A Nuvem
Uma mulher vive num sítio com seus dois filhos. Ela cria gafanhotos para servir de proteína para consumo humano e para patos. Certo dia ela percebe que os gafanhotos estão pondo menos ovos e isso faz com que isso repercuta no orçamento familiar. Certo dia ela descobre que os gafanhotos gostam de se alimentar de sangue.
Por Paulo Bocca Nunes
A Nuvem é mais uma produção francesa original da Netflix que tem Just Philippot na direção.
A trama está centrada em Virginie (Suliane Brahim), uma viúva que faz de tudo para dar o melhor aos dois filhos Gaston (Raphael Romand), um garoto, e Laura (Marie Narbonne), uma adolescente inconformada por ainda estarem vivendo no mesmo sítio em que viveram com o falecido pai.
Se antes criavam ovelhas, Virginie decidiu mudar o ramo de produção do sítio e passou a se dedicar a criar gafanhotos para consumo de proteína. O ritmo de multiplicação dos gafanhotos criados à base de farinha passou a diminuir e isso refletiu na renda familiar. Por conta disso, ela passa a ficar cada vez mais endividade com um vizinho, produtor de uvas, a quem pede dinheiro emprestado para conseguir pagar as suas contas. Esse problema aumenta a intensidade dos conflitos constantes com a filha, Laura.
Certo dia, após um acidente em que Virginie sofreu acidentalmente um corte em seu braço e sangrou bastante. Nisso, os gafanhotos lambem o sangue de forma bastante voraz. No dia seguinte, Virginie percebe que os gafanhotos passaram a se multiplicar e ela decide alimentar os insetos com… sangue. A forma como ela consegue essa fonte de “alimento” é uma das coisas mais tenebrosas que se possa imaginar.
Algumas mensagens subliminares podem ser encontradas em A Nuvem, como o sacrifício a que ponto pode chegar, a força do sistema capitalista influenciando nas nossas decisões e buscas por uma realização. Também podem ser encontradas algumas coisas sobre a proteção ambiental, mas nada que seja muito profundo. Apenas algo como um lapso de consciência e alerta. O final não é nem surpreendente nem mesmo previsível, mas deixa um gosto de “ora, vejam…” no espectador.
OPINIÃO
Como todo filme francês, esse gosta de mostrar os personagens em situação de conflito, suas nuances e mudanças interiores até que há uma reação do personagem e ele muda de rumo, ou de caminho ou qualquer coisa.
Só que muitas vezes, o cinema francês usa de artifícios que tornam o filme lento e sonolento: o foco no personagem para vermos as expressões no seu rosto em meio ao seu silêncio que busca mostrar uma reflexão que não sabemos o que é e o próprio personagem não diz o que se trata. Se diz algo, ficam tantas coisas subentendidas que há dúvidas sobre o que se trata na verdade.
Virginie se mostra uma mãe determinada e decidida a fazer de seu negócio algo rentável para dar o melhor aos seus filhos. Ela, portanto, está determinada a fazer seu negócio dar certo e não mede esforços para isso. No sentido mais literal possível. A filha adolescente detesta o lugar e espera que a mãe decida se mudar para a cidade. Também pelo fato de que ela sofre de bulling na escola por causa do trabalho da mãe. A filha não vê mais qualquer sentido para todos viverem naquele sítio, principalmente pela falta do pai. O garoto apoia a mãe. Preocupa-se com ela. Muitas vezes, Virginie encarrega a filha de levar o irmão ao treino numa escolinha de futebol, o que a deixa bastante indignada. A atuação dos três é ótima e são bastante convincentes, principalmente quando há os conflitos entre mãe e filha, que são o ponto central da trama.
Os personagens secundários são rasos e só fazem a diferença por conta da trama. São necessários para fazrem o filme andar. O vizinho, amigo de Virginie e quem a ajuda com dinheiro, pode ter sido um desperdício, pois dá uma mostra de que ele tem uma queda por ela e ali poderia haver algo para dar mais drama à história. Pelo menos, o espectador ficaria mais sensibilizado com os acontecimentos lá no final do terceiro ato.
Apesar de o filme ser um pouco lento e arrastado em certos momentos, algo normal no cinema francês, a direção é muito boa e consegue contar uma boa história que leva o espectador a ficar horrorizado com a forma como Virginie passa a cuidar dos gafanhotos. A fotografia é muito boa e contribui muito para o clima do filme, principalmente no final do terceiro ato em que as ações levam para o desfecho da trama.
Uma das coisas mais impressionates, que aumentam a tensão do espectador, é o som dos gafanhotos. Aquilo é de dar nos nervos e é assustador à medida que a trama avança. O problema é que possivelmente o espectador esperava algo mais do filme principalmente por conta do título. Eu, particularmente, esperava uma nuvem de gafanhotos avançando para um vilarejo ou cidade causando um estrago e pânico generalizado. Mas, se fosse assim, seria um filme norte-americano! Com certeza se a produção fosse hollywoodiana, em cinco minutos de filme a tal nuvem de gafanhotos teria escapado do lugar em que estariam confinados e causado um pandemônio enorme. Aliás, há, sim, um filme norte-americano exatamente assim e feito alguns anos antes.
A Nuvem não é um filme ruim, pois foi elogiado em festivais e mostras de cinema. Alguns críticos fazem uma comparação desse filme com Os pássaros, de Alfred Hitchcock. Certamente corresponde de forma bastante favorável as expectativas de quem assiste e não há um sentimento de frustração como outros filmes da plataforma que chegam com muito alarde e depois se percebe que não é nada do que se diz. Mas, conforme já falado, se arrasta um pouco e uns dez minutos de corte final não fariam a menor diferença.
Assista ao vídeo sobre esse mesmo artigo, que está no Youtube. Aproveite e se inscreva no canal, acione as notificações, curta o vídeo e deixe o seu comentário.
Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.