A nova série da Apple TV+ busca se firmar no mercado das plataformas de streaming com mais uma série de ficção científica. Dessa vez, trazendo no elenco nomes de peso. Programada para ter oito episódios, até essa data (25/03/2023) estão disponíveis na plataforma quatro episódios. Nesse artigo, faremos uma análise sem dar spoilers.
Paulo Bocca Nunes
Quando a Apple anunciou a sua nova série, dessa vez de ficção científica apocalíptica, que trata sobre os efeitos no clima da Terra, criou-se uma forte expectativa depois de duas séries que fizeram um expressivo sucesso, Invasion e Foundation. Depois de alguma espera, das primeiras informações e teaser, foram sentidos os efeitos de um arrasa quarteirão para o que estava sendo preparado. Principalmente pelo currículo do roteirista, diretor e produtor, Scott Z. Burns e de seu elenco estelar.
Burns tem em seu currículo outras produções, como Uma Verdade Inconveniente (2006) e Contágio (2011), que tratam de uma pandemia e as mudanças climáticas. A série da Apple TV+ trouxe incógnitas sobre como Burns iria abordar o tema proposto.
O release inicial informava que seriam oito episódios e oito histórias interligadas que contariam as mudanças e transformações no clima e no mundo, e como tudo afetaria a humanidade. Ou seja, cada uma das oito histórias formariam um quadro geral, com ampla diversidade, que refletiria a realidade em um futuro próximo. Tudo se passaria entre 2037 e 2070.
A estreia foi em 17 de março de 2023 e, depois de assistir aos três primeiros episódios, o que se pode dizer é que, de fato, acompanhamos personagens que vivem as suas vidas normais, ou quase isso, enquanto o mundo vai virando de cabeça pra baixo com as mudanças climáticas e seus efeitos devastadores.
De modo geral, até o terceiro episódio observa-se uma tendência de mostrar personagens “santos” que lutam para salvar o mundo e algumas espécies animais ainda sobreviventes e crianças inocentes destinadas a sofrer os efeitos das mudanças climáticas com uma doença chamada “coração de verão”, simbolizando o que está em jogo. Outros ainda fazem as suas relações entre os acontecimentos catastróficos com uma intervenção divina, ou não. Na outra extremidade estão, os empresários gananciosos e inescrupulosos que se importam apenas com os altos lucros, não se interessam com o futuro porque “estarei morto de qualquer maneira”. Isso sugere, de certa forma, algo maniqueísta, mesmo que pareça muito próximo da verdade.
Tudo começa no ano de 2037, ano em que são feitas muitas manifestações nas ruas de várias cidades pelo mundo. Um holograma de uma ativista incendeia as massas falando que há poderosos deliberando sobre o futuro de todos, sem que haja qualquer tipo de consulta. Também há reuniões entre diversos países para resolver a questão da falta de água potável. Europeus e asiáticos não conseguem chegar a um acordo sobre como resolver, ou se é êxodo de pessoas necessitadas para onde há mais condições, no caso a Europa, ou se liberam as patentes para um equipamento de dessalinização, em mãos de um super-milionário, Nick Bilton, mais interessado em como obter vantagens com isso.
A ativista Rebecca (Sienna Miller), prestes a dar à luz o primeiro filho com o diplomata argelino Omar, que é um dos negociadores para o problema da falta de água, e o bilionário Junior (Matthew Rhys), que só tem olhos e interesse na construção de um cassino onde antes havia só geleiras, são os primeiros personagens dessa trama que levará décadas a se desenvolver. Todos personagens rasos, sem desenvolvimento, com suas histórias pouco conectadas, porém muito apressadas.
Essa concepção pode nos levar a entender que tudo passa mais rápido do que as soluções que devem ser tomadas para evitar o pior. Também remete à rapidez com que os efeitos são sentidos, cada vez mais em menor espaço de tempo. O plano de fundo, os problemas climáticos, passariam a ser, portanto, o personagem principal e os personagens humanos se constituem nos elementos condutores de discursos que circulam nos dois extremos representados por “personagens bonzinhos” e “personagens vilões”.
O segundo episódio, ambientado em 2046, traz de volta alguns personagens anteriores e mais alguns novos, vivendo situações mais graves com o clima. Mesmo que algumas das histórias não tragam profundidade de personagens, ainda consegue provocar algum efeito, não apenas a reflexão do espectador, como também uma sensibilização para servir de alerta ao que está por vir.
Como é o caso da personagem Eve (Meryl Streep), mãe de Rebecca, em estado de uma doença terminal, que grava leitura de histórias (O Pequeno Príncipe) para o seu neto que ainda não nasceu. Na sua narração, ela fala de animais que não existem mais na época em que o garoto assiste aos vídeos. Ele pergunta o que é um elefante. O mundo em que a avó leu as histórias não era o mesmo de Saint Exupéry, o autor do livro, mas o mundo do garoto também é completamente diferente daquele de quando a avó fez a gravação do vídeo.
A série faz juz ao seu gênero especulativo ao mostrar Rebecca fazendo pesquisas com a última baleia existente no planeta, assim como estão registradas as extinções de várias espécies animais, tudo causado pela ação humana e pelas mudanças climáticas. Por outro lado, o aspecto de “ficção científica” provavelmente avançou o sinal de “especulação científica” ao apresentar Rebecca usando o equipamento que permite se comunicar com essa última baleia. Para isso, a cientista usou o modelo de voz de sua mãe, Eve, para dar voz ao cetáceo.
