FILMES E SÉRIES DE TV

Filhos do privilégio: mais um filme sem rumo?

Quando um filme traz um roteiro com “buracos”, o final nunca traz uma solução convincente.

Paulo Bocca Nunes

Um dos problemas mais incômodos em qualquer filme diz respeito a um roteiro muito mal elaborado que dá a impressão de estarmos assistindo a dois ou três filmes dentro do mesmo filme. Esse é o caso de Filhos do Privilégio, produção alemã que estreou na Netflix em fevereiro de 2022.

Não vou afirmar que o fato de ter quatro roteiristas (Sebastian Niemann, Eckhard Vollmar, Katharina Schöde, Felix Fuchssteiner) signifique que cada um deu a sua ideia e escreveu a sua parte separado dos outros, sem qualque conversa durante o processo d criação. Mas, passou (pelo menos, para mim) a impressão de que escreveram a partir de uma ideia mais ou menos combinada, quem escreveria o que e depois foram juntando os textos.

Vou arriscar a dizer o mesmo da direção de Felix Fuchssteiner e Katharina Schöde. Dois diretores que ajudaram a escrever o roteiro e depois cada um deu o seu rumo na direção. Não vejo problemas no elenco, que é bastante qualificado. O problema é a história que foi se perdendo à medida que avançava e entregava coisas que se misturavam num caldeirão de argumentos que não estavam desenvolvidos para entrar na trama.

A história começa com Finn, um pré-adolescente sendo tirado de casa às pressas pela sua irmã mais velha, que diz estar sendo perseguida por algo misterioso. Eles fogem até uma ponte, de onde ela se joga, acaba morrendo e isso causa um trauma em Finn.

A história dá um salto de alguns anos à frente e encontramos Finn já adolescente que faz um tratamento aparentemente relacionado com o trauma da morte da irmã. Algumas coisas estranhas começam a acontecer, como mortes de pessoas muito próximas de Finn e de sua amiga Lena e da pretendente Samira. Todos estudam na mesma escola.

Finn passa a ter visões ou alucinações e seus pais não lhe dão muito crédito no que ele diz. No começo, tudo parece ter relação com algum tipo de droga alucinógena que causa visões aterradoras na pessoa. Porém, em determinado momento do filme tudo muda de direção e se transforma em uma conspiração que envolve uma seita satânica, pessoas que compram crianças para serem adotadas, mas que servirão para propósitos nada agradáveis.

O problema é que as coisas vão surgindo e se misturando no que já foi mostrado por primeiro. Dá a impressão é que as ideias para o roteiro foram surgindo e todos foram se divertindo com cada uma delas e encaixando no que já havia sido escrito, bastando apenas explicar de forma superficial e contada para dar um certo ar de unidade à trama.

Eu não vejo muita coerência, por exemplo, em relacionar sexo grupal depois de uma sessão de exorcismo mesmo que um dos personagens diga: “E se essa for a última noite de nossas vidas?”. As sequências no terceiro ato, que mostram o que na verdade o filme estava querendo nos dizer, mas não soube construir lá no começo, foi a evidência (ou prova) de que ninguém sabia exatamente o que queria.

Filhos do Privilégio também dá mostras de ser uma colcha de retalhos em que cada parte se constitui numa referência a outros filmes de terror e suspense. Até mesmo parece fazer uma brincadeira com cada uma dessas referências querendo passar uma ideia de seriedade.

Para piorar, o final foi bem fraquinho, parecendo aqueles finais de filmes de super-heróis dos anos 60 e sugerindo que pode haver uma continuação. Se depender de mim, pode ficar só por esse filme. Mas, se houver uma continuação, por favor, que seja apenas um roteirista muito inspirado e que não assuma a direção.

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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.