O Dilema da Ficção Científica no Streaming
A história da ficção científica tem no século XIX o seu início que levou à criação de seu gênero literário na segunda década do século XX. Mas, foi com a criação do cinema que ela se tornou notória e de grande impacto no público. A partir da segunda década do século XXI, os filmes e séries de TV nas plataformas de streaming passaram a receber cada vez mais títulos em seus catálogos. No entanto, a sua permanência nos catálogos dependem de varáveis cada vez mais rígidas, de plataforma para plataforma.
Paulo Bocca Nunes
Vivemos uma era de excesso de conteúdo e de escassez de tempo. As plataformas de streaming, com seus catálogos abarrotados e seus algoritmos insaciáveis, nos empurram diariamente para novas séries, novos filmes, novos lançamentos. A cada rolagem de tela, somos bombardeados por thumbnails chamativos, trailers automáticos e sinopses que prometem emoções instantâneas. Nesse cenário de consumo acelerado, um gênero tradicionalmente reflexivo e provocador enfrenta um dilema que parece insolúvel: a ficção científica.
O que antes era um espaço de contemplação filosófica, de perguntas existenciais e de construções narrativas lentas e densas, hoje precisa se adaptar a um público que assiste a episódios no ônibus, no intervalo do trabalho ou com o celular em mãos enquanto responde às mensagens no Whatsapp. A ficção científica, que já nos convidou a refletir sobre o sentido da vida, os limites da inteligência artificial, o futuro da humanidade e até mesmo o papel do próprio ser humano no universo, agora corre o risco de ser engolida pelo imediatismo das métricas de engajamento.
Um exemplo recente e emblemático dessa crise é a série Away, lançada pela Netflix em 2020. A produção apostava em um drama humano no espaço, acompanhando uma missão tripulada rumo a Marte. A trama não era centrada apenas nos desafios técnicos da viagem, mas principalmente nos conflitos emocionais, nas fragilidades humanas e nas relações interpessoais de uma tripulação isolada e em constante tensão psicológica. A fotografia era cuidadosa, o ritmo era lento e a narrativa apostava na construção gradual de um clima de isolamento e reflexão.
Porém, apesar das qualidades técnicas e de uma premissa promissora, Away foi cancelada após a primeira temporada. O motivo oficial: custo de produção elevado e baixa retenção de público. A série não sobreviveu ao algoritmo. Não houve tempo para que o público se conectasse plenamente com a história. Não houve paciência. Não houve segunda chance.
E o caso de Away não é isolado. Se voltarmos algumas décadas, encontramos em obras como 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, o exemplo clássico de uma ficção científica que exigia do espectador algo que hoje parece um luxo: tempo de digestão. Em 1968, o público de cinema sentava-se em poltronas confortáveis e, por mais de duas horas, mergulhava em uma experiência visual, sonora e filosófica que demandava atenção plena. Kubrick ousou criar uma narrativa com longos silêncios, cenas contemplativas e um final aberto a interpretações. Hoje, dificilmente uma série com esse ritmo teria sobrevida em qualquer plataforma de streaming.
O filme permanece disponível, é claro… mas muito mais por ser um clássico da ficção científica. Uma espécie de ícone do gênero, que as plataformas mantêm no catálogo como um objeto sagrado, pronto para ser reverenciado por uma legião de saudosistas e intelectuais do cinema. Isso não é exatamente um elogio… apenas uma constatação de como o lugar desse tipo de obra mudou no mercado de hoje.
De outra parte, mesmo filmes mais recentes, como Ad Astra (2019), enfrentaram resistência. A produção, estrelada por Brad Pitt, seguiu um caminho mais introspectivo, apostando na jornada emocional de um astronauta em busca de respostas pessoais e existenciais. Ainda que embalado por uma estrutura clássica da Jornada do Herói e com o apelo comercial de um astro de Hollywood, Ad Astra dividiu opiniões justamente por seu ritmo lento e pela carga psicológica da narrativa. Se até mesmo uma produção com um rosto conhecido na linha de frente encontrou dificuldade em conquistar unanimidade, o que esperar de séries como Away, com menos apelo midiático e uma proposta ainda mais densa?
