‘Fundação’, de Asimov: Das Revistas Pulp Fiction ao Livro
Uma das maiores obras do gênero de ficção científica fascina o público leitor pela grandiosidade e pela visão de futuro de um dos maiores escritores de todos os tempos.
Paulo Bocca Nunes
Fundação (Foundation) é um romance de ficção científica do escritor norte-americano nascido na Rússia, Isaac Asimov, publicado pela Gnome Press em 1951. A obra é um conjunto de cinco contos que estão relacionados entre si, narrando eventos em um futuro muito distante, porém cada conto está afastado entre si por vários anos. O romance surgiu primeiro em uma série de quatro contos que foram publicados em quatro edições da revista “Astounding Science Fiction“, entre 1942 e 1944.
Neste artigo vamos conhecer como surgiu a obra nas revistas pulp fiction, verificar as mudanças que ocorreram na publicação do livro e a cronologia do espaço temporal em que ocorrem os contos.
AMBIENTAÇÃO GERAL DA HISTÓRIA
A história de Fundação se passa em um futuro distante onde a humanidade se desenvolveu de forma grandiosa após os primeiros passos na área da robótica, no final do século XX. A colonização espacial está consolidada e a humanidade passou a ocupar milhões de planetas. A Terra foi esquecida e há controvérsias sobre a origem da humanidade.
Trantor é planeta central do Império Galáctico, que impõe seu domínio há milhares de anos. Sob esse domínio, surge um homem, Hari Seldon, que prevê a queda do Império em quinhentos anos e a entrada em um longo período de barbáries na galáxia que vai durar trinta mil anos. Essas previsões foram feitas a partir de uma nova ciência desenvolvida por ele, a psicohistória, que utiliza uma base de cálculos matemáticos levando em conta o número de habitantes e uma série de variáveis sociais e econômicas. Quanto maior o número, mais precisas podem ser as probabilidades de acertos.
Para evitar o longo tempo de barbárie na galáxia, Seldon idealiza a Fundação, que vai se responsabilizar pela preservação de todo o conhecimento humano adquirido até então. Dessa forma, ele afirma que o tempo de escuridão se reduzirá para mil anos, quando surgirá um segundo império.
AS PUBLICAÇÕES DOS CONTOS NAS REVISTAS PULP FICTION
Em agosto de 1941, Asimov propôs a John W. Campbell, editor da Astounding Science Fiction, a maior revista de ficção científica da época, uma série de contos ambientados em um império galáctico em declínio e a sua queda até a ascensão de um segundo. De acordo com Asimov, a inspiração veio da obra de Edward Gibbons, História do Declínio e Queda do Império Romano.
Foram, portanto, quatro contos publicados em quatro edições da revista. Logo abaixo estão os títulos dos contos, em inglês e a edição das revistas em que foram publicados cada conto:
- Foundation – Astounding Science Fiction, maio de 1942.
- Bridle and Saddle – Astounding Science Fiction, junho de 1942.
- The Big and the Little – Astounding Science Fiction, agosto de 1944.
- The Wedge – Astounding Science Fiction, outubro de 1944.
“FUNDAÇÃO“: OS CONTOS DAS REVISTAS
1. Foundation
O primeiro conto tem duas partes bem distintas. A primeira inicia com uma breve apresentação que dá algumas poucas informações ao leitor sobre o que tratará a história. O texto vem logo abaixo do título:
É uma caracterização de uma civilização decadente em que seus “cientistas” consideram todo o conhecimento já conhecido – e que eles gastam seu tempo fazendo coletas enciclopédicas desse conhecimento. Mas essa Fundação era algo bastante complicado.
Não se tem aqui, portanto, a localização inicial tanto no tempo quanto no espaço. O conto inicia com o narrador apresentando Hari Seldon, porém, não especifica de quem se trata. O texto diz:
Hari Seldon estava velho e cansado. Sua voz, embora estivesse ribombando pelo sistema de amplificação, estava velha e cansada também. Poucos naquela pequena assembleia não perceberam que Hari Seldon estaria morto antes da próxima primavera. E eles ouviram em silêncio respeitoso as últimas palavras oficiais da maior mente da Galáxia.
O texto segue com Seldon falando a um grupo de cientistas, sentado em uma cadeira de rodas, devido a um derrame dois anos antes. Em seu discurso, ele diz que chegou ao fim o trabalho de mais de vinte anos, mesmo com as dificuldades e as diferenças entre os membros do grupo. Ele diz:
“Nós fizemos; e nosso trabalho acabou. O Império Galáctico está caindo, mas sua cultura não morrerá, e foi feita provisão para uma nova e maior cultura se desenvolver. Os dois Refúgios Científicos que planejamos foram estabelecidos: um em cada extremidade da Galáxia, em Terminus e em Star’s End. Eles estão em operação e já se movendo ao longo das linhas inevitáveis que traçamos para eles”.
