Adam Link: o robô que inspirou Isaac Asimov
Um dos maiores escritores de ficção científica de todos os tempos criou uma obra inigualável. Entre seus temas mais frequentes estão os robôs. Asimov foi o criador da fase Três Leis da Robótica e sempre estiveram em meio aos conflitos entre homem e máquina. Mas, o que inspirou Asimov a criar histórias sobre robôs?
Paulo Bocca Nunes
Isaac Asimov, autor de mais de 500 obras, incluindo romances, contos, ensaios e divulgação científica, foi um dos mais importantes escritores de ficção científica. Entre seus contos e romances se destacam os robôs, tendo recebido, pela sua relevância literária do gênero, uma classificação em forma de série.
Em suas histórias sobre robôs, Asimov criou a famosa Lei da Robótica que, apesar de fazerem parte do mundo da ficção, é estudada por legisladores e engenheiros de todo o mundo. Principalmente pelo fato de, atualmente, haver cada vez mais debates envolvendo a inteligência artificial.
As primeiras referências na literatura que envolvem seres autômatos já ocorreram em contos como “O homem de areia” (1816), de E.T.A. Hoffman, e “O feitiço e o feiticeiro” (1899) de Ambrose Bierce. No entanto, a palavra “robô” tem origem em uma peça teatral tcheca de 1920.
A obra de Karel Capek (1890-1938) conta a história sobre autômatos de aparência humana criados por um cientista chamado Rossum. Na peça, os autômatos eram chamados de “robota” e desenvolvem trabalhos pesados. Em certo momento, os robôs fogem do controle humano, desenvolvem sentimentos próprios e terminam por destruir a espécie que os criou. Esse aspecto está muito relacionado com o que conhecemos hoje por Inteligência Artificial.
Na época, era comum se ter uma visão de revolta das máquinas contra os humanos. Asimov buscou outra via e, por isso, criou as Três Leis da Robótica para trazer um controle sobre as máquinas e, dessa forma, não trazer prejuízos e danos à sociedade humana.
De acordo com Asimov: “Tornou-se muito comum, nas décadas de 1920 e 1930, retratar os robôs como inventos perigosos que invariavelmente destruiriam seus criadores. A moral dessas histórias apontava, repetidas vezes, que há coisas que o homem não deve saber. No entanto, mesmo quando era jovem, não conseguia acreditar que se o conhecimento oferecesse perigo, a solução seria a ignorância”.
Os robôs de Asimov ganharam uma nova complexidade e os seus universos apresentavam propostas importantes para uma saudável discussão sobre os avanços da tecnologia.
O ROBÔ INSPIRADOR DE ASIMOV
As primeiras histórias do que conhecemos hoje como gênero de ficção científica surgiram nas revistas pulp nas primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos. A primeira revista, Amazing Stories, em 1926, inicialmente publicava histórias de autores consagrados como H.G. Wells, Júlio Verne e Edgar Allan Poe. Com o passar do tempo foram surgindo autores novos com suas histórias sobre naves espaciais, seres autômatos e alienígenas.
Para criar a sua primeira história sobre robôs, Asimov afirma ter se inspirado em dois contos. O primeiro é O satélite Jameson, de Neil R. Jones, publicado na revista Amazing Stories (julho de1931 e novamente na edição de abril de 1956). O segundo é Eu, Robô, de Eando Binder, na revista Amazing Stories (janeiro de 1939).
O primeiro conto gira em torno de personagem, o professor Jameson, que decide preservar o seu corpo em um esquife em forma de nave espacial que fica em órbita da Terra. Depois de quarenta milhões de anos, o esquife foi encontrado por outra nave, essa de seres extraplanetários, chamados de Zoromes, do planeta Zor. Curiosos em desbravar o sistema solar que está destruído depois de um colapso do Sol, os alienígenas encontram o esquife e o levam para dentro da nave.
Os ocupantes da nave alienígena são robôs, ou seja, são seres que preferiram deixar os seus corpos orgânicos e habitar, através de uma tecnologia que coloca as consciências de cada um em um corpo de robô. Eles encontram o esquife, levam para dentro de sua nave e examinam o esquife. Ao constatarem que o corpo está morto, eles decidem colocar sua consciência, na forma de seu cérebro, dentro de outro robô.
No início, Jameson considera muito estranha a sua nova realidade, mas vai se acostumando. O professor vai tomando conhecimento do avanço tecnológico dos Zoromes e percebendo o avanço intelectual e algo que se pode comparar ao espiritual.
Esse conto foi publicado na revista Amazing Stories, de julho de 1931. Asimov ainda era um garoto quando o leu e ficou impressionado com os robôs diferentes de outros contos que já havia lido.
O segundo conto que trouxe uma influência sobre Asimov foi Eu, Robô de Eando Binder. Essa foi a primeira de uma série de dez histórias tendo o personagem Adam Link, um robô, como protagonista. A história foi publicada em Amazing Stories, de abril de 1939. Segundo o autor, a história chamou a sua atenção. Ele ainda completa dizendo que:
“Onze anos depois, quando nove de minhas histórias de robôs foram reunidas em um livro, a editora nomeou a coleção I, Robot, apesar de minhas objeções. Meu livro é agora o mais famoso, mas a história de Otto estava lá primeiro.”