O problema vai além de uma simples questão de gosto do público. Trata-se de uma mudança estrutural na forma como consumimos entretenimento. As plataformas de streaming não trabalham apenas com avaliações qualitativas, mas com números frios e implacáveis: taxa de abandono de episódio, tempo médio de visualização, retenção por minuto, engajamento nos primeiros cinco minutos. Uma série que não entrega impacto imediato simplesmente desaparece dos rankings de recomendação. E uma produção que não performa bem nas primeiras semanas de lançamento é rapidamente enterrada sob novas ondas de conteúdo.
Essa lógica cria um ambiente hostil para a ficção científica que aposta na reflexão e no desenvolvimento lento. Obras que exigem atenção prolongada, que desafiam o espectador a sair da zona de conforto, são vistas como arriscadas. Plataformas querem engajamento, não contemplação. Querem maratonas aceleradas, não digestões lentas.
E o público? Também mudou. A nova geração de espectadores, acostumada ao consumo fragmentado de conteúdo, muitas vezes busca por histórias que possam ser compreendidas em partes curtas, com ganchos constantes e reviravoltas a cada poucos minutos. A cultura do “não cabe no celular” se tornou um fenômeno real. Produções que exigem tela grande, som de qualidade e um mínimo de atenção contínua acabam sendo ignoradas.
A ficção científica, nesse cenário, caminha sobre uma corda bamba. Entre o entretenimento rápido e as narrativas profundas, muitas obras tentam encontrar um meio-termo. Algumas investem pesado na ação, nos efeitos especiais e nas explosões de roteiro. Outras resistem, mantendo-se fiéis à introspecção, mesmo sabendo que o risco de cancelamento é alto.
Ao longo deste artigo, vamos explorar como o gênero tem se desdobrado entre esses dois extremos. Vamos olhar para obras que representam a ação desenfreada e o entretenimento imediato, bem como aquelas que ainda apostam na reflexão e na provocação filosófica. E, claro, vamos discutir se ainda há espaço, nas plataformas de streaming, para uma ficção científica que exija mais do que apenas a atenção de um scroll apressado.
Breve resgate histórico: Quando a ficção científica podia ser lenta
Antes da era dos algoritmos, dos relatórios de retenção e da corrida desenfreada por cliques e visualizações, a ficção científica tinha um outro tempo. Um tempo mais contemplativo. Mais paciente. Um tempo em que o público se permitia ser levado por narrativas lentas, por diálogos longos e por questionamentos filosóficos que nem sempre tinham resposta.
O exemplo mais clássico e inevitável dessa época é 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Lançado em 1968, o filme é, até hoje, um dos maiores símbolos da ficção científica existencialista. Kubrick não tinha pressa em contar sua história. Cenas de vários minutos mostrando apenas uma nave deslizando silenciosamente pelo espaço, diálogos minimalistas, uma trilha sonora composta por peças clássicas e um final aberto a tantas interpretações quanto o número de espectadores. O público daquela época tinha outra relação com o cinema. Existia o tempo da espera, da reflexão, da digestão. Era uma experiência sensorial, quase meditativa.
Mas não foi só 2001 que apostou nesse ritmo mais cadenciado. A própria franquia Star Trek, surgida originalmente como uma série de televisão nos anos 60, também tinha um formato muito diferente do que vemos nas produções audiovisuais atuais. Os episódios de Jornada nas Estrelas eram, muitas vezes, verdadeiros debates filosóficos disfarçados de aventuras espaciais. A série se permitia explorar dilemas éticos, políticos e existenciais com calma. Não havia a necessidade de uma explosão a cada cinco minutos ou de um cliffhanger forçado a cada intervalo comercial.
Claro, é importante reconhecer que Star Trek também tinha sua cota de ação, como qualquer boa space opera. Mas o foco estava muito mais na construção de dilemas morais do que em sequências frenéticas de combate. Episódios como “The City on the Edge of Forever” ou “The Measure of a Man” (já na fase A Nova Geração) são exemplos de como a ficção científica da televisão podia, sim, ser lenta e profundamente reflexiva.
