A primeira Ópera Espacial da literatura.
Uma das mais populares expressões da ficção científica é a chamada Space Opera, ou Ópera Espacial como se chama em português. Os melhores exemplos são Star Wars, Guardiões da Galáxia e Star Trek. Mas, o que é a space opera, quando e como ela surgiu? Qual foi a primeira?
Paulo Bocca Nunes
- Um planeta ou uma galáxia deve estar em perigo.
- Deve haver uma busca.
- Um homem ou uma mulher irá enfrentar o momento decisivo.
- Esse homem ou mulher deve enfrentar alienígenas e criaturas exóticas.
- O espaço deve ser o grande palco da história.
- Deve haver muitas batalhas espaciais.
- As naves devem lançar-se na imensidão do cosmos.
- Um vilão sombrio e poderoso.
- No final, tudo deve dar certo.
Importante ser diferenciada a ficção científica militar das óperas espaciais. As duas podem ser parecidas, mas não são a mesma coisa. A principal diferença é que a ficção científica militar tem o seu foco maior na guerra, enquanto a ópera espacial é épica e coloca um foco maior na aventura e no melodrama.
Indiscutivelmente, Star Wars é o maior exemplo de ópera espacial. Nessa obra de 1977, além de todos os elementos descritos acima, ainda teve o elemento mágico. O enredo apresenta os Jedi que dominam a Força, um campo de energia que liga todos os seres vivos. Ela pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. Em contraponto, há o vilão Darth Vader que usa o Lado Negro da Força. Nessa obra há também todos os elementos da estrutura do conto maravilhoso de Vladimir Propp, ou seja, o jovem herói vê a necessidade de sair de seu lugar de origem e empreender uma longa busca pelo conhecimento que irá servir para derrotar um poderoso inimigo. Há um mestre que irá ensinar tudo. O herói vai mostrar fraquezas, mas também muitas virtudes. No final acontece um combate entre as forças do bem e as do mal. De modo mais atual, esse formato está de acordo também com a jornada do herói, também chamada de monomito, muito semelhante ao formato anterior.
ORIGEM DO TERMO ÓPERA ESPACIAL
A Ópera Espacial está intimamente relacionada ao início da Ficção Científica especificamente na América nas primeiras décadas do século 20, nas publicações de revistas. O próprio nome Science Fiction, ou ficção científica, em português, foi inicialmente chamada de scientifiction (cientificação), expressão essa surgida pela primeira vez na edição de abril de 1926 da revista Amazing Stories no editorial de Hugo Gernsback. Antes disso, as histórias que eram publicadas nas revistas eram chamadas de “épicos de super-ciência”.
No entanto, quem criou o termo Ópera Espacial foi o escritor Wilson Tuckter, em 1941, mas de forma depreciativa e pejorativa para se referir ao gênero. Muito diferente, portanto, do que se entende atualmente. Em uma publicação na edição número 36, de janeiro de 1941, na página 9, do fanzine Le Zombie, ele escreveu:
Nestes dias agitados de criação de frases, oferecemos um. Westerns são chamados de “horse operas”, as donas de casa matinais são chamadas de “novelas”. Para as histórias esmagadoras, podres, desgastadas de naves espaciais ou salvadoras de mundos do mesmo assunto, oferecemos “ópera espacial”.
Percebe-se que o autor se refere inicialmente às produções de “Westerns” como uma “ópera” para daí fazer uma relação com toda a produção que envolvesse viagens espaciais. Porém, havia produções do gênero Ópera Espacial bem antes de Tuckter. Uma que ficou bastante conhecida foi o romance The Skylark of Space, de E. E. Smith.
Apesar de ter havido muitas histórias de ficção científica centradas em aventuras espaciais, foi a partir da obra de E. E. Smith que foram reunidos os elementos principais da Ópera Espacial:
- Um herói aventureiro;
- Todo tipo de equipamento tecnológico utilizado pelo herói e o vilão;
- Ambientação no espaço;
- Escala cósmica.
O que se observa na leitura da obra, a escala cósmica é a principal contribuição de The Skylark of Space para a criação das Óperas Espaciais e suas narrativas passadas em mundos e universos complexos formados por sistemas planetários habitados por raças variadas nos quais o protagonista interage para resolver os mais diversos conflitos.
Em termos de filme, os exemplos mais conhecidos de Óperas Espaciais são Star Wars, Star Trek, Buck Rogers, Flash Gordon, Guardiões da Galáxia, O quinto elemento, Valerian ou a série alemã Perry Rhodan.
OBRAS CONSIDERADAS PROTO ÓPERAS ESPACIAIS
Star ou Ψ de Cassiopeia (1854) de Charlemagne Ischir Defontenay (1819-1856). Ele foi médico francês e o precursor da cirurgia plástica. Ficou conhecido por sua obra de ficção científica, mas acabou esquecido. Foi somente no século XX que foi redescoberto.
