O Problema dos Três Corpos: a motivação dos alienígenas

Na primeira temporada de O Problema dos Três Corpos, os Sen-Ti, raça alienígena que ruma para a Terra, deram os primeiros passos para o domínio total do planeta. Porém, o que os traz à Terra?

Paulo Bocca Nunes

A nova série da Netflix, O Problema dos Três Corpos, tem recebido muitos elogios por sua trama envolvente e fascinante. Há a premissa de ficção científica intrigante e multifacetada que vem diretamente do popular romance de mesmo nome de Liu Cixin. Há um elenco intrigante que inclui os produtores de Game of Thrones, como John Bradley e Liam Cunningham, além de nomes como Benedict Wong e a estrela emergente Jess Hong. 

Há mistérios que surgem desde o primeiro episódio, como as mortes de cientistas famosos e candidatos ao Prêmio Nobel. Todos eles morrem por suicídio depois que relógios de contagem regressiva mentais aparecem em seus cérebros. Há também uma mulher misteriosa que surge para alguns personagens, oferece cigarros a eles e pode até matá-los na sequência. Nem as câmeras de segurança são capazes de filmá-la.

No final da primeira temporada de oito episódios a resposta para todo o mistério são influenciadas pelos San-Ti, uma raça de alienígenas que já está a caminho de dominar e colonizar a Terra. Ao contrário de outras histórias de invasões alienígenas, O Problema dos 3 Corpos estabelece meticulosamente as bases para que possamos entender os San-Ti e o contexto de sua missão antes de começarmos a temê-los. A motivação que leva esses alienígenas a virem para a Terra deixa o espectador intrigado.  

UM PLANETA MORIBUNDO

Os San-Ti tentam comunicar suas necessidades à humanidade de uma forma estranhamente indireta, mas eficaz, criando uma simulação altamente avançada em estilo de videogame que eles oferecem aos principais cientistas do mundo. O objetivo dos San-Ti é ajudar os cientistas a entenderem de onde eles vêm, e é Jin quem finalmente descobre o que está acontecendo ao completar todos os níveis. Os San-Ti são um grupo de seres de outro mundo cujo planeta está sujeito a um sistema de três corpos, o que significa que tem dois sóis e é propenso a mudar de órbita. Isto torna o planeta mais suscetível a “eras caóticas”, incluindo eras glaciais, períodos de aquecimento e mudanças perigosas na gravidade.

Tudo isso é insustentável para os San-Ti, então eles partem em busca de um novo lar. Eles receberam uma mensagem da Terra, enviada por uma cientista chinesa, Ye Wenjie, depois de ver seu pai ser executado em praça pública no período da Revolução Cultural Chinesa, acusado por ensinar a Teoria do Big Bang e a Teoria da Relatividade nas suas aulas da faculdade. Ye está cansada de todo o sistema e solicita que os San-Ti venham e tomem o controle da Terra.

Um membro da raça alienígena que recebeu a mensagem de Ye avisa que a Terra será conquistada e a desencoraja de enviar uma mensagem de acompanhamento. Ela opta por responder de qualquer maneira, saudando a mudança de regime, então os San-Ti partem em uma missão de mais de 400 anos em direção ao nosso sistema solar.

Os San-Ti se mostram como um grupo de indivíduos que procuram uma casa como qualquer outra pessoa, principalmente no caso deles, que vivem em um planeta instável propenso a ter toda a sua civilização exterminada. Ao contrário dos colonizadores humanos, no entanto, eles pediram permissão antes de partirem para a Terra e, inicialmente, até tentaram forjar uma aliança com aqueles que não tinham medo deles. A relação entre os humanos e os San-Ti sofreu um forte abalo, porém a culpa foi inteiramente da humanidade.

A MENTIRA CAUSOU A VIRADA

O ponto de virada na relação entre alienígenas e terráqueos veio de forma um tanto inusitada. Um magnata do petróleo, Mike Evans, passou grande parte de sua vida adulta dedicado aos San-Ti até que descobriu como conversar com eles, apesar das vastas distâncias entre os planetas. Com reverência religiosa, Evans tentou preparar o caminho para a sua chegada à Terra, apresentando-os à cultura humana, incluindo histórias infantis. Depois que Evans leu para San-Ti uma versão de Chapeuzinho Vermelho, o relacionamento deles azedou quando os alienígenas começaram a perceber a grande diferença entre os dois grupos.

Os San-Ti usam uma espécie de pensamento coletivo, o que lhe dá uma unidade de pensamento. Além disso, em seu mundo todos têm suas vidas supostamente baseadas na honestidade. Os alienígenas não sabiam, nem imaginavam, que os humanos podiam mentir e, quando Mike Evans lhes conta a história infantil, isso abre um novo mundo de possibilidades assustadoras para os visitantes. 