Nos anos 70, o sucesso de Star Wars mudou um pouco o jogo. A space opera de George Lucas trouxe à ficção científica uma nova dinâmica: ação acelerada, efeitos especiais revolucionários para a época, personagens carismáticos e uma narrativa mais próxima das aventuras clássicas. Star Wars não era introspectivo. Era épico, direto e, acima de tudo, feito para o grande público. A Jornada do Herói, estruturada de forma exemplar, conduzia o espectador por um caminho de redenção, sacrifício e vitória. O impacto foi imediato. O cinema descobriu que ficção científica também podia ser puro entretenimento de massa.
A partir daí, criou-se uma divisão que, de certa forma, persiste até hoje: de um lado, a ficção científica filosófica, que convida à reflexão; do outro, a ficção científica blockbuster, que prioriza o espetáculo visual e a ação.
Nos anos 80, a televisão também tentou encontrar seu espaço dentro desse espectro. Galactica – Astronave de Combate (Battlestar Galactica), por exemplo, surgiu em 1978 como uma resposta ao sucesso de Star Wars, mas ainda com algumas tentativas de discutir temas mais profundos, como o genocídio, o destino e a sobrevivência de uma civilização em fuga. Apesar das limitações técnicas da época, a série tinha um ritmo bem mais lento do que o que vemos nas produções atuais. Episódios inteiros eram dedicados a debates estratégicos, intrigas políticas ou conflitos existenciais dos personagens.
Curiosamente, quando Battlestar Galactica foi reimaginada nos anos 2000, a série manteve essa tradição de explorar dilemas morais e políticos, mas já começou a adaptar seu ritmo ao gosto do público moderno: mais tensão por episódio, mais reviravoltas, mais conflitos internos com resolução rápida, mas ainda assim sem abrir mão de uma boa dose de reflexão.
Outro bom exemplo desse passado de ficção científica com tempo de maturação é Blade Runner (1982), de Ridley Scott. Baseado na obra de Philip K. Dick, o filme mergulha em temas como a identidade, a memória e o que significa ser humano. O ritmo, para os padrões atuais, é considerado quase contemplativo. Não há perseguições intermináveis ou batalhas épicas. Em vez disso, temos longos momentos de silêncio, diálogos filosóficos e uma atmosfera carregada de melancolia. Hoje, é considerado um clássico, mas na época de seu lançamento, dividiu o público e a crítica exatamente pelo seu ritmo e pela complexidade narrativa.
Vale lembrar que mesmo produções populares da época, como O Enigma de Outro Mundo (The Thing, de 1982), de John Carpenter, ainda reservavam espaço para a construção de tensão de forma gradual. A preocupação era com a atmosfera, com o desconforto psicológico, e não apenas com os sustos imediatos.
O que esses exemplos têm em comum é o respeito ao tempo da narrativa e à inteligência do espectador. Havia uma confiança tácita de que o público estava disposto a esperar, a refletir, a acompanhar a jornada dos personagens mesmo que ela não fosse marcada por explosões ou efeitos especiais a cada cena. As obras se permitiam ser lentas porque havia uma cultura de consumo audiovisual que aceitava – e até valorizava – esse tipo de experiência.
Hoje, porém, o cenário é outro. O avanço da tecnologia, o crescimento do streaming e a mudança no comportamento do público criaram um novo ecossistema para a ficção científica. Um ambiente onde o tempo de atenção é medido em segundos e onde qualquer obra que não agarre o espectador nos primeiros minutos corre o risco de desaparecer na fila de recomendações.
Ao olharmos para trás, percebemos que a ficção científica já foi um convite à contemplação. Um espaço para perguntas sem resposta. Uma jornada sem pressa. E é justamente esse contraste com o modelo atual que torna o caso de Away – e de tantas outras produções recentes – ainda mais relevante para discutirmos.
No próximo bloco, vamos aprofundar esse debate analisando justamente o que aconteceu com Away e como ela se tornou um exemplo moderno de uma ficção científica que, ao escolher a introspecção, acabou sendo vítima de um sistema que não perdoa a lentidão.
