“O Astronauta” e a aranha cósmica filosófica terapeuta
Um astronauta é enviado em missão aos limites do sistema solar para investigar uma nebulosa misteriosa e encontra uma criatura que o ajuda a resolver seus problemas pessoais que ficaram aqui na Terra.
Paulo Bocca Nunes
Dirigido por Johan Renck, com roteiro de Colby Day, O Astronauta é baseado no romance “Spaceman of Bohemia”, de 2017, do escritor tcheco Jaroslav Kalfar, que recebeu elogios dos críticos de ficção científica. Apesar da boa aceitação do romance por parte da crítica especializada, a narrativa é vista como uma obra com muito humor. Algo que o filme não tem.
O astronauta tcheco Jakub Procházka está há seis meses em uma missão espacial para investigar uma misteriosa nuvem de poeira e partículas, chamada Chopra, situada além de Júpiter. A missão tcheca chegou pouco antes dos astronautas sul-coreanos ao posto, sendo a primeira a lançar-se para explorar Chopra.
Jakub luta contra a solidão e sente falta de sua esposa, Lenka, que recentemente parou de falar com ele depois que ele a deixou grávida de sua filha. Lenka lhe envia uma mensagem dizendo que quer deixá-lo, mas o Comissário Tuma, comandante de Jakub, impede que ela chegue até ele, para evitar que o estado mental de Jakub piore.
Dias depois, ainda sem notícias de Lenka, Jakub encontra uma criatura parecida com uma aranha com habilidades telepáticas dentro de um compartimento da nave. A criatura recebeu o nome de Hanuš e diz que deseja compreender melhor os humanos e ajudar Jakub com sua solidão.
SOBRE O FILME
Esteticamente, O Astronauta, é razoavelmente bem realizado, mas emocionalmente é monótono, um pouco arrastado e filosoficamente dispensável. Como gênero de ficção científica fica a dever. Não pelo fato de o sistema de eliminação de dejetos da nave não estar funcionando, o que causa um terrível mau cheiro para o astronauta e ser o tema constante entre Jakub e a base na Terra. O filme dá mostras de que a viagem espacial serve como pano de fundo para deixar um personagem em total isolamento com outras pessoas e forçá-lo a refletir sobre a sua vida pessoal, bastante complicada.
A atuação dramática de Adam Sandler, como o astronauta Jakub Procházka, em alguns momentos tem lampejos de bom desempenho. Porém, a trama que envolve o personagem com uma aranha espacial filosófica e terapeuta não encaixa muito bem. Funciona mais como uma alucinação inexplicável de Jakub e ainda assim sem muito sentido. Funciona como uma metáfora, pois à medida que Jakub se envolve em diálogos com o aracnídeo espacial, que recebeu o nome de Hanus, vamos percebendo uma espécie de teia que envolve Jakub.
A história se arrasta na maior parte das vezes, principalmente nos debates filosóficos e psicológicos entre Jakob e Hanus. Sua função na história está mais para Grilo Falante, que primeiro questiona para depois fazer uma afirmação com pontos morais e éticos que abalam o astronauta. O tom de voz calmo de Hamus muitas vezes vem com um tom de ironia discreta. Relaciona a sua existência com a de Jakub, um ser humano frágil.
Hanus explora as memórias de Jakub e, ao descobrir os erros e falhas, principalmente com relação a esposa, Lenka, fica decepcionado com a humanidade. Quase ao final, há um dos momentos mais interessantes e emocionantes do filme, em que Hanus está infectado com um vírus que dizimou a sua espécie. A saída da nave de Jakub, em meio à nuvem misteriosa, chamada Chopra, e as revelações da origem da nuvem forçam Jakub a uma explosão de pensamentos relacionados aos seus erros e falhas. Tudo isso mergulhado no imenso vazio.
Em muitos aspectos, o filme traz reflexões que podem ser encontradas em outros filmes, como 2001 Uma Odisseia no Espaço, Interestelar, As Astra entre outros, guardando as devidas proporções de grandeza dessas obras em relação a O Astronauta. Os momentos de reflexão com Jakub enquanto vislumbra o infinito do cosmos não chegam a se constituir em algo épico, mesmo já tendo havido tanta entrega sobre o personagem.
Os efeitos especiais, a cenografia, o figurino e outros adereços, como Hanus, confirmam o baixo orçamento. Por outro lado, tudo parece ter sido feito de propósito para servir de metáfora ou ter relação com o personagem Jakub e sua vida atribulada. Dessa forma, a nave com aspecto velho, quase antiquada e com defeitos de funcionamento, se relaciona com o personagem. Ao se referir ao aparelho de descarga dos dejetos, Jakub teme ficar “mergulhado na própria merda”, algo que pode até ser uma referência à vida do astronauta.
O final não parece ser algo muito lógico ou até mesmo verossímil, a não ser que qualquer pessoa considere uma tarefa fácil encontrar uma pessoa que está perdida no espaço e no meio de uma imensa nuvem de poeira cósmica. Porém, depois de conhecermos uma aranha telepata que traz consigo todo o conhecimento filosófico, ético e moral do universo, um astronauta vagando no espaço é coisa simples.
CONCLUSÃO
O Astronauta não é uma obra prima da ficção científica. Os atores principais, Adam Sandler como Jakub Procházka, e Carey Mulligan, como Lenka Procházka, a esposa grávida de Jakub, entregam atuações bastante razoáveis. Os outros personagens mal podem se dizer que são coadjuvantes e por isso não afetam na trama.
Deve ser visto mais como um filme sobre a condição humana em meio às suas reflexões do que um filme de ficção científica. O filme está disponível na Netflix.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.