“Para nós resta apenas um último item, e cinquenta anos no futuro. Esse item, já trabalhado em detalhes, será a instigação de revoltas nos setores-chave de Anacreon e Loris. Isso colocará essa máquina final em movimento para se resolver no milênio que se segue”.
Seldon se refere a um lugar chamado Terminus e Star’s End, porém, o leitor não tem a informação de suas localizações. Não se sabe se são cidades ou planetas. Pelo texto, também podemos entender que todo o trabalho se constituía em um projeto secreto, que somente os escolhidos tinham conhecimento:
“Começamos em segredo; trabalhamos em segredo; e agora terminamos em segredo – para esperar nossa recompensa daqui a mil anos com o estabelecimento do Segundo Império Galático.”
E termina a sua fala num sussurro:
“Eu estou acabado!”
Nessa parte, a narrativa é interrompida e no parágrafo seguinte entramos na segunda parte do conto, quando há um salto temporal de 50 anos à frente, no planeta Terminus, onde está estabelecida a Fundação Enciclopédica. O personagem central é Lewis Pirenne e Salvor Hardin. Há problemas com o planeta Anacreon, próximo de Terminus, que declarou-se independente do Império e está formando o seu domínio no setor. Pela primeira vez, abre-se um dispositivo conhecido como “cofre” e surge o holograma de Hari Seldon para os enciclopedistas e revela o verdadeiro objetivo da Fundação.
Se você quer ler o texto integral em inglês com a sua tradução, clique AQUI.
2. Bridle and Saddle
O segundo conto tem um texto abaixo do título para informar que tipos de acontecimentos serão narrados.
Uma Fundação com muito conhecimento, muita habilidade – e sem recursos militares. E toda uma série de planetas ambiciosos e conspiradores para atacá-lo. Como podem os poucos, os fracos – mas os sábios! – os homens da Fundação governarem, como deveriam se não morressem?
Toda a narrativa se passa 30 anos depois da primeira crise para a Fundação, ou seja, se passa em 80 E.F. Salvor Hardin é o prefeito de Terminus e inicia uma nova crise que envolve os reinos independentes vizinhos. Surge a religião criada pela Fundação com base na ciência, que será importante para os propósitos de influência política em relação aos outros sistemas do setor de Terminus. Surgem conflitos políticos internos, promovidos por Sef Sermak e um grupo de seguidores. Novamente, surge o holograma de Hari Seldon para confirmar a nova crise.
3. The Big and the Little
No terceiro conto publicado na revista, o texto de apresentação, abaixo do título, antecipa sérias dificuldades para a Fundação:
O Império estava morrendo – mas mesmo um colosso moribundo é um inimigo terrível. A Fundação era pequena e tinha apenas pequenas coisas. Facas de cozinha de chama atômica – contra os estupendos e antigos geradores do Império!
Antes do início da narrativa, há outro texto:
Três Dinastias moldaram o Início: os Enciclopedistas, os Prefeitos e os Comerciantes -” (“Essays on History”, Ligurn Vier.)
A história dá mais um salto temporal, algo que é confirmado pelo diálogo entre dois personagens, Manlio e Jorane Sutt:
Agora, a primeira crise veio cinquenta anos após o estabelecimento da Fundação, e a segunda, trinta anos depois disso. Já se passaram quase setenta e cinco anos. Está na hora, Manlio, está na hora.
A Fundação subjugou os vizinhos Quatro Reinos e tentou expandir seu império religioso. Jorane Sutt e Manlio, que planejam enfraquecer os Comerciantes. Há uma suspeita de que Hober Mallow estava envolvido com contrabandistas. Quatro naves da Fundação desapareceram perto dos planetas da República de Korell. Mallow é designado para lidar com Korell e também para investigar seus desenvolvimentos tecnológicos e encontrar as naves desaparecidas. No final há mais uma citação em destaque importante:
E depois de três anos de guerra, que não houve, a República Koreliana rendeu-se incondicionalmente. (Ensaios de História, Ligurn Vier)
4. The Wedge
No quarto conto, a apresentação é um tanto enigmática:
As coisas engraçadas do ouro. Perfeitamente inútil, no que diz respeito ao trabalho prático, mas os homens da Fundação poderiam fazê-lo funcionar no campo psicológico-político.
No entanto, antes de começar a narrativa há uma citação de Salvor Hardin, que pode estar relacionada à introdução:
Nunca deixe que seu senso de moral o impeça de fazer o que é certo. – Salvor Hardin.
