Foundation: Reflexões Sobre a Segunda Temporada

O final da segunda temporadade Foundation, na Apple TV, não encerrou os debates. Agora é que começam as reflexões do que aconteceu até agora e o que se pode esperar para terceira temporada.

Paulo Bocca Nunes

Este artigo contém spoilers dos livros de Isaac Asimov e da série ‘Foundation’ da Apple TV.

A segunda temporada de Foundation, na Apple TV, recebeu elogios por trazer uma trama envolvente, que ficou centrada na personagem Demerzel na segunda temporada, e por críticas por ser uma série que se afastou do texto original de Isaac Asimov. O último episódio marcou o fechamento de alguns ciclos e abriu várias portas para outras tramas paralelas. Sobre tudo isso podem ser feitas algumas reflexões sobre a segunda temporada e que se pode esperar a partir da terceira.

O QUE MARCOU A SEGUNDA TEMPORADA

Seis pontos são fundamentais para os acontecimentos que se desenrolaram na terceira temporada de “Foundation”:

1. A morte do Imperador Dia na batalha próxima da Términus; 
2. O assassinato de Irmão Crepúsculo por parte de Demerzel;
3. A fuga de Irmão Alvorada com a ex-noiva do Imperador Dia, que está grávida do próprio Irmão Alvorada;
4. A confirmação de que Demerzel é a verdadeira Imperatriz, que manipula os três clones de Cleon I;
5. A decantação dos três clones de uma só vez significa que Demerzel irá manter o controle absoluto sobre os clones e manter o seu poder por trás do  trono do Império Galáctico.
6. Com a posse do Primeiro Radiante, Demerzel pretende estudá-lo e assim terá o conhecimento de tudo o que Hari Seldon previu para a criação da Fundação. Principalmente irá saber quando acontecerão as próximas crises e assim irá atuar para impedir que a Fundação prossiga nos seus planos.

COMO DEMERZEL FOI PARAR NO CENTRO DO PODER

Demerzel diz a Irmão Crepúsculo que ela é o marionetista de seus próprios cordelinhos. No episódio 9 foi mostrada a verdadeira história de Demerzel, de como ela foi encontrada pelo primeiro Cleon, quando ela estava aprisionada em uma sala subterrânea do palácio imperial.

A condição de ser libertada era manter-se fiel a Cleon I e fazer de um plano arquitetado por ele: criar uma dinastia genética e perpetuá-lo no poder. No entanto, essa programação a manteve escrava para executar essa tarefa.

A programação de Cleon I também consistia em fazer com que Demerzel desenvolvesse emoções. Isso incluía sentir amor por ele. Ao longo de milhares de anos em que se manteve fiel a aos serviços dos Cleons, Demerzel continuou a desenvolver emoções cada vez mais humanas. Porém, isso também incluiu desenvolver sentimentos de raiva. 

A programação de Cleon I com o tempo desenvolveu um conflito imenso dentro de Demerzel e, com a decisão do Imperador Dia em se casar e acabar com a dinastia genética, fez com que Demerzel tomasse uma decisão fatídica: forjar um atentado à vida do Imperador Cleon para acusar a rainha Sareth, noiva pretendente do Imperador, e assim afastá-la dos planos de casamento.

O PLANO DE DEMERZEL

A decisão de decantar os três clones ao mesmo tempo é uma forma de golpe de estado por parte de Demerzel. Dessa forma, ela vai estabelecer uma nova forma de governo que pode até mesmo envolver o retorno dos robôs à posição de liderança suprema na galáxia. Com a posse do Primeiro Radiante e decidida a se fortalecer cada vez mais no controle do Império, Demerzel deverá ser um forte adversário na terceira temporada. 

No episódio 9, o Imperador e Demerzel entram no Vault e dialogam com Hari Seldon. Ele tentou mostrar a Demerzel como o Primeiro Radiante funcionava, mas foi interrompido pelo Imperador. Ao que tudo indica, Demerzel roubou esse Primeiro Radiante sem ninguém saber e o levou para Trantor para estudar sua matemática e funcionamento interno. Se ela souber como funciona e o plano mais amplo da Fundação, isso poderá ameaçar as esperanças da Fundação de derrubar o Império e inaugurar uma nova era para a humanidade. 

O fato de Demerzel estar de posse do Primeiro Radiante muda muita coisa para a terceira temporada (ou será na quarta?). O Primeiro Radiante de Seldon pode existir em mais de um lugar ao mesmo tempo, pois, segundo ele, o objeto é um computador quântico em estado de sobreposição, ou seja, ele existe em dois lugares ao mesmo tempo. 

O que se percebe é que o Primeiro Radiante se constitui no artefato mais importante de toda a galáxia. Mais do que um banco de dados, ele é um computador que vai além das três dimensões e pode mudar o Império para sempre. A inteligência de Demerzel combinada com o conhecimento do Primeiro Radiante tornará o Império Galáctico mais perigoso do que nunca.

O SONO CRIOGÊNICO DE DORNICK E SELDON

Os dois decidiram se preparar para a próxima crise que envolverá o Mulo, um poderoso mentálico que quer dominar a Fundação. Para isso, os dois entraram em sono criogênico e acordarão uma vez a cada ano para ensinar psico história aos mentálicos. Eles também vão aprimorar suas próprias habilidades telepáticas para a batalha que está por vir contra o Mulo dali a 150 anos.

