caos, tudo parece bastante cronometrado e planejado para dar certo dessa e daquela maneira. Algumas coisas vão se resolvendo e se encaixando de forma tranquila. Tudo bem certinho. Os desencontros dão a impressão de que acontecem para obedecer ao “manual do roteirista” e depois tudo se resolve de forma quase mágica e precisa. Como se um deux ex machina estivesse ajudando os personagens. Os protagonistas têm apenas a obrigação de se movimentarem para alcançarem o objetivo comum.
Mesmo com problemas no roteiro e de direção, o filme prende a atenção do espectador. A trajetória e os conflitos dos três personagens da família de John conseguem render algumas reflexões, mesmo que um pouco superficiais.
Os efeitos especiais e a fotografia se destacaram. As cenas que mostravam a atmosfera sendo atingida pelos fragmentos do cometa e depois com o impacto final, com a onda de choque se espalhando pelo globo terrestre, foram até assustadoras. Fica a pergunta: será que é assim que pode acontecer se um dia um desses objetos atingirem a Terra? Será que foi assim há milhões de anos, quando da extinção dos dinossauros? São perguntas apenas de um curioso.
Se compararmos Destruição Final com outro filme que trata de um tema semelhante veremos uma grande diferença. Nesse filme a comunidade científica estava atenta para um evento que vinha do espaço e estava sendo monitorado. Também traz esperança, ou seja, havia abrigos construídos para salvar uma parte da humanidade. De modo diferente, em 2021, o filme Não olhe para cima mostrou um evento parecido, mas nesse caso os personagens principais eram astrônomos que não foram levados a sério quando alertaram sobre um cometa. Quando todos perceberam o erro, já era tarde e ficou subentendido que a humanidade também não sobreviveu.
Destruição Final estreou em 2020 com alguns prejuízos causados pela pandemia. Ao chegar nas plataformas de streaming ganhou um pouco de fôlego, mas ainda assim recebeu algumas críticas não muito favoráveis. Atualmente, em 2022, está na HBO.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.