Round 6: Terceira Temporada Além da Filosofia
A terceira temporada de Round 6 não causou o mesmo impacto da primeira. Pelo contrário: leva o espectador a sair de um jogo visceral para entrar em uma espécie de academia filosófica morna e, por vezes, quase monótona.
Paulo Bocca Nunes
A primeira temporada despertou grande interesse ao usar brincadeiras infantis como mecânica de uma competição mortal. O resultado era brutal, inesperado e carregado de crítica social. Já na segunda temporada, essa proposta se diluiu, e na terceira praticamente desapareceu. Os jogos passaram a ser brutais por si mesmos, com menos metáfora e mais sangue — e, em certos momentos, a série se aproxima de um filme gore, com uma violência desmedida e quase gratuita. A crítica social que antes sustentava o espetáculo se enfraquece diante do excesso.
A temporada começa exatamente de onde parou, com um Gi-hun profundamente abalado pela revolta fracassada dos jogadores. Como esperado, os sobreviventes — especialmente os que desejavam continuar — o responsabilizam pela tragédia. Paradoxalmente, essa revolta facilitou as coisas para os organizadores, já que muitos foram eliminados. No entanto, aqui começa a curva descendente: a série abandona parte de sua urgência narrativa e mergulha em longas sequências introspectivas que, embora tentem conferir densidade filosófica, acabam tornando os episódios arrastados.
O estado emocional de Gi-hun, especialmente nos primeiros capítulos, antecipa o tom da temporada: câmera parada, planos fechados, closes intensos. São olhares aflitos, rostos tensos, silenciosos dilemas morais captados em enquadramentos que tentam colocar o espectador dentro do jogo. Mas essa escolha de linguagem, ao longo de seis episódios, acaba tornando a experiência mais contemplativa do que envolvente. O impacto visceral da primeira temporada — onde cada episódio nos arrastava com urgência — cede lugar a uma reflexão diluída. Em certos momentos, a série flerta com a estética de novela dramática, apelando à comoção mais do que à crítica.
Um elemento que vinha sendo construído desde a segunda temporada — a gravidez de uma das participantes — ganha destaque e conduz uma das sequências mais controversas da série. Sim, a criança nasce. Mas o que ela provoca nos jogadores — e principalmente em Gi-hun — revela até onde a desumanização pode chegar. Em uma cena desconcertante, os VIPs, figuras grotescas de uma elite descolada da realidade, votam para transformar o bebê em um novo jogador. A alegoria é poderosa: a inocência é corrompida, o ser humano vira moeda, e a crueldade é normalizada como espetáculo.
A brutalização dos participantes aumenta. A terceira temporada aposta em jogos que não exigem estratégia, mas apenas sobrevivência — como a versão sanguinária de “esconde-esconde” em que jogadores são forçados a matar. A crítica estrutural ao capitalismo, presente na primeira temporada, é substituída por um niilismo repetitivo: as regras são quebradas o tempo todo, a democracia dentro do jogo vira uma farsa, e os jogadores deixam de ser arquétipos sociais para se tornarem apenas ferramentas da violência.
Gi-hun, no entanto, continua sendo o coração da série. Lee Jung-jae sustenta a narrativa com uma performance que oscila entre fragilidade e força. Seu personagem agora é mais complexo: não é mais o herói ingênuo da primeira temporada, mas também não se entrega ao cinismo total. Ele transita entre a resignação e o impulso de resistir. Quando recusa uma proposta que o colocaria no mesmo nível dos organizadores — mesmo com a promessa de “vencer” —, alcança seu maior momento como personagem. Esse gesto sintetiza seu arco moral: não há vitória possível quando o jogo é desumano desde o início.
Sua decisão final confirma essa trajetória. Ao sacrificar-se para salvar a vida do bebê, ele retoma o que há de mais humano: a capacidade de proteger o outro mesmo quando tudo conspira contra. A frase que encerra seu percurso — “Nós não somos cavalos. Somos pessoas.” — é uma denúncia direta ao sistema que transforma seres humanos em peças descartáveis. É também um retorno à essência da série: mostrar que a dignidade não pode ser quantificada em dinheiro.
O final pode não agradar a todos, mas é coerente. Em vez de buscar reviravoltas sensacionalistas ou finais felizes artificiais, Round 6 encerra sua narrativa com um golpe seco, deixando em aberto a possibilidade de continuidade — inclusive com uma cena final situada nos Estados Unidos, sinalizando um novo ciclo de jogos ainda mais ocidentalizados. Mas essa é outra história.
No fim, Round 6 permanece um conto de advertência. Ainda que a terceira temporada tenha se perdido em repetições, em alegorias forçadas e em personagens menos carismáticos, ela termina com uma nota amarga, porém necessária: em um sistema baseado na exploração, a verdadeira vitória pode ser simplesmente a recusa em jogar.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.
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