Extrapolations: Um Olhar de Dentro da Série da Apple TV
A nova série de ficção científica da Apple TV está disponível na plataforma e os comentários são divididos. Alguns analistas veem a série como fraca, pois os personagens são rasos demais para poder apresentar várias perspectivas frente ao conflito principal, que são as mudanças radicais no clima da Terra. Em entrevista, o diretor, roteirista e diretor, Scott Burnes, falou sobre o que é a série e o que espera dela.
Paulo Bocca Nunes
A nova série da Apple TV está provocando uma expectativa muito grande no público e na crítica, principalmente depois do sucesso de outras séries, como Foundation e Invasion, cada uma entrará na sua segunda temporada em 2023.
Extrapolations é uma série com oito capítulos que apresenta um futuro próximo, onde os efeitos caóticos das mudanças climáticas farão parte das nossas vidas cotidianas. São contadas oito histórias entrelaçadas que, de acordo com o release distribuído pela Apple, falam de amor, trabalho, fé e família de todo o mundo. As histórias exploram as escolhas íntimas e transformadoras que devem ser feitas quando o planeta está mudando mais rápido do que a população. As histórias são de personagens diferentes, mas o que as unirá é a luta por um futuro melhor.
A Apple TV publicou um vídeo que traz informações da série por parte de seu criador, produtor executivo, escritor e diretor, SCOTT BURNES. O vídeo também traz algumas cenas da série e declarações de parte do elenco.
O que mais se observa são os conflitos que as pessoas comuns irão enfrentar ao longo dos episódios com as mudanças climáticas. No primeiro episódio e no trailer, alguns manifestantes se posicionam contra políticos, governos e, possivelmente, pessoas ligadas à área econômica. Uma manifestante grita:
— Dentro daquele prédio agora. Os poderes constituídos estão negociando seu futuro. Mas você não pode negociar com um incêndio, uma inundação ou uma fome.
Os problemas climáticos irão provocar perdas em muitas áreas e três delas deverão ser o fornecimento de água potável, de alimentos e de energia. Pressupõe-se que seja algo nesse sentido que a presidente dos Estados Unidos deverá se referir em um discurso em que ela diz:
— Boa noite, América. Há decisões que nos pedem para tomar em nossas vidas que são verdadeiramente humilhantes.
BURNES foi o produtor do documentário Uma Verdade Inconveniente, que acompanha Al Gore, ex-candidato à presidência dos EUA, no circuito de palestras para conscientizar o público sobre o aquecimento global. No vídeo sobre Extrapolations, ele diz:
— Depois de me envolver na produção de ‘Uma Verdade Inconveniente’, uma das perguntas que fiz a mim mesmo foi, como contador de histórias, como pegamos a ciência e a transformamos em uma narrativa roteirizada mais convencional?
Burnes se referia ao fato de preparar uma série que não fosse um documentário, mas que tivesse a força da ciência dentro de uma narrativa convencional.
Uma narrativa que fala de um futuro próximo ou distante requer não apenas imaginação, mas especular como será esse futuro mediante as análises daquilo que hoje percebemos no clima. Observe o que diz Burnes:
— Sempre que você está olhando para o futuro, é solicitado que você faça algumas especulações. Como vai ficar o mundo? O que vai mudar?
A ficção científica é o campo certo para se tratar desse assunto, pois entre os seus subgêneros está o pós-apocalíptico e a distopia. Não temos uma bola de cristal, no entanto, é sabido que os governos estão sendo muito lentos para tomar medidas efetivas para diminuir ou eliminar o risco do colapso do clima global. Burnes não tira a responsabilidade de criadores de obras fílmicas, pois ele afirma que não especulam tanto essa possibilidade futura nas suas obras de ficção científica. Ele disse:
— Os shows que fingem que o clima vai ser o mesmo em dez ou quinze anos, esses são os shows de ficção científica porque o clima está mudando.
Analisando essa fala, entende-se o que Burnes busca com a série Extrapolations: criar uma narrativa que fale sobre os problemas climáticos no futuro, mas levando em conta que eles já estão começando e em andamento.
David Diggs, um dos atores que interpreta um líder religioso, esclarece da seguinte forma:
— A natureza do show se presta a realmente não ser capaz de saber o que você vai conseguir. Os cliffhangers não são para o momento imediato, mas para o que vai acontecer em cinco anos.
Aqui é bom esclarecer o que é cliffhanger: trata-se de um recurso no roteiro de um filme que se caracteriza pela exposição do personagem a uma situação limite, um forte dilema ou confronto que exija uma solução necessária. Essa é a grande questão apresentada por Diggs: o problema existe, mas as pessoas irão enfrentar uma situação limite universal em poucos anos.
Contando com um elenco precioso que traz, entre muitos nomes, Meryl Streep, Gemma Chan, Tahar Rahim, Diane Lane, Tobey Maguire, Eiza Gonzales, Forest Whitaker, Marion Cotillard, e Kit Harington, o produtor, roteirista e diretor Burnes espera algo muito mais do que levar um produto de excelente qualidade ao streaming. Diz ele:
– Espero que as pessoas possam encontrar na série todas as emoções, incluindo a esperança. Acho que a maneira que você encontra conforto é se imaginar nas posições em que nossos personagens estão.
OPINIÃO
Até o quarto episódio, o que se pode observar é que as histórias não estão necessariamente interrelacionadas como se imaginava no começo. São mais os fatos sobre as mudanças climáticas que seguem avançando cada vez mais de forma agravante. No quarto episódio, ambientado em 2059, uma cientista faz uma tentativa para reverter o problema de forma artificial, lançando na atmosfera produtos químicos que podem criar uma camada protetora que impede a passagem da luz solar e, dessa forma, resfriar o planeta. No entanto, isso pode ter consequências desastrosas. Os personagens não estão conectados a outros do terceiro episódio, ambientado 12 anos antes. Observa-se ainda as mesmas questões de empresas que ainda relutam em acordos para não impactar no clima, abordagem feita desde o primeiro episódio.
Há momentos de muita tensão quando envolvem questões familiares, pessoais ou políticas. Fica claro que, em toda essa história, Burnes colocou personagens em duas extremidades: ou é o vilão capitalista que não se importa com os efeitos climáticos ou o bonzinho ativista que luta para defender o planeta. Fazer as coisas desse jeito, sem desenvolvimento, pode levar a um maniqueísmo de esteriótipos. Mesmo que algumas coisas não fujam muito de sua verdade, ainda assim pode ser uma jogada um pouco perigosa.
A qualidade da produção é inegável. As atuações dos atores são firmes e ficam perfeitamente dentro da proposta do roteiro e da direção. Não se poderia esperar coisa de um elenco tão qualificado. Os efeitos especiais, principalmente para mostrar os efeitos mais previsíveis das mudanças climáticas, ou seja, a elevação do nível das águas, são muito bem feitos. A série, como obra de ficção científica, contribui para o gênero especulativo ao mostrar que a ciência descobriu a cura do câncer e já se iniciou uma colonização do planeta Marte, até o ano de 2059. Talvez o que mais tenha chocado, foi a indicação de que a maioria dos animais já estará extinta até 2047.
Extrapolations não é um documentário, apesar de que, às vezes, há um discurso ideológico ambientalista na voz de seus personagens, mas está dando o seu recado no que diz respeito aos problemas climáticos causados pelo ser humano e sua relutância em aceitar que o problema existe e segue em escalada vertiginosa. Isso é mostrado, inclusive, em forma de gráficos na abertura de cada episódio.
A série estreou na Apple TV dia 17 de março de 2023.
Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.