O caso de Away: Introspectiva demais para o público de hoje?
Quando Away estreou na Netflix em 2020, a promessa era de uma ficção científica com coração. Uma série que combinaria o drama humano com o fascínio da exploração espacial. A premissa era instigante: uma missão tripulada com destino a Marte, liderada por Emma Green (Hilary Swank), uma comandante dividida entre a responsabilidade de liderar a tripulação e os laços afetivos que deixou na Terra. Era, ao mesmo tempo, uma história de superação, de sacrifício e de dilemas éticos e emocionais vividos a milhões de quilômetros de casa.
Porém, logo após o lançamento, as reações foram mistas. Parte do público elogiou a abordagem emocional da série, o desenvolvimento dos personagens e a tentativa de criar uma narrativa mais íntima dentro de um cenário de ficção científica. Mas a outra parte, talvez a maioria, se incomodou com o ritmo lento, com os episódios que pareciam mais preocupados em explorar traumas pessoais do que os desafios técnicos e científicos da missão.
De fato, Away não é uma série para quem busca ação ininterrupta. Não há grandes batalhas espaciais, nem confrontos épicos com alienígenas, nem sequer um senso de urgência narrativa que prenda o espectador a cada minuto. O foco está nos conflitos internos: a saudade da família, os traumas do passado, os medos individuais que cada membro da tripulação carrega. Em alguns episódios, a sensação é de estar assistindo a um drama familiar que, por acaso, se passa no espaço.
Quando comparamos Away com outras produções recentes, o contraste fica ainda mais evidente. Filmes como Moonfall ou Atlas, por exemplo, apostam na ação desenfreada, nas explosões constantes e em plots que, muitas vezes, sacrificam a coerência em troca de entretenimento rápido. São produções feitas sob medida para manter o espectador grudado na tela, com cortes rápidos, ganchos a cada cena e trilhas sonoras que não dão espaço para o silêncio.
Já Away escolheu seguir o caminho oposto. E pagou o preço por isso.
O cancelamento da série, após apenas uma temporada, não surpreendeu quem acompanha de perto o funcionamento das plataformas de streaming. Os números de audiência não foram suficientes. As taxas de retenção caíram. O famoso “drop rate” – que mede quantos espectadores abandonam a série antes mesmo de completar os primeiros episódios – foi alto. O algoritmo falou mais alto do que qualquer análise crítica. Não houve espaço para uma segunda chance.
Mas seria justo dizer que Away fracassou apenas por uma questão de ritmo? Ou estaríamos diante de um problema mais profundo, uma mudança estrutural na forma como o público consome ficção científica?
Se olharmos para Ad Astra (2019), percebemos que até mesmo produções com orçamento milionário e com um astro como Brad Pitt enfrentam resistência quando apostam em uma narrativa introspectiva. Ainda que Ad Astra tenha uma estrutura mais próxima da Jornada do Herói, com momentos de ação bem distribuídos, o filme ainda assim foi acusado por parte do público de ser “lento demais” e “filosófico em excesso”.
O caso de Away, portanto, parece ser um exemplo emblemático de uma ficção científica que ficou num terreno de ninguém. Por um lado, sofisticada demais para o espectador médio de streaming, acostumado a maratonas de ação com narrativa simplificada. Por outro, talvez pouco ousada ou profunda o suficiente para conquistar o público mais fiel da ficção científica hard ou filosófica – aquele que se alimenta de obras densas como Solaris ou Arrival.
Além disso, a própria linguagem visual de Away não favoreceu o consumo casual. Não é uma série que “cabe no celular”. Seu apelo está na construção da tensão emocional, nas expressões de seus personagens, na solidão representada por longas tomadas do vazio espacial. Em um ambiente de consumo audiovisual cada vez mais dominado por telas pequenas e pela visualização em ambientes barulhentos e desconcentrados, esse tipo de narrativa parece fadada ao esquecimento.
E talvez o maior problema nem tenha sido a falta de ação, mas a ausência de um “fator de conversa”. Away não gerou polêmica. Não teve um cliffhanger bombástico que se tornasse assunto nas redes sociais. Não apresentou um conceito inovador o suficiente para provocar debates. Diferente de obras como Black Mirror ou até mesmo The Expanse, que conseguiram criar engajamento em nichos específicos, Away passou quase despercebida.