A obra inicia com a descoberta no Himalaia de uma pedra que caiu no céu. Dentro dela havia uma caixa de metal onde estavam guardados manuscritos em papel numa língua desconhecida. Após dois anos de muito trabalho, o narrador afirma ter decifrado o idioma.
Todo o conteúdo fala do planeta Star onde brilham quatro sóis, seus planetas e seus habitantes. Também descreve as naves que viajam entre as estrelas, as civilizações que nascem, se desenvolvem, morrem, renascem, as colonizações dos planetas, das culturas e literatura extraterrestres e da criação de uma federação interplanetária. Tudo ambientado na constelação de Cassiopeia. A civilização descrita é chamada de Starian, descrita como sendo humanoides imortais de cabelos azuis e com aproximadamente 2,8 metros de altura.
Há descrições em forma quase poética dos sistema de Star, a fauna e a flora do planeta, sua história e as civilizações devastadas por uma praga e sobre os assassinos que quase destruíram os Starians. Sobreviventes embarcaram em uma nave espacial e passaram a explorar e a colonizar os satélites do sistema. Na parte final do livro é narrada a recolonização de Star.
Toda a obra traz os elementos de uma space opera e, por isso, considera-se como a primeira na literatura. O contraponto desse argumento diz respeito à obra de Luciano de Samósata, Uma história verdadeira, do segundo século. Nela, o autor faz descrições de seres extraterrestres e animais voadores que são usados como naves espaciais e participam de uma batalha no espaço. Isso poderia caracterizar também uma ópera espacial, no entanto, não existem elementos de ciência que justifiquem essa denominação. O que se pode dizer é que Uma história verdadeira pode ser considerada como proto ficção científica.
Através do Zodiaco: a história de um disco quebrado (1880), do escritor inglês, Percy Greg é considerado como o romance que apresenta uma série de estreias como, por exemplo, a do sub gênero Espada e Planeta, a descrever completamente uma linguagem extraterrestre com sua gramática e regras internas e, possivelmente, o primeiro a usar a palavra “astronauta”.
A história é narrada em primeira pessoa e fala sobre a descoberta de uma incrível energia antigravitacional que permite à humanidade fazer uma viagem a Marte no ano de 1830. Para isso foi construída uma fabulosa nave espacial chamada Astronaut. Ao chegar no planeta vermelho, o narrador descobre que o planeta é habitado por criaturas minúsculas, mas muito inteligentes. Essas criaturas se recusam a acreditar que existe vida fora de seu mundo, mas estabelecem uma relação de contato pacífico com o narrador.
Outra obra que pode ser inscrita como Proto Ópera Espacial é Edison Conquista Marte (1898), de Garrett P. Serviss, e publicada em forma de livro em 1947. Foi a primeira narrativa na história a usar combate de naves espaciais entre outros elementos clássicos da ficção científica. A história parte da premissa de que, após a invasão marciana da Terra narrada por H.G. Wells, no romance A Guerra dos Mundos, a humanidade decide atacar Marte para evitar outro ataque. Então, as nações encarregam Edison a liderar a missão de invadir Marte.
The Struggle for Empire: A Story of the Year 2236 (A luta pelo império: uma história do ano de 2236), de Robert William Cole, foi publicado pela primeira vez em 1900. É um romance de ficção científica conhecido como uma das primeiras óperas espaciais. Muitas vezes é considerado o primeiro romance a introduzir o conceito de impérios galácticos, viagens interestelares com naves espaciais viajando a velocidades que são medidas em muitos milhões de milhas por hora e frotas de naves estelares aos milhares travadas em combate. O livro mostra o Império Britânico conquistando outros sistemas estelares como colonizou as nações da África, Ásia e outros na Terra, e nos quais a ‘raça anglo-saxônica’ havia ‘há muito tempo absorvido todo o globo’.
Der Luftpirat und sein lenkbares Luftschiff (O pirata do ar e seu dirigível controlável), uma série alemã que durou de 1908 a 1911. As histórias se passam em alguns planetas e luas do nosso sistema solar onde habitantes desses lugares entram em confronto com os humanos. O personagem principal é o Capitão Mors e sua descrição é próxima dos militares alemães da época.
Primeiro filme de space opera: dinamarquês Himmelskibet (1918), ou Uma viagem a Marte. Está disponível no Youtube, é do período do cinema mudo, está com legendas em dinamarquês e em inglês e pode ser assistido clicando AQUI.
PRIMEIRA SPACE OPERA DA FICÇÃO CIENTÍFICA
A obra literária que é considerada como a primeira space opera da ficção científica é The skylark of the space, de Edward Elmer Smith, o primeiro livro da série Skylark e coloca o protagonista idealista, Dick Seaton, contra o antagonista mercantil Marc “Blackie” DuQuesne. A história se transforma em uma aventura de viagem espacial quando os personagens vão para o espaço profundo. Além disso, é considerada como um dos primeiros romances de viagem interestelar. Foi publicado inicialmente na edição de agosto de 1928 da revista Amazing Stories e publicado pela primeira vez em forma de livro em 1946. O romance foi seguido por três sequências: Skylark Three (agosto e outubro de 1930), Skylark of Valeron (Astounding, agosto de 1934) e Skylark Duquesne (IF Worlds of Science Fiction, junho, julho, agosto, setembro e outubro de 1965).