Eles estão indo em direção a uma armadilha? Irão os humanos manipulá-los e controlá-los, ou mesmo torturá-los ou matá-los? Imagine se a primeira vez que você aprendesse que pessoas que parecem seguras podem machucá-lo foi somente depois que toda a sua cultura já tivesse desistido de sua terra natal com base na promessa daquelas pessoas aparentemente legais. É uma mudança chocante que motiva os San-Ti a começarem a mostrar seu poder, assustando os terráqueos e chamando-os de “insetos”.

Os San-Ti querem tomar nosso planeta para eles mesmos para nunca mais viverem em uma imprevisibilidade fatal. Para garantir o êxito e afastar todas as dúvidas, eles enviaram à sua frente duas unidades de Sophon, supercomputadores que podem ficar do tamanho de prótons, mas também capazes de expandir.

Os Sophon são os responsáveis por impedir a capacidade dos humanos de continuar seus avanços na ciência, física, química ou qualquer outra área do conhecimento. Em nível molecular, os sophon atrapalham o funcionamento de todo acelerador de partículas, mas esses supercomputadores também podem vigiar toda a humanidade e realizar feitos como o piscar das estrelas, que foi visto no episódio 1.

Os Sophon são importantes na manobra de conquista dos San-Ti porque, por mais que eles sejam mais avançados que os humanos, nossa tecnologia e ciência supera a deles na velocidade de desenvolvimento. Então, ao impedir os humanos de observarem o universo ou ter certezas na ciência, além de matar cientistas geniais, os alienígenas esperam nos manter no estado em que estamos. Do contrário, a Terra teria a vantagem na guerra 400 anos no futuro.

DIA DO JULGAMENTO

Muito antes desse rompimento, os San-Ti cometem violência antes da falha na comunicação, mas tudo é feito para manter seguros a si mesmos e o grupo de seguidores aliados, que visam garantir as boas-vindas na chegada. Os relógios de contagem regressiva, por exemplo, não foram feitos para matar cientistas, mas para eliminar a própria ciência para evitar um ataque aos San-Ti. Quando os alienígenas matam alguém, eles enviam uma mulher misteriosa e aparentemente humana, chamada apenas por Tatiana (Marlo Kelly), que parece dar seu próprio toque ameaçador ao que parecem ser simples tarefas de execução.

Por outro lado, a demonstração de força mais terrível do programa, ou seja, a destruição total do navio Dia do Julgamento, é assinada pelos humanos com uma casualidade que mostra que os San-Ti estão certos em se preocupar com as motivações de seus futuros anfitriões. Pessoas matam pessoas o tempo todo e, sem dúvida, matariam alienígenas também se tivessem a chance. 

Os San-Ti buscaram contatar os humanos pacificamente, por meio de videogame e discussões calmas com os líderes do culto de Evans, antes de serem solicitados a começar a jogar a ofensiva. O grupo de Thomas Wade, entretanto, parece ser emblemático de um governo que mata primeiro, pergunta depois e que, para começar, nunca parece ter estado aberto a falar com os San-Ti.

HUMANOS INSIGNIFICANTES

Não se pode descartar a ideia de que os San-Ti estarem mentindo. A mensagem que Ye recebeu em 1977 continha um senso de individualidade que contrastava com a explicação posterior dos San-Ti de que eles basicamente tinham um cérebro colaborativo. 

Na mensagem o San-Ti falou

“Sou um pacifista neste mundo. Você tem sorte de eu ser o primeiro a receber sua mensagem. Estou avisando: não responda. Se você responder, nós iremos.” 

O uso distinto de “eu” e “nós” aqui parece sugerir que um membro dos San-Ti poderia mentir ou esconder um segredo de outro, algo que seu representante disse a Evans que eles não sabiam como fazer.

Se os San-Ti realmente são conquistadores implacáveis ​​​​que simplesmente fingiram ser bonzinhos, a série O Problema dos Três Corpos ainda não trouxe elementos suficientes para dizer que os humanos estão totalmente certos em não receber os visitantes de outro planeta. Apesar das qualidades da série, não há uma caracterização forte dos personagens para garantir uma empatia que garanta para que lado torcer. 

A maioria dos personagens centrais é definida por um único traço. Dessa forma, encontramos os princípios de Auggie, a determinação de Jin, o senso de filosofia de Saul, o altruísmo de Will e a conformidade de Raj, sem serem suficientes para torná-los particularmente simpáticos ou especialmente fortes no sentido de conduzirem a história por si mesmo ou por suas qualidades. Outros personagens, como Ye, Wade e o detetive Da Shi, variam de cínicos em relação à humanidade até algum tom irônico entre as situações mais problemáticas.

O que se pode afirmar é que O Problema dos Três Corpos transmite uma sensação um tanto intensa de terror existencial. Enquanto os personagens da Terra precisam encontrar uma solução para a invasão que será executada daqui a quatrocentos anos, os San-Ti permanecerão sabotando todo o desenvolvimento científico da Terra. 

Apesar de muito tempo dedicado à história de fundo, os humanos são, em sua maioria, deixados como esboços incompletos, enquanto os alienígenas tornam seu próprio direito de viver conhecido claramente por meio de simulações profundas e expressões honestas de medo.

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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.