O Lobo Viking: um thriler que não se completa
O Lobo Viking é mais uma produção norueguesa que chegou na Netflix em 3 de fevereiro de 2023. Foi escrito e dirigido por Stig Svendsen. O filme traz algumas referências da mitologia nórdica e as coloca no mundo contemporâneo, mas não convence por muitos problemas no roteiro.
Paulo Bocca Nunes
O filme começa com uma breve narrativa que se passa no ano de 1050, quando uma expedição viking partiu para invadir a Normandia. Ao chegarem em um monastério, os vikings não satisfeitos com o saque, encontram uma porta fechada e querem entrar. Um monge implora para não abrirem. Ao entrarem, eles encontram um filhote de lobo, que acabou sendo levado para a Noruega como um espólio. O barco voltou, mas toda a tripulação foi morta pelo pequeno lobo. Depois disso, diz a lenda que o lobo se embrenhou pelas florestas norueguesas.
O filme dá um salto temporal e viemos parar nos dias atuais. Encontramos uma jovem de 17 anos, chamada Thale, recém mudada para uma pequena cidade do interior da Noruega ao lado da mãe, Liv Berg, que conseguiu um emprego de policial, do padrasto, Arthur, e da sua irmã surda, Jenny.
Muito retraída e tímida, ela faz amizade com um garoto e sua turma na escola, o Jonas. Certo dia, ele convida Thale para uma festa com seus amigos, mas a garota não é bem recebida. Descontente com a presença de Thale, Elin, uma das amigas de Jonas, que também é filha da prefeita, chama o garoto para um lugar mais afastado para conversarem sobre isso. Thale encontra os dois pouco antes de Elin ser atacada e arrastada por um animal misterioso. Ao tentar ajudar Elin, Thale é ferida pela fera, algo que irá trazer sérias consequências para a garota.
Horas depois, o corpo é encontrado todo dilacerado. Um especialista em lobos, William, faz a autópsia e confere que, de fato, é um lobo, mas muito maior. Principalmente porque Liv encontrou uma das garras e mostra a William.
Liv recebe a visita de Lars Brodin, um caçador, que explica que a criatura é um lobisomem, mas a policial não acredita. Antes de ir embora, Lars dá a Liv uma bala de prata e diz que é a única coisa que pode matar a fera.
Uma expedição comandada por Liv se embrenha pela floresta para encontrar o lobo. Liv acaba matando a fera com a bala de prata. Porém, quando todos pensavam que os problemas haviam terminado, surge outro lobo. Como é uma linhagem, um lobo pode infectar uma pessoa que poderá vir a ser outro lobo. A surpresa fica por conta de quem o lobo que foi morto infectou: Thale, a filha de Liv.
O primeiro problema, bastante sério, desse filme, é o roteiro. Trazer para o início uma narrativa explicando a origem do lobisomem na Noruega, pode ter sido interessante, mas não trouxe nada que acrescentasse ao restante do filme. Ao sabermos que o lobo encontrado na sala fechada de um monastério era o lobo do inferno, se presume que isso poderá entrar na trama e garantir uma história muito interessante. Mas, ficou apenas na narrativa.
O salto temporal de mais de mil anos deixou uma dúvida: se um lobo veio parar na Noruega, e ele é feroz e voraz, como que não se fez qualquer referência a ataques anteriores? A história de um possível lobisomem foi contada por Lars a Liv. Fez referência ao tempo dos vikings, mas não trouxe elementos que comprovassem outros fatos ocorridos durante esse longo período. Nem mesmo outra lenda ou qualquer coisa que remetesse aos antigos monges. A representação de um monge em uma história que tenha um ser quase sobrenatural é muito importante para não ser aprofundada.
A protagonista parece ser Thale, mas em certo momento divide o estrelato com Liv, a mãe. A relação entre as duas se mostra não ser das melhores. A garota não aceita o divórcio pedido por Liv e mostra-se até certo ponto contrariada com o padrasto Arthur. De forma diferente, Thale mantém uma excelente relação com sua irmã, Jenny. O que poderia ser um desenvolvimento de conflito familiar muito bom, ficou tudo na superfície. Isso fez falta no final do filme, pois a história não provoca uma empatia entre personagens e público, algo que seria muito importante para o tipo de desfecho que o filme oferece.
A participação de Lars é muito fraca e poderia ser mais desenvolvida se houvesse uma relação com a origem dos lobos que foi dada no começo do filme. Lars aparece, conta uma história de origem bastante genérica e depois não tem mais qualquer importância na história, a não ser no terceiro ato em uma sequência previsível de como terminaria e quase risível ao invés de ser dramática e de causar terror.
O filme inicia de forma inteligente e interessante ao dar à trama um ar de mitologia nórdica, algo que está surgindo em outros filmes, séries, livros e jogos. Há uma citação a Fenrir, o monstruoso filho lobo de Loki, mas isso ficou apenas numa contação de histórias e não teve qualquer influência no filme depois disso.
A fotografia é maravilhosa, buscando enquadramentos de uma paisagem um pouco diferente do mostrado em outros filmes ambientados na Noruega. Isso, porém, ficou restrito às cenas abertas ao ar livre e durante o dia, até mesmo nas cenas com o lobo.
Os efeitos especiais ficaram restritos muito mais às cenas em que o lobo participa. Ainda assim, não foram capazes de causar grandes impactos. Não foi criado um clima de suspense e de terror adequado ao tipo de história com o tipo de personagem causador do conflito. O que se sabe sobre lobisomens ou de transformações nesse sentido, é que eles surgem em noites de Lua cheia. Porém, o lobo desse filme aparece até mesmo durante o dia. Aqui tem uma grande pergunta: se o lobo aparece até mesmo durante o dia e a origem remete ao tempo dos vikings, e esse lobo faz parte de uma linhagem, ou seja, um lobo infecta uma pessoa que virá a ser mais tarde outro lobo, onde foram parar os outros lobos e os relatos sobre eles?
Como o filme trata de um licantropo, ou uma pessoa transformada em lobo, é claro que terão cenas que fazem parte do manual desse tipo de filme, ou seja, pessoas sendo atacadas e dilaceradas pela fera.
O que poderia ser uma boa trama que envolve mitologia nórdica, investigação policial, drama familiar em um enredo de terror e mistério deixou tudo na superfície. O final deixou uma dúvida mais do que um mistério. Liv se encontra no final com o lobo e ela tem a oportunidade de matar a fera. Isso não é mostrado e pode servir como um pretexto para uma continuação, algo que eu não acredito e nem espero.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.