Foundation: O Mistério do Primeiro Radiante
Um dos objetos mais intrigantes da ficção científica pode definir o futuro da galáxia.
Na adaptação de Foundation para a Apple TV+, muitos elementos foram reformulados para tornar a obra de Isaac Asimov mais acessível e visualmente impactante. Entre esses acréscimos está um dos artefatos mais fascinantes da série: o Primeiro Radiante (Prime Radiant), um dispositivo que concentra o poder, o mistério e a essência da psico-história de Hari Seldon.
Paulo Bocca Nunes
UM OBJETO, MUITAS DIMENSÕES
Na série, o Primeiro Radiante é mais do que um simples repositório de dados: ele é um supercomputador portátil, criado por Hari Seldon e sua companheira, Yanna Seldon, a partir de pesquisas avançadas do antigo matemático Kalle sobre dobramento espacial. O resultado foi um espaço quadridimensional encapsulado em um objeto tridimensional. Essa estrutura permite que o Radiante exista em estado de superposição, ou seja, em dois lugares ao mesmo tempo — uma característica quase quântica que reforça o caráter enigmático e poderoso do artefato.
A ativação do Radiante exige uma sequência específica de gestos manuais, quase como um ritual, o que adiciona ainda mais misticismo ao objeto. Apesar de ser um produto da razão científica, seu uso envolve elementos quase religiosos, um reflexo do quanto ciência e fé se confundem no universo de Foundation.
Além disso, o Radiante está em constante evolução e transformação, atualizando-se conforme os eventos da linha do tempo avançam. Isso o torna não apenas um arquivo estático, mas um dispositivo dinâmico, essencial para interpretar os rumos imprevisíveis da galáxia em crise.
DA UNIVERSIDADE DE HELICON AO DESTINO DA GALÁXIA
A origem do Radiante remonta ao tempo em que Hari e Yanna trabalhavam em uma universidade no planeta Helicon, onde os primeiros cálculos psico-históricos foram desenvolvidos. Ele foi apresentado ao público logo no episódio 1 da primeira temporada, quando a jovem Gaal Dornick chega à capital Trantor vindo de Synnax. Hari a informa de que ambos serão presos devido às suas previsões sobre a queda do Império, e então aponta para o Radiante sobre a mesa entre eles. A imagem projetada pelo dispositivo impressiona Gaal, que entende que sua vinda a Trantor se deve ao fato de ser a única capaz de refutar ou confirmar os cálculos de Hari. Desde então, fica claro que o Radiante será essencial para o desenrolar da narrativa.
Após a morte física de Hari na viagem para Terminus, no final da primeira temporada, Mari Hardin (mãe adotiva de Salvor, e a mulher filha de Gaal) pega o Radiante dos aposentos de Hari. Salvor mais tarde o usa para abrir o misterioso Vault, estrutura enigmática presente em Terminus desde antes da chegada dos colonos da Fundação. De lá, emerge a consciência holográfica de Hari Seldon, que revela a necessidade de uma Segunda Fundação — um passo crucial no plano para enfrentar o Império e evitar o colapso total da galáxia.
Esse é um momento decisivo, pois reforça que os dados armazenados no Radiante não são apenas registros, mas guias vivos para as futuras gerações da Fundação.
CONSCIÊNCIA E CONFLITO DIGITAL
O episódio 2 da segunda temporada aprofunda-se ainda mais na origem e funcionamento do Radiante. A consciência de Hari, aprisionada dentro do dispositivo, sofre com os efeitos do isolamento, até ser libertada por Gaal, que assume o controle do artefato. Para que ela compreenda as complexas informações nele contidas, Hari precisa guiá-la, explicando os fundamentos da psico-história.
Nesse processo, Salvor, Gaal e Hari começam a decifrar dados que se tornam vitais para navegar o futuro incerto que os aguarda. O Radiante se revela então não apenas como um artefato técnico, mas como um mecanismo de sobrevivência da razão, frente ao caos histórico que se aproxima.
UMA ARMA DE SOBREVIVÊNCIA CONTRA O DECLÍNIO
Durante a Era Imperial de 12.392, o Primeiro Radiante passa a ser consultado diariamente por Demerzel, a androide conselheira dos Cleons. Ela o utiliza há mais de um século e meio como ferramenta para prolongar a estabilidade do Império Galáctico. Isso permite que o Império mantenha mais poder do que as previsões originais de Hari Seldon apontavam.
Contudo, nem mesmo essa interferência tecnológica consegue impedir o colapso. Após a queda de Kalgan para o Mulo, o Radiante revela um novo ponto de inflexão nos cálculos: o fim do Império seria inevitável dentro de quatro meses, e o que viria depois poderia representar a própria extinção da espécie humana.
E NOS LIVROS?
Nos romances originais de Asimov, não há menção ao Primeiro Radiante como um objeto físico. A psico-história é apresentada como um conjunto de cálculos estatísticos extremamente avançados, armazenados e analisados por Seldon e seus sucessores, especialmente na Segunda Fundação. As previsões são entregues por meio de gravações deixadas por Hari Seldon em momentos de crise histórica — os chamados “vídeos de Seldon”.
A inclusão do Radiante na série é uma licença criativa que atende a três funções fundamentais:
- Visualizar um conceito abstrato (a psico-história), facilitando a compreensão do público.
- Criar um símbolo físico do legado de Hari Seldon, tornando-o quase um artefato sagrado.
- Introduzir conflito e exclusividade de acesso, o que movimenta a narrativa com disputas por controle, interpretações e revelações.
UM ECO DE FÉ E RAZÃO
O Primeiro Radiante simboliza mais do que fórmulas matemáticas — ele representa a esperança racional de que o futuro pode ser guiado, mesmo em meio ao caos cósmico. Na série, o objeto se torna um elo entre ciência e fé, entre legado e inovação, entre passado e futuro. Uma criação original dos roteiristas da série, mas que se encaixa perfeitamente na mitologia do universo de Asimov.
Assista ao vídeo sobre esse mesmo artigo, que está no Youtube. Aproveite e se inscreva no canal, acione as notificações, curta o vídeo e deixe o seu comentário.
Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.