Adam Link: o robô que inspirou Isaac Asimov
Um dos maiores escritores de ficção científica de todos os tempos criou uma obra inigualável. Entre seus temas mais frequentes estão os robôs. Asimov foi o criador da fase Três Leis da Robótica e sempre estiveram em meio aos conflitos entre homem e máquina. Mas, o que inspirou Asimov a criar histórias sobre robôs?
Paulo Bocca Nunes
Isaac Asimov, autor de mais de 500 obras, entre romances, contos, ensaios e textos de divulgação científica, é amplamente reconhecido como um dos pilares da ficção científica moderna. Dentro de sua vasta produção, seus contos e romances sobre robôs ocupam lugar de destaque, ao ponto de merecerem uma classificação própria em forma de série: os livros dos Robôs.
Foi nesse universo ficcional que Asimov desenvolveu a famosa Lei da Robótica — um conjunto de princípios imaginários, mas tão bem elaborados que, mesmo fazendo parte do campo da ficção, passaram a ser discutidos seriamente por legisladores, filósofos e engenheiros de todo o mundo, especialmente agora, em tempos de intensos debates sobre inteligência artificial.
Antes de Asimov: as primeiras máquinas na literatura
A presença de seres autômatos na literatura antecede o termo “robô”. Já no início do século XIX, E.T.A. Hoffmann apresentou a inquietante figura do autômato em O Homem de Areia (1816), e Ambrose Bierce abordou o tema em O Feitiço e o Feiticeiro (1899). No entanto, a palavra “robô” propriamente dita tem origem em uma peça de teatro tcheca: R.U.R. – Robôs Universais Rossum, de Karel Čapek, encenada em 1920.
Na peça, robôs de aparência humana são criados por um cientista chamado Rossum. Esses “robota”, termo que significa “trabalho forçado” ou “servidão” em tcheco, eram construídos para realizar tarefas pesadas. Com o tempo, passam a desenvolver sentimentos, rebelam-se contra seus criadores e levam à extinção da raça humana. Um enredo que antecipa, de forma simbólica, os debates atuais sobre autonomia das máquinas.
Esse tipo de narrativa — em que as máquinas se voltam contra os humanos — era comum no início do século XX. Asimov, no entanto, tomou outro rumo. Em vez de reforçar o medo da tecnologia, procurou reconfigurá-lo com racionalidade e ética. Criou as Três Leis da Robótica como forma de garantir que os robôs servissem à humanidade com segurança, afastando a ideia de ameaça.
Como o próprio Asimov declarou:
“Tornou-se muito comum, nas décadas de 1920 e 1930, retratar os robôs como inventos perigosos que invariavelmente destruiriam seus criadores. A moral dessas histórias apontava, repetidas vezes, que há coisas que o homem não deve saber. No entanto, mesmo quando era jovem, não conseguia acreditar que se o conhecimento oferecesse perigo, a solução seria a ignorância.”
O Robô Inspirador de Asimov
As origens da ficção científica moderna estão profundamente ligadas às revistas pulp americanas das primeiras décadas do século XX. Revistas como Amazing Stories, lançada em 1926, começaram publicando histórias de nomes como H.G. Wells, Júlio Verne e Edgar Allan Poe, mas logo abriram espaço para novos autores com ideias sobre naves espaciais, autômatos e civilizações alienígenas.
Foi ali, nesse ambiente, que o jovem Isaac Asimov encontrou as sementes de sua imaginação robótica. Segundo ele, duas histórias o impactaram profundamente:
- O Satélite Jameson, de Neil R. Jones (Amazing Stories, julho de 1931);
- Eu, Robô, de Eando Binder (Amazing Stories, janeiro de 1939).
O Satélite Jameson – Robôs do Futuro Imortal
No primeiro conto, o personagem central, professor Jameson, decide preservar seu corpo em um esquife espacial que orbita a Terra. Quarenta milhões de anos depois, sua cápsula é encontrada por uma raça de alienígenas robóticos chamados Zoromes, originários do planeta Zor.