Adam Link é um robô criado por um cientista de mesmo nome. A máquina é autoconsciente dentro dos mesmos aspectos que entendemos por inteligência artificial. Adam é o personagem narrador de suas histórias, portanto, o ponto de vista é exclusivamente dele.
A primeira história fala da criação de Adam, de como as pessoas temiam aquela máquina que caminhava por si mesma e falava. Em certo momento, o seu criador sofreu um acidente e veio a morrer. Ao tentar ajudar seu criador, ele é confundido como sendo o causador da morte e foge. Adam é perseguido de forma selvagem e faz reflexões muito profundas sobre o comportamento e reações humanas. Esse aspecto torna o personagem extremamente rico e interessante, pois todas as suas percepções são do ponto de vista de uma máquina que tem um cérebro eletrônico que foi programado, mas tem a capacidade de gerar novos conhecimentos.
Muitas vezes, os seus julgamentos sobre as ações humanas são contundentes e recheadas de alguma ironia. Sob a influência de seu criador, Adam lê todos os livros da biblioteca e, ao final do primeiro conto, ele lê um romance que seu criador não queria que lesse: Frankenstein: o novo Prometeu. O cientista Adam não queria que sua criação se visse como um monstro, mas era exatamente assim que a sociedade via Adam, o robô.
O personagem rapidamente caiu no gosto popular e, por esse motivo, houve mais nove histórias que foram sendo publicadas de forma intercalada entre 1939 e 1942. Também foram feitas adaptações para os quadrinhos e seriado de TV.
A história de Binder foi muito inovadora para a época, pois foi uma das primeiras histórias de robôs a romper com o clichê da criatura do tipo Frankenstein.
ALGUMAS IMPRESSÕES DE ADAM LINK
A história se passa na forma de uma confissão escrita. Adam vai narrando como se estivesse escrevendo na expectativa de algum leitor encontrasse seus escritos e, dessa forma, compreendesse através de suas palavras a verdade sobre algum fato ocorrido e que estivesse ligado a Adam.
O que chama a atenção para esse robô e, certamente, foi o que chamou a atenção de Asimov, foram os aspectos humanos de Adam. Em todas as dez histórias, quase podemos confundir a natureza de Adam Link, o robô, como humana, tamanha a fragilidade “emocional” ou mesmo alguma ingenuidade dele.
Adam Link, observava as coisas ao seu redor. Cada imagem era algo a ser acrescentado ao seu conhecimento enquanto fazia julgamentos, como uma pessoa comum. Foi o caso em que observava o jardineiro do professor Adam. O robô disse:
Tanto a ação de “divertir-se” quanto a de “apreciar o ridículo” são ações puramente humanas, pois requerem intuição ou o raciocínio. No entanto, Adam Link, Robô, parece ter a sua capacidade intelectual bastante avançada.
Adam Link refere-se ao seu cérebro eletrõnico como uma massa pensante viva. Isso pode ser percebido em diversas passagens do texto como “Seria difícil descrever meus pensamentos”, “Meus pensamentos são rápidos” ou “Meus pensamentos a partir de então podem ser melhor descritos como meditativos”.
Uma coisa divertida aconteceu um dia, não muito tempo atrás. Sim, eu também posso me divertir. Não posso rir, mas meu cérebro pode apreciar o ridículo.
Em certo momento, em que Adam está em fuga de seus perseguidores que o confundiram com o assassino do professor Adam, o robô encontra uma menina à beira de um riacho. A visão daquele ser de metal, tão estranho e aparentemente assustador, fez com que a menina caísse no riacho. Ao tentar salvá-la, Adam causou problemas para si, pois pessoas viram como se ele estivesse tentando afogar a pequena garota. Essa passagem faz referência ao romance de Mary Shelley, Frankenstein: o novo Prometeu. A fuga de Adam Robô também se parece muito com o romance de Mary.
A perspectiva de Adam mostra o quanto ele mesmo valorizava aquilo que ele chamava de sua vida. No momento em que as pessoas iam ao seu encalço, ele temia pelo pior:
“Meus membros já estavam se movendo lentamente. Em mais algumas horas, sem uma nova fonte de corrente dentro de mim, eu cairia no local e… morreria. E eu não queria morrer!”
Ao voltar para a cabana do professor Link, o robô encontra o romance de Shelley e o lê. Faz comparações entre o romance e a sua situação. No entanto a sua reflexão vai por outro caminho.
“Mas é a premissa mais estúpida já feita: que um homem criado deve se voltar contra seu criador, contra a humanidade, carente de alma. O livro está todo errado.”
Ao final, se vendo cercado e perdido, Adam faz uma reflexão depois de tomar uma decisão muito forte:
“Irônico, não é, que eu tenha os mesmos sentimentos que você tem certeza que me faltam?”
Nas histórias seguintes, Adam Link retoma as reflexões que o colocam em um patamar de humanidade bastante alto, quase se pondo em situação superior. Muitas de suas reflexões ultrapassam o limite humano para quase entrar no divino. Suas palavras e seus pensamentos são de confrontar as paixões e decisões humanas que, muitas vezes, colocam o outro em situação de perigo ou de miséria, seja qual for.
Nesse primeiro conto, Adam Link, Robô, deu a ideia de um personagem rico em profundidade psicológica mesmo sendo uma máquina. Mas, que máquina…
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.