Entre Montanhas: Uma Boa Ideia Num Abismo
Muitas vezes nos deparamos com uma proposta interessante para um filme. Uma ideia se desenvolve para criar uma trama, um roteiro. Mas a execução nem sempre acompanha a ideia. Daí, nos deparamos com algo que não corresponde e fica um tanto cansativo.
Paulo Bocca Nunes
Lançado pela Netflix em 2025, Entre Montanhas (The Gorge) é um daqueles filmes que parecem mais promissores no conceito do que na execução. Dirigido por Scott Derrickson — conhecido por obras como O Telefone Negro, A Entidade e Doutor Estranho — o longa flerta com o suspense, o romance, a ação e a ficção científica. E flerta tanto que acaba não se comprometendo com nenhum. O resultado é um filme visualmente envolvente, com atuações carismáticas, mas uma narrativa que desmorona sob o peso de suas próprias ambições.
Uma premissa intrigante (mas mal aproveitada)
A história parte de uma ideia simples e eficaz: dois atiradores de elite — ele, ex-fuzileiro naval norte-americano; ela, uma assassina lituana baseada na Rússia — são colocados em torres de vigia em lados opostos de um gigantesco e misterioso desfiladeiro. Sua missão é vigiar o local por um ano inteiro, sem permitir que nada (nem ninguém) saia das profundezas. O contato entre os dois é proibido. Isolados, armados até os dentes, com ordens vagas e um passado turbulento, a tensão inicial promete.
Nos primeiros momentos, o filme entrega: há mistério, isolamento, suspense. Sons estranhos surgem do fundo do desfiladeiro, a atmosfera é carregada e a solidão dos personagens gera empatia. Mas tudo começa a desandar quando o foco se desvia — ou melhor, se divide — entre gêneros. E não é só um desvio: The Gorge quer ser tudo ao mesmo tempo.
Romance improvável e pouco convincente
Uma das maiores apostas do filme é o romance entre os protagonistas, que surge da forma mais artificial possível. Eles começam a se observar com binóculos, trocam mensagens em quadros brancos e, de forma súbita, passam a alimentar uma curiosa — e forçada — aproximação emocional. Não há tempo nem contexto suficiente para que essa conexão se torne crível, especialmente considerando o perfil frio e endurecido de Drasa, personagem de Anya Taylor-Joy.
O próprio romance é alvo das críticas mais diretas. Para a primeira crítica analisada, o relacionamento parece desconectado do restante da trama: “[…] em um filme cheio de mutantes, aranhas caveiras e… Sigourney Weaver, se destacou como a coisa mais incongruente.” Já a segunda crítica reconhece certo charme: “os dois têm uma ótima química”, mas ressalta o tom inverossímil: “o romance entre Drasa e Levi é o que torna o filme interessante — fora isso, é apenas um filme de ação dolorosamente previsível.
Um filme dividido em dois (ou seis)
A sensação de estar vendo dois filmes diferentes — ou mais — é algo que atravessa todas as críticas. The Gorge não consegue decidir se é uma distopia científica, um estudo de personagens, uma fábula romântica ou um filme de monstros. E, tentando ser tudo isso, acaba se tornando uma salada visual com sabor diluído.
A crítica mais ácida observa que o roteiro de Zach Dean (também responsável por The Tomorrow War) parece um apanhado de ideias desconexas: “Ele pegou 100 quilos de Resident Evil, uma tonelada de Aniquilação, algumas pedrinhas do que The Mist poderia ter sido, e a base estava toda baseada em Stranger Things.” A falta de foco e o excesso de referências visuais criam um espetáculo que impressiona à primeira vista, mas logo revela sua fragilidade narrativa.
A segunda crítica reforça esse ponto, chamando o filme de “madlibs cinematográfico” — como se fosse uma colagem de absurdos que, por acaso, funcionam superficialmente: “Os momentos mais imprevisíveis — e surpreendentemente encantadores — acontecem na primeira metade do filme […] Mas parecem dois filmes. Um é sobre romance; o outro, sobre um mistério inexplicável que ninguém quer resolver de verdade.”
Visual impactante, roteiro irregular
O ponto em comum entre quem critica e quem tenta defender o filme está no visual. The Gorge é bonito. Os efeitos especiais são competentes, a ambientação do desfiladeiro é instigante, e há cenas de ação bem coreografadas. Os monstros, embora pouco desenvolvidos como ameaça real, têm um bom design e remetem a jogos como The Last of Us. Há, inclusive, quem deseje que o filme fosse um videogame — não como elogio, mas como forma de aproveitar melhor o espaço e o ritmo.
O problema está no roteiro: buracos de lógica, subtramas abandonadas e soluções fáceis que diminuem o impacto de qualquer grande revelação. A explicação do mistério central é entregue de forma precoce e sem peso, e até mesmo subtramas como o TEPT de Levi surgem e somem conforme a conveniência da história.
Conclusão: um filme que poderia ser muito mais
No fim, The Gorge é um filme que entretém — às vezes. Tem charme? Um pouco. Tem suspense? No começo. Tem romance? Forçado, mas está lá. É memorável? Infelizmente, não.
Mesmo com dois atores talentosos, uma direção experiente e um conceito visual forte, o filme tropeça por não saber que história quer contar. Como bem definiu uma das críticas: “Toda oportunidade para The Gorge ser mais estranho ou mais ousado, ele rejeita.”
Para quem busca uma experiência leve, com romance açucarado, ação moderada e um toque de mistério — e está disposto a suspender a descrença — The Gorge pode ser uma sessão pipoca razoável. Para quem esperava uma obra ousada e impactante, sobra apenas o gosto amargo de um abismo criativo mal explorado.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.
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