A história inicia com Seaton descobrindo acidentalmente uma unidade espacial viável combinando cobre puro em solução com o elemento recém-descoberto “X”. Depois de não conseguir recriar o efeito, Seaton percebe que o componente que falta é o campo produzido pelo acelerador de partículas de DuQuesne e, a partir daí, contrata seu amigo milionário Martin Crane para construir uma espaçonave que, ao usar a descoberta possa levá-los a outros planetas. DuQuesne planeja sabotar a nave espacial de Seaton e construir a sua própria com base nos planos de Seaton. Então DuQuesne planeja sequestrar a noiva de Seaton, Dorothy Vaneman, e trocá-la pelo elemento “X”. Na luta que se seguiu, a nave de DuQuesne é acidentalmente colocada em uma trajetória descontrolada em plena aceleração até que um “feixe de energia” a envie para longe do sistema solar da Terra.
Seaton e Crane seguem DuQuesne em sua própria nave espacial, chamada Skylark, nome esse que havia sido dado por Dorothy, e se empenham para resgatar Dorothy e sua colega refém Margaret “Peg” Spencer. A nave de DuQuesne foi abandonada em órbita de uma estrela morta massiva. Depois de tomar os reféns, Seaton extrai a promessa de DuQuesne de trabalharem como um grupo até retornarem à Terra. Eles então saem de órbita e viajam para mais longe em busca de combustível extra para a nave.
Em um exoplaneta semelhante à Terra, eles obtêm o material “X” de um afloramento quase inteiramente deste mineral. Em seguida eles deixam o planeta para encontrar cobre, outro elemento necessário para o material combustível para a nave. Depois de encontrar uma inteligência alienígena, eles chegam a um aglomerado de estrelas chamado “Sistema Verde” e localizam um planeta de sulfato de cobre. Nesse planeta, semelhante à Terra e chamado de Osnome, eles fazem amizade com os governantes de Mardonale, um dos dois grupos originais do planeta.
Quando o governador de Mardonal tenta trair Seaton e seus amigos, eles encontram aliados no príncipe Dunark, príncipe herdeiro do rival de Mardonal “Kondali”, e sua esposa, a princesa Sitari, que mais tarde ajudam a destruir Mardonal. Em gratidão, os Kondians produzem novos “bastões de energia” de cobre e reconstroem a chama do céu usando novas armas conhecidas pela ciência Kondalia. Mais tarde, o casamento de Seaton com Dorothy e o casamento de Crane com Margaret selaram a monarquia Kondalia, onde o próprio Seaton declara Kondali o “chefe” titular. A Skylark então retorna à Terra, cheia de gemas, platina, rádio e o material “X”. Porém, quando a nave está próxima do solo, DuQuesne salta de pára-quedas da nave.
CONCLUINDO…
Pode-se perceber que, de acordo com o que vimos sobre o subgênero da ficção científica, o romance de E.E. Smith se constitui em uma ópera espacial. Levando-se em conta outras obras do século XIX, também podemos traçar elementos que podem levá-las a serem óperas espaciais. No entanto, é necessário criar-se um critério sobre a representatividade de uma obra pertencer ao subgênero que se propõem aqui analisar.
O critério que acreditamos ser bastante justo, seria o fato de, desde as primeiras décadas do século XXI, haver um avanço científica considerável principalmente a astronomia. Lembrando-se também que desde 1905 a Teoria da Relatividade de Albert Einstein já era conhecida, fato esse que abriria alguns horizontes bastante avançados para o entendimento do funcionamento de alguns aspectos relacionados ao Universo.
Em Skylark do Espaço há a introdução de viagens interplanetárias com elementos de monitoração de destino das naves espaciais. Da mesma forma, se apresenta um elemento totalmente novo que possibilita as viagens interplanetárias de longa distância, inconcebíveis até então.
Encontramos nessa obra os quatro elementos essenciais da ópera espacial, algo que não havia em outras anteriores. Portanto, é bastante viável dar esse título de Primeira Ópera Espacial da literatura de ficção científica a Skylark do Espaço, de E.E. Smith.
FONTES UTILIZADAS
CARNEIRO, André. Introdução ao estudo da “science fiction”. Brasópolis: /s.n./, 1997.
FIKER, Raul. Ficção científica – ficção, ciência ou uma épica da época?.
Coleção universidade livre. Porto Alegre: L&PM, 1985.
ROBERTS, Adam. Science fiction: The New Critical Idiom. London: Routledge, 2000.
SCHOEREDER, Gilberto. Ficção científica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.