O resultado? Uma série com boas intenções, com um elenco talentoso e com um potencial narrativo que nunca teve a chance de amadurecer. Um exemplo claro de como, hoje, a ficção científica que escolhe o caminho da introspecção caminha sobre terreno instável.
No próximo bloco, vamos ampliar essa discussão olhando para os dois extremos que dominam a ficção científica nas plataformas: de um lado, as produções de ação desenfreada; do outro, as obras que insistem na reflexão, mesmo sabendo o risco que correm.
O Pêndulo da Ficção Científica Atual: Ação desenfreada ou filosofia hermética
Ao observar a produção de ficção científica dos últimos anos, fica evidente que o gênero tem oscilado entre dois extremos bem definidos: de um lado, a ação desenfreada, feita para prender o espectador a cada minuto, com explosões, reviravoltas e efeitos visuais em alta rotação; de outro, narrativas densas, introspectivas e, muitas vezes, herméticas, que desafiam o público a permanecer atento, reflexivo e, acima de tudo, paciente.
O primeiro grupo é fácil de identificar. Produções como Moonfall, Atlas, A Resistência e Star Trek: Seção 31 são exemplos claros dessa ficção científica de consumo rápido. São obras que entregam entretenimento imediato, muitas vezes sacrificando a profundidade do roteiro e a construção dos personagens. O objetivo é manter o público engajado, com cortes rápidos, trilhas sonoras intensas e conflitos constantes.
Atlas, por exemplo, lançado recentemente pela Netflix, é quase um estudo de caso de como as plataformas entendem o que pode funcionar com o público moderno: uma protagonista em constante estado de tensão emocional, cenas de ação intercaladas com reflexões superficiais sobre tecnologia e inteligência artificial, e um ritmo que nunca desacelera por muito tempo. O resultado? Uma experiência visualmente barulhenta, mas com pouca profundidade filosófica.
Moonfall segue o mesmo caminho. Com um enredo que desafia até mesmo as leis mais básicas da física, o filme é um espetáculo de efeitos visuais, mas com um roteiro que serve apenas como fio condutor para cenas de destruição em larga escala. O espectador não precisa refletir. Apenas assistir.
E o que dizer de A Resistência? Um filme que, apesar de apresentar uma estética impressionante e um universo visualmente rico, não se aprofunda nas questões morais e existenciais que propõe. A discussão sobre o papel das inteligências artificiais na sociedade humana existe, mas fica soterrada em meio a tiroteios, perseguições e cenas de impacto.
Do outro lado desse pêndulo, temos as produções que optam por caminhar na direção oposta: narrativas que exigem do público tempo, atenção e uma boa dose de disposição para o desconforto intelectual.
Extrapolations, por exemplo, é uma série que mistura ficção científica com um tom quase documental para discutir os efeitos das mudanças climáticas ao longo de décadas. Não há explosões, nem perseguições. Em vez disso, somos convidados a refletir sobre os impactos das escolhas humanas em diferentes escalas de tempo. A série avança com saltos temporais e recortes de diferentes histórias, muitas vezes sem uma conexão narrativa fácil ou direta, o que exige ainda mais atenção por parte do espectador.
Nosso Amigo Extraordinário segue uma linha semelhante, apostando em uma ficção científica com forte carga emocional, que discute a solidão e a relação humana com o desconhecido. Um filme que, para muitos, poderia ser classificado mais como um drama existencial com elementos de ficção científica do que como uma sci-fi tradicional.
Outro exemplo recente é O Astronauta, protagonizado por Adam Sandler, que surpreendeu ao deixar de lado o humor que consagrou o ator. No filme, acompanhamos a jornada de um astronauta solitário, preso em uma missão de longa duração, tendo como única companhia uma criatura alienígena em forma de aranha gigante – uma metáfora viva, que funciona quase como um psicanalista filosófico, conduzindo o protagonista por questionamentos internos profundos. Não é um filme fácil. Exige entrega emocional e intelectual.
