Matéria Escura: Nós Somos Nossos Próprios Inimigos
Fazer escolhas para nossa vida é bastante difícil. Muitas vezes nos perguntamos o que poderia ter acontecido se tivéssemos feito escolhas diferentes na nossa vida. Uma vez feitas as escolhas, não podemos voltar atrás. Mas, e se pudéssemos fazer isso?
PAULO BOCCA NUNES
A série “Matéria Escura“, da Apple TV+, adaptada pelo próprio autor Blake Crouch do seu romance homônimo de 2016, explora a ideia de que “nós somos nossos piores inimigos” de uma maneira literal. A trama envolve um enigma intrincado que, apesar de chocante e inquietante, deixa a desejar no desfecho.
A narrativa começa na Chicago contemporânea, onde Jason Dessen (interpretado por Joel Edgerton), um professor de física vivendo uma vida de classe média confortável, está satisfeito com sua esposa, Daniela (Jennifer Connelly), e seu filho adolescente, Charlie (Oakes Fegley). Após uma noite comemorando o prêmio de um amigo, Jason é sequestrado e acorda em um universo paralelo onde ele é um renomado físico, mas sem sua família. Esse universo paralelo o leva a uma vida de sucesso profissional e financeiro, mas solitária, onde sua parceira é Amanda (Alice Braga).
Conforme a série avança, o Jason da realidade alternativa (Jason2) tenta se passar pelo Jason original (OG Jason), mas pequenos detalhes como uma alergia a nozes e hábitos pessoais levantam suspeitas em Daniela. Enquanto isso, OG Jason, preso no mundo de Jason2, alia-se a Amanda para desmascarar o esquema e tentar retornar à sua vida original. A situação é agravada pelo bilionário Leighton (Dayo Okeniyi), chefe de Jason2, que não quer perder seu talentoso cientista.
A série se destaca pela atuação de Joel Edgerton, que interpreta de maneira convincente as sutis diferenças entre as duas versões de Jason. Além disso, as várias versões alternativas de Chicago são visualmente impressionantes, variando de brilhantes e futuristas a apocalípticas. Jennifer Connelly também brilha ao interpretar múltiplas versões de Daniela, cada uma com nuances distintas.
No entanto, “Matéria Escura” peca em seu tratamento dos aspectos científicos. A máquina de viagem no multiverso, chamada de “A Caixa“, é complexa e envolta em jargão científico que pode alienar o espectador médio. A série gasta tempo excessivo explicando o funcionamento de “A Caixa“, o que inclui uma droga injetável, um corredor distorcido e a necessidade de controle total sobre o subconsciente, desviando o foco da narrativa central.
Alguns episódios sofrem com um ritmo lento, ignorando temas importantes e deixando personagens secundários, como Blair (Amanda Brugel), subdesenvolvidos. Como criador e showrunner, Crouch parece hesitante em deixar aspectos do enredo inexplorados, resultando em uma série de nove episódios que muitas vezes se perde em detalhes excessivos.
Apesar das falhas, o episódio seis, intitulado “Superposição”, se destaca. Neste episódio, Jason2 começa a perceber as imperfeições na vida de OG Jason, enquanto OG Jason e Amanda exploram um universo que oferece paz e uma nova chance. Esse episódio permite que os atores brilhem, proporcionando um alívio bem-vindo em meio à escuridão e violência da série.
À medida que “Matéria Escura” avança, a complexidade das histórias e linhas do tempo aumenta, tornando-se um tanto confusa. O episódio oito, “Jupiter“, introduz uma reviravolta que, ao invés de surpreender, acaba decepcionando.
Quando Crouch publicou seu romance, multiversos eram uma novidade menos explorada na TV e no cinema. Desde então, produções como “Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo” e o Universo Cinematográfico Marvel tornaram esses conceitos mais comuns. “Matéria Escura” poderia ter sido mais impactante se Crouch tivesse confiado mais em seu público, permitindo que o material original e as performances falassem por si sem um roteiro excessivamente explicativo.
A série “Matéria Escura” apresenta uma exploração intrigante dos multiversos e das consequências de se confrontar com versões alternativas de si mesmo. Apesar de algumas falhas na execução, especialmente na exposição científica e no ritmo narrativo, a série oferece performances fortes e visuais impressionantes. O enredo nos desafia a pensar sobre as escolhas que fazemos e as vidas que poderíamos ter vivido, mantendo-nos intrigados até o final, mesmo que este não seja totalmente satisfatório.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.