Já se sabe que haverá mais mudanças em relação aos romances de Asimov. Por exemplo, nos livros, o Mulo usa suas habilidades mentais para começar a conquistar vários planetas na periferia da galáxia. Na segunda metade de Fundação e Império, por exemplo, o mentálico conquista Terminus, mas, conforme foi mostrado na segunda temporada, Terminus foi destruído, o que já é uma grande mudança.

VAI HAVER LUTA PELO TRONO DO IMPÉRIO?

Quando o Irmão Alvorada viu a marca verde no pescoço de Demerzel, percebeu que ela iria matá-lo junto com a rainha Sareth. Demerzel estava seguindo a sua programação de sempre proteger o Império, mantendo a Dinastia Genética, e nunca permitiria que um Cleon se casasse e tivesse um herdeiro. Em mensagem trocada entre Demerzel e Alvorada, ele diz que nenhum dos dois está interessado no trono do Império. Mas, e quanto aos descendentes? Eles pensarão a mesma coisa?

A PROJEÇÃO PARA A TERCEIRA TEMPORADA

Se nos baseamos no material de origem de Asimov, não podemos afirmar o que irá acontecer na terceira temporada. Muita coisa foi alterada, mesmo que a série até agora tenha agradado em termos de produção, elenco, efeitos especiais, cenários, direção entre outros. No entanto, algumas coisas precisam ser observadas.

No release da Apple TV, antes da estreia da segunda temporada, se falava em uma rainha vingativa. Pois, a rainha Sareth foi apresentada como a noiva do Imperador Dia, que decidiu acabar com a dinastia genética e iniciar a sua própria descendência e futura linhagem de imperadores. Esse arco dramático foi o mais fraco de toda a segunda temporada. 

A personagem rainha Sareth não se manteve à altura dos outros personagens. Nem mesmo ao jovem Imperador Alvorada. Além do mais, o jovem Alvorada também esteve muito abaixo do que poderia oferecer como uma peça importante em um arco dramático. A química entre Alvorada e Sareth não foi convincente. O jogo de caras e bocas para mostrar a face de vingança de Sareth foi algo bastante forçado e cheio de clichês. Quando muito, os dois personagens apenas plantaram uma semente para uma possível trama no futuro, caso os descendentes venham reivindicar o trono do Império Galáctico em uma temporada futura. Esse fato, na trama, não seria apresentado sem que fosse importante no futuro da série.

Por conta disso, também se espera que a terceira temporada não caia no erro de tentar manter dois arcos dramáticos intensos. Um deles aponta para Demerzel controlando o Império e estudando o Primeiro Radiante para derrotar a Fundação. Essa trama foi muito forte no final da segunda temporada, quase apagando o brilho da chegada do Mulo.

Por sua vez, o Mulo é um personagem muito forte nos livros de Asimov. Não se pode admitir que o personagem divida a sua trama com outra, correndo o risco de ser apagada, como foi o caso do arco de Alvorada e Sareth. No final da segunda temporada, O Mulo aparece e diz que é o momento de encontrar Gaal Dornick para destruí-la e abrir caminho para ele.

A terceira temporada também pode mostrar um enfrentamento entre o Mulo e Demerzel. Porém, ele é um metálico que só tem poderes sobre seres humanos e não sobre robôs. Como isso vai acontecer? O Mulo citou o nome de Gaal Dornick no final da segunda temporada, mas poderá haver um encontro com o Imperador ou com Demerzel?

Quando Salvor Hardin encontrou Hari Seldon dentro do Vault, ele se perguntou o motivo dele mesmo, mas a sua versão original, nunca ter lhe dito que isso era possível. Ou seja, ter duas versões dele mesmo. E ainda reflete que isso pode ter um motivo tão importante que manteve em segredo de sua própria versão digital dentro do Vault. O que isso pode gerar de trama na próxima ou próximas temporadas?

CONCLUSÃO

O material de Asimov é muito grande para trazer muitas possibilidades na terceira temporada, ou nas próximas que vierem. No entanto, pelas mudanças bastante significativas apresentadas na série da Apple TV não se pode fazer uma previsão do que virá.

O que foi apresentado até agora pelo seu idealizador, o show runner David Goyer, foi uma série dinâmica com reviravoltas emocionantes. Uma parte do público é de fãs dos livros de Asimov e nem todos gostaram das mudanças. Porém, não se pode negar que a produção alcançou um nível impressionante de qualidade.

Se formos analisar a série apenas em si mesma, sem fazer as comparações com a obra de Asimov, pode se afirmar que ela é uma das melhores do gênero ficção científica dos últimos anos. Não se pretende aqui comparar com as séries icônicas que já dominam os cinemas e as plataformas de streaming há anos. No entanto, a série da Apple TV possui elementos que a consagram. Pelo menos, é o que se pode dizer até o final da segunda temporada.

Independente de tudo, a obra de Asimov continua a ser grandiosa e uma das melhores sagas da ficção científica de todos os tempos. Durante anos, muitos produtores tentaram adaptar para o cinema ou a TV, um fato considerado impossível devido a mesma grandiosidade da obra. Finalmente, isso foi feito, mesmo com mudanças profundas em relação à obra original. No entanto, a série da Apple promoveu algo fantástico: o debate que se debruça sobre os livros de Asimov. Isso, em um país que lê tão pouco, e muito menos ficção científica, é altamente positivo. Principalmente porque chamou a atenção de um público que não conhecia Asimov e sua obra e despertou o interesse pela leitura.

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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.