Produções como Constelação e Corpos também caminham nessa direção. Ambas oferecem ao público uma combinação de ficção científica e reflexão existencial. Constelação, com suas camadas de realidade e questionamentos sobre identidade e percepção, e Corpos, com uma trama de viagem no tempo que vai muito além do clichê sci-fi, mergulhando em dilemas éticos, familiares e políticos.
É claro que, dentro desses extremos, algumas obras tentam equilibrar os dois mundos. Matéria Escura é um bom exemplo disso: uma série que traz ação e tensão narrativa, mas sem abrir mão de uma boa discussão sobre identidade, escolhas e as infinitas possibilidades que cada decisão pode gerar. Outro caso interessante é Projeto OVNI, produção polonesa que usa a invasão alienígena como pano de fundo para discutir manipulação de narrativas e o uso político da informação.
Mas, na maioria dos casos, o que se vê é uma ficção científica fragmentada: ou se corre atrás do espectador com cenas de ação desenfreada, ou se arrisca na introspecção, sabendo que o preço pode ser a rejeição ou o cancelamento precoce.
Esse pêndulo não é apenas uma escolha estética ou de roteiro. Ele é uma resposta direta às métricas de consumo, ao comportamento do público e à pressão por resultados rápidos que as plataformas de streaming impõem. A ficção científica, que sempre foi um espaço de experimentação, questionamento e ousadia, agora se vê obrigada a escolher entre o entretenimento de fácil digestão ou a arte de falar com um público cada vez mais nichado e exigente.
No próximo bloco, vamos falar justamente sobre esse desafio de encontrar um meio-termo e sobre as produções que tentam, com maior ou menor sucesso, transitar entre a ação comercial e a reflexão filosófica.
A Zona Cinzenta: Existe espaço para um meio-termo?
Entre os dois extremos que dominam a ficção científica atual – de um lado, a ação desenfreada, e do outro, a introspecção quase hermética – existe um espaço intermediário. Um terreno arriscado, mas ainda possível: o da ficção científica que tenta equilibrar ritmo narrativo com profundidade temática. Não é uma tarefa simples. Manter o público engajado enquanto se desenvolvem reflexões mais densas exige um domínio de roteiro, direção e construção de personagens que poucas produções conseguem alcançar. Mas alguns exemplos recentes mostram que esse meio-termo, embora raro, ainda é viável.
Silo, série original da Apple TV+, talvez seja um dos melhores representantes dessa “zona cinzenta”. Baseada na série literária de Hugh Howey, a produção consegue misturar mistério, tensão política, worldbuilding e questionamentos sociais de forma eficiente. O espectador é fisgado já nos primeiros episódios, com uma trama que envolve conspirações, segredos de Estado e um ambiente claustrofóbico. Mas, ao mesmo tempo, a série não se furta a discutir temas como controle social, manipulação de informações e o direito à verdade. Silo é um exemplo claro de como é possível entregar uma narrativa com ritmo, mas sem abrir mão de um subtexto relevante.
Outra obra que merece destaque é Matéria Escura, também da Apple TV+. A série explora o conceito das realidades paralelas de forma acessível ao público médio, mas com uma camada filosófica interessante: a ideia de que somos o resultado direto das escolhas que fazemos – e, pior ainda, que talvez nossos maiores inimigos sejamos nós mesmos, em outras versões de nossa própria existência. A trama é dinâmica, com cenas de perseguição e suspense, mas sempre ancorada em um dilema moral e existencial que dá peso à narrativa.
Projeto OVNI, produção polonesa disponível na Netflix, segue um caminho semelhante. Ainda que parta de um clichê da ficção científica – uma suposta invasão alienígena –, a série se aprofunda em um debate extremamente atual: o poder da narrativa como instrumento de manipulação social. Em vez de priorizar apenas os elementos visuais ou a ação, a obra trabalha com o conceito de como as versões da realidade são moldadas por interesses políticos e midiáticos. Uma escolha ousada, mas que consegue manter um equilíbrio entre tensão e reflexão.