A Fundação se expandiu e enviou Comerciantes oficialmente autorizados para trocar tecnologia com planetas vizinhos e obter vantagens políticas e econômicas. O comerciante mestre Eskel Gorov, é preso em Askonia e condenado à morte. O comerciante Limmar Ponyets recebe ordens da Fundação para tentar negociar com os Anciões e viaja para o planeta central Askonia.
A ESTRUTURA DO LIVRO
Asimov publicou o livro seguindo o mais próximo dos textos publicados nas revistas. No entanto, fez algumas alterações bastante significativas. O primeiro conto (Foundation) da revista, por exemplo, foi dividido em duas partes no livro.
A história começa no planeta Trantor, a capital do Império Galáctico, um império poderoso, mas em lenta decadência. Hari Seldon, um matemático e psicólogo, desenvolveu a psico-história, um novo campo da ciência e da psicologia que consegue fazer previsões usando diversas variáveis sociais e econômicas em cálculos matemáticos.
Por meio da psico-história, Seldon descobriu que o Império estava entrando em sua fase de queda, o que irritou os governantes. As opiniões e declarações de Seldon foram consideradas uma traição e ele é preso junto com o jovem matemático Gaal Dornick, que veio do planeta Synax a Trantor para se encontrar com Seldon.
Seldon defende suas crenças, explicando suas teorias e previsões de que o Império entrará em colapso nos próximos 500 anos e haverá uma era de trevas de 30.000 anos. A alternativa apresentada ao Comitê que o julga é a criação de uma Fundação que irá preservar todo o conhecimento da humanidade no que chamou de Enciclopédia Galáctica e assim diminuir o tempo para mil anos de barbárie.
Dessa forma, Seldon e seu grupo de enciclopedistas são condenados a um exílio no planeta Terminus, o único planeta que orbita uma estrela em uma dos braços da periferia da galáxia. Seldon diz a Dornick que está no fim e o conto do livro termina quase da mesma forma que o conto da revista.
O restante dos contos da revista completam o livro dando o total de cinco contos, mas com a ordem alterada em relação às publicações das revistas.
- Os psicohistoriadores – seria a primeira parte do primeiro conto da revista, mas é contado como um conto original do livro. Os eventos ocorrem no ano 1 E.F.
- Os Enciclopedistas – segunda parte do primeiro conto. Os eventos se passam em Terminus no ano 50 E.F.
- Os Prefeitos – trata-se do segundo conto (Bridle and Saddle) e a história se passa em 80 E.F.
- Os Comerciantes – trata-se do quarto conto da revista (The Wedge). Houve, portanto, uma inversão feita por Asimov. Os eventos ocorrem em 135 E.F.
- Os Príncipes Mercadores – esse é o terceiro conto da revista (The Big and the Little) e é mais uma inversão feita por Asimov. A história se passa em 155 E.F.
UMA ANÁLISE DE “FUNDAÇÃO” NO LIVRO
CRONOLOGIA DE LIVRO FUNDAÇÃO
A partir do livro Fundação e de outras obras subsequentes foi possível montar a linha temporal e cronológica do Universo criado por Asimov. Para entendermos essa cronologia é necessário definirmos os critérios de datação criada pelo autor:
- Era Comum (E.C.): o nosso calendário.
- Era Galáctica (E.G.): a partir do estabelecimento do Império Galáctico.
- Era da Fundação (E.F.): a partir da criação da Fundação.
Dessa forma,
- O Império Trantoriano foi criado no ano 12.500 E.C. e passou a ser o ano 1 E.G.
- Hari Seldon nasce em 11.988 E.G.
- No ano 12.067 E.G. é reconhecido como o ano 1 E.F., ano em que ocorrem os eventos do capítulo Os Psicohistoriadores, o equivalente ao ano 24.567 E.C.
- Hari Seldon morre no ano 3 E.F.
- Os eventos de Os Enciclopedistas ocorrem em 50 E.F.
- Os Prefeitos em 80 E.F.
- Os Comerciantes em 135 E.F.
- Os Príncipes Mercadores em 155 E.F., o que equivale ao ano 24.772 E.C.
CONCLUSÃO
Asimov trouxe algo novo: uma saga espacial que se desenvolveu ao longo de séculos, como as dos antigos povos. Vários personagens chegaram e se foram. Não se assentaram em toda a história. Alguns participaram de apenas uma das histórias e mesmo assim foram marcantes e importantes.
Essa estrutura vai contra o que se espera de uma narrativa, ou seja, o desenvolvimento de um personagem central, que enfrenta conflitos internos e externos, até um clímax, quando tudo deverá se resolver. Porém, o leitor é levado a se perguntar se a Fundação irá conseguir se manter e criar um novo Império galáctico.
A maestria de Asimov criou um universo rico, com temas e personagens importantes. Certamente influenciou outros escritores e roteiristas para criarem as suas obras.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.