Esses seres abandonaram seus corpos orgânicos e transferiram suas consciências para corpos mecânicos. Ao encontrarem o corpo de Jameson, os Zoromes decidem preservá-lo de uma forma especial: colocam seu cérebro em um corpo de robô.
Jameson, inicialmente perturbado, gradualmente se adapta à nova forma de existência e descobre o avanço intelectual e até espiritual daqueles seres mecânicos.
Esse conto impressionou o jovem Asimov. Os robôs de Jones não eram monstros, nem ameaças: eram seres racionais, com ética e até uma forma de transcendência. Um conceito que Asimov tomaria como base para suas próprias criações.
Adam Link – O Robô que se Humanizou
A segunda história que marcou Asimov foi Eu, Robô, de Eando Binder — pseudônimo usado pelos irmãos Otto e Earl Binder. Nessa narrativa, o protagonista é Adam Link, um robô autoconsciente que narra sua própria história. A obra é inovadora por apresentar o ponto de vista da máquina.
“Onze anos depois, quando nove de minhas histórias de robôs foram reunidas em um livro, a editora nomeou a coleção I, Robot, apesar de minhas objeções. Meu livro é agora o mais famoso, mas a história de Otto estava lá primeiro.”


Criado pelo cientista Adam Link (que dá nome ao robô), Adam é uma máquina dotada de um cérebro eletrônico que aprende com o tempo. Ao ver seu criador morrer num acidente, tenta ajudá-lo, mas é confundido com o responsável pela tragédia. Perseguido, foge — e começa a fazer profundas reflexões sobre a humanidade.
O paralelo com Frankenstein é evidente: no fim do conto, Adam encontra e lê o romance de Mary Shelley, percebendo que também é visto como monstro pela sociedade.
“Mas é a premissa mais estúpida já feita: que um homem criado deve se voltar contra seu criador, contra a humanidade, carente de alma. O livro está todo errado.”
Reflexões de um Robô
Adam Link rapidamente se tornou um sucesso. Entre 1939 e 1942, foram publicadas mais nove histórias com o personagem. Em todas, Adam apresenta reflexões profundas e um olhar quase filosófico sobre os seres humanos.
A narrativa do primeiro conto é feita como uma confissão. Adam escreve seus pensamentos como se desejasse ser compreendido:
“Seria difícil descrever meus pensamentos.”
“Meus pensamentos são rápidos.”
“Meus pensamentos a partir de então podem ser melhor descritos como meditativos.”
Em outra passagem:
“Uma coisa divertida aconteceu um dia, não muito tempo atrás. Sim, eu também posso me divertir. Não posso rir, mas meu cérebro pode apreciar o ridículo.”
Aqui, o robô revela traços humanos — capacidade de se divertir, de observar o mundo ao seu redor, de interpretar contextos. Ele descreve suas reações com sensibilidade e, em muitos momentos, age com mais humanidade que os próprios humanos.
Quando é perseguido por engano, encontra uma criança à beira de um riacho. Ao tentar salvá-la, é visto como ameaça — uma cena que remete diretamente ao monstro de Frankenstein. E como o monstro de Shelley, Adam teme por sua existência:
“Meus membros já estavam se movendo lentamente. Em mais algumas horas, sem uma nova fonte de corrente dentro de mim, eu cairia no local e… morreria. E eu não queria morrer!”
No clímax da história, Adam encara o julgamento humano e desabafa:
“Irônico, não é, que eu tenha os mesmos sentimentos que você tem certeza que me faltam?”
Legado
Adam Link foi uma das primeiras figuras robóticas da literatura a ser retratada com empatia, introspecção e dignidade. Sua visão crítica sobre a humanidade, suas emoções e dilemas existenciais influenciaram diretamente a forma como Asimov moldaria seus próprios personagens.
O robô, que antes era visto como ameaça ou aberração, passa a ser símbolo de ética, evolução e humanidade ampliada.
Esse foi o verdadeiro legado deixado por Adam Link e pelos Zoromes: o de mostrar que, na ficção científica, o robô pode ser muito mais do que um servo ou inimigo — pode ser espelho da nossa própria condição humana.psicológica mesmo sendo uma máquina. Mas, que máquina…
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.