Outro exemplo que vale ser citado é a série Corpos, que, apesar de estruturar sua narrativa em torno de um mistério policial com viagem no tempo, não deixa de levantar questionamentos importantes sobre livre-arbítrio, responsabilidade individual e os impactos de nossas escolhas ao longo das gerações. A série entrega ação e reviravoltas, mas sempre com uma preocupação em manter uma discussão mais profunda nas entrelinhas.
Essas produções mostram que, apesar da pressão por resultados rápidos, ainda existe espaço para narrativas que buscam o equilíbrio. Mas é um espaço estreito, onde o risco de errar é alto. Um roteiro mal dosado pode afastar tanto o público que busca ação quanto aquele que busca reflexão. Um exemplo disso é o filme The Electric State, que tentou fazer essa fusão entre estética visual de impacto e uma história com carga emocional, mas acabou se perdendo no caminho. A produção não conseguiu agradar nem aos fãs de ação, nem aos que buscavam uma narrativa mais substancial.
E há ainda casos como Constelação, uma série que começou de forma promissora, com questionamentos sobre percepção da realidade e identidade, mas que, ao tentar equilibrar introspecção com reviravoltas dramáticas, acabou dividindo opiniões. O público que queria respostas rápidas se frustrou com a complexidade da trama. Já os espectadores que buscavam profundidade muitas vezes se incomodaram com a quantidade de subplots e a sensação de falta de foco.
Encontrar esse equilíbrio, portanto, não é apenas uma questão de roteiro. Envolve direção, montagem, atuação e até mesmo uma compreensão mais ampla de quem é o público-alvo. As plataformas de streaming, por sua vez, têm um papel crucial nesse processo. O marketing de lançamento, o formato de divulgação e até a forma como a série ou filme é posicionado no catálogo podem determinar se o espectador estará predisposto a dar uma chance para uma narrativa que transita entre ação e reflexão.
Outro aspecto importante dessa zona cinzenta é a duração dos episódios e o número de capítulos por temporada. Séries como Matéria Escura e Silo foram inteligentes ao limitar o número de episódios e a extensão de cada um, criando um senso de urgência na narrativa, mas sem atropelar o desenvolvimento de temas mais complexos. É uma resposta direta ao comportamento do público atual: ninguém quer uma maratona de 20 episódios com duração de uma hora cada, mas também não se pode sacrificar o desenvolvimento da história em nome de uma edição frenética.
Além disso, muitas dessas obras têm investido em personagens que funcionam como pontos de ancoragem emocional para o público. Em vez de explorar apenas conceitos abstratos de física, política ou filosofia, elas apostam em protagonistas com dilemas humanos, familiares e existenciais. Isso aproxima o espectador e cria identificação. Corpos, por exemplo, consegue discutir o impacto de decisões ao longo do tempo não apenas de forma teórica, mas mostrando as consequências diretas na vida dos personagens.
O que parece cada vez mais claro é que o meio-termo na ficção científica moderna exige uma espécie de “malabarismo narrativo”. É preciso criar cenas que gerem engajamento imediato – seja por suspense, conflito ou visual impactante – mas que também sirvam de ponte para camadas mais profundas de significado. Um equilíbrio delicado, que poucas produções têm conseguido alcançar com sucesso.
E, claro, nem todas as tentativas dão certo. The Electric State é um exemplo de como uma produção com bom material de origem e estética caprichada pode falhar exatamente por não saber dosar os dois elementos. O filme ficou preso entre querer ser uma aventura visual para o público jovem e, ao mesmo tempo, tentar abordar temas de perda, amadurecimento e solidão de forma rasa, sem a profundidade necessária para tocar o espectador.
O mesmo vale para produções como Atlas, que, apesar de sugerir um debate sobre o futuro da inteligência artificial e as implicações éticas dos implantes neurais, acaba escorregando para uma sequência de cenas de ação com pouca coerência emocional, prejudicada ainda mais pelo tom histérico e pouco consistente da protagonista.
Ainda assim, obras como Silo, Matéria Escura e Corpos apontam que esse caminho híbrido é possível – desde que feito com planejamento, respeito pela inteligência do público e uma boa dose de ousadia criativa.