No terceiro episódio, em 2047, seguimos esses mesmos personagens. Os problemas com o clima se agravaram e provocaram a elevação do nível dos mares. Há dois conflitos centrais: o rabino Zucker (Daveed Diggs) vê a sua sinagoga sendo invadida pelas águas e sua luta para colocar o templo no projeto do governo para salvar prédios da elevação do nível das águas. Isso, no entanto, o coloca numa situação bastante complicada depois de receber uma proposta de um político muito influente, Harris Goldblat (David Schwimmer). O segundo é a crise religiosa de Alana, filha de Harris. Ela questiona por que Deus permite o que está acontecendo pelo mundo, além de viver em conflito com o seu pai. Destaque para a atriz Neska Rose, que interpreta a jovem Alana.
Esse episódio merecia um desenvolvimento mais aprofundado ao invés de mostrar um número bastante extenso de dança ao som de Singing In The Rain. Se o objetivo era o de dar um tom irônico que estivesse relacionado com a situação apresentada ao longo de todo o episódio, não creio que tenha sido uma boa escolha. Não creio que tenha funcionado para dar também um desfecho satisfatório ao episódio. Da mesma forma, se houve a intenção de ser criado um par romântico, as formas de encontro não chegaram a convencer.
O quarto episódio abre no ano de 2059. Jonathan Chopin (Edward Norton) é o conselheiro científico da presidente dos Estados Unidos e a aconselha a assinar um tratado que trará repercussões diretas no clima. O filho de Jonathan, Rowan Chopin (Michael Gandolfini) fica revoltado com o pai e se afasta dele por meses, sem manter qualquer contato. Rowan alia-se a sua ex-madrasta, Gita (Indira Varma), que planeja lançar produtos químicos na atmosfera que ela acredita irá diminuir a temperatura global. Jonathan e Gita trabalharam juntos, mas ele saiu desse mesmo projeto de pesquisa por não se sentir tecnicamente seguro dos resultados que poderiam trazer ao clima global.
Esse episódio traz um título bastante sugestivo: O Rosto de Deus. Com referências literárias de escritores famosos, a personagem Gita também é uma referência simbólica a um dos textos sagrados do hinduísmo, o Bhagavad Gita, que faz referências às divindades e à criação. Gita alega que ninguém fez nada para evitar o problema do clima global e a decisão dela em usar meios científicos pode ser a cura paliativa menos correta, mas necessária. O encerramento do episódio deixa uma grande incógnita sobre os resultados que esse plano pode trazer para o planeta.
UM POUCO MAIS SOBRE OS QUATRO PRIMEIROS EPISÓDIOS
Até o quarto episódio o que se observa é uma narrativa extensa em termos de linha do tempo, que apressa o desenvolvimento de personagens. Isso não cria uma empatia entre público e personagem. Nem mesmo quando ele vive uma situação bastante complicada, como foi o caso do filho e da mãe de Rebecca, ou sobre os objetivos da empresa que estudava a última baleia viva.
Da mesma forma, o fechamento de alguns arcos de personagens foi muito clichê, um tanto manipulador e maniqueísta. Foi o caso daqueles empresários e investidores no primeiro episódio. Aquilo foi bastante bizarro.
No terceiro episódio sabemos que em 2047 foi descoberta a cura para o câncer e os humanos chegaram a Marte e estabeleceram uma colônia. Isso poderia ser mais explorado como sendo o contraponto dos problemas climáticos. A humanidade avança em diversos aspectos científicos, mas retrocede em coisas práticas, necessárias, importantes e urgentes. Sempre colocando interesses econômicos, por exemplo, à frente dos cuidados com o planeta.
Deixo bem claro que estou me baseando apenas no assunto da série e não significa que eu esteja fazendo julgamentos de qualquer coisa.
Ao chegar na metade da temporada, até agora se percebe que não há uma relação direta entre os personagens da série além dos problemas que estão vivendo. Há pouco desenvolvimento de personagens que se possa aprofundar no assunto. Tudo é mostrado e apresentado com um ritmo intenso para levar a narrativa adiante para chegarmos até o final do episódio. Talvez fosse o caso de se fazer mais de uma temporada para se chegar até o ano de 2070, como era a proposta inicial de Burns.
Os efeitos especiais não são como em um filme de ficção científica espacial, por exemplo. O orçamento deve ser alto, mas tão alto que não se possa fazer mais de uma temporada com histórias bem desenvolvidas. A impressão que passa é que a série precisa ser assim para que pudesse ter a participação de nomes de peso, sem muito custo. E ainda atores e atrizes com algum tipo de relação com causas ambientais.
Até agora está mais parecido com um documentário com relatos para mostrar ao público que o problema existe, já está tudo acontecendo e se não forem tomadas medidas urgentes pelas autoridades governamentais de todo o mundo, tudo o que está sendo mostrado na série poderá acontecer e afetar todo mundo.
A série não está sendo ruim. É um entretenimento razoável. Não foi decepcionante, mas fica o gosto de que poderia ter sido muito melhor.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.