A grande pergunta que fica é: as plataformas de streaming estão dispostas a apostar nesse meio-termo? Ou vamos continuar assistindo à ficção científica ser empurrada cada vez mais para os extremos: ou puro espetáculo visual, ou narrativas densas que só sobrevivem em nichos muito específicos?
No próximo bloco, vamos analisar como as métricas das plataformas estão moldando o futuro da ficção científica e quais as perspectivas para os próximos anos.
As Métricas Implacáveis: Como as plataformas decidem o futuro das séries
Por trás de cada cancelamento precoce ou de cada renovação inesperada, existe hoje uma realidade que poucos espectadores conhecem em detalhes, mas que dita o destino de praticamente todas as séries de ficção científica (e de outros gêneros) nas plataformas de streaming: as métricas.
Diferente da televisão tradicional, onde a audiência era medida por amostragens estatísticas e onde o sucesso de uma série podia ser construído ao longo de várias temporadas, o streaming opera com dados em tempo real. Cada clique, cada pausa, cada abandono de episódio é registrado, analisado e transformado em relatórios que orientam executivos e algoritmos na tomada de decisão.
Quando uma série como Away é lançada, por exemplo, os primeiros dias são cruciais. As plataformas observam o número de visualizações nas primeiras 24, 48 e 72 horas. Mais importante ainda: monitoram o chamado “completion rate”, ou seja, a porcentagem de pessoas que começou e terminou a temporada completa. Se os dados mostram que muita gente assistiu ao primeiro episódio, mas desistiu logo depois, é quase uma sentença de morte para a produção.
Outro indicador decisivo é o “engajamento social”. As plataformas acompanham o quanto a série está sendo comentada nas redes sociais, o volume de buscas no Google, os tópicos em alta no Twitter, os vídeos de reação no YouTube e até mesmo o número de publicações no TikTok. Uma obra pode até ter uma audiência razoável, mas se não estiver gerando conversa, debate ou polêmica, o sinal de alerta se acende.
E há ainda a famigerada “retenção por minuto”, uma métrica ainda mais agressiva. Nela, os algoritmos analisam em que ponto exato o espectador abandona a série ou avança para outros conteúdos. Um episódio com longas cenas introspectivas, como os de Away, pode registrar quedas bruscas de visualização em determinados minutos. Isso pesa – e muito – nas decisões internas.
Esse modelo, baseado em consumo rápido e feedback instantâneo, favorece naturalmente as produções que entregam impacto imediato. Séries com muita ação, ganchos dramáticos a cada final de episódio e tramas que incentivam a maratona compulsiva tendem a performar melhor nas métricas.
Não é coincidência que obras como The Night Agent, Fubar ou até mesmo ficções científicas de ação como Jung_E ou Moonfall tenham se destacado em termos de números, mesmo quando a qualidade narrativa foi alvo de críticas. São séries e filmes pensados para prender a atenção desde os primeiros minutos, com ritmo acelerado e roteiros que priorizam o imediatismo.
Por outro lado, séries que exigem paciência e reflexão, como Constelação, Extrapolations ou a já citada Away, enfrentam uma barreira quase intransponível: o algoritmo. Quando os dados indicam que o público não está engajando, dificilmente haverá espaço para uma segunda temporada, independentemente da qualidade artística ou do potencial a longo prazo.
Essa lógica de mercado também tem outro efeito colateral: a padronização estética e narrativa. As séries começam a parecer todas muito semelhantes, com estrutura de roteiro quase previsível. É a “formatação pelo algoritmo”, onde o objetivo final é evitar qualquer tipo de fuga do modelo que comprovadamente dá certo nas métricas internas.
No campo da ficção científica, esse cenário gera um paradoxo cruel. O gênero sempre foi terreno fértil para a experimentação, para os questionamentos filosóficos e para as tramas de desenvolvimento gradual. Mas agora, muitas dessas propostas acabam sendo podadas antes mesmo de terem tempo para amadurecer.
Algumas plataformas, como a Apple TV+, ainda parecem dispostas a investir em produções mais arriscadas, como demonstram os casos de Silo, Matéria Escura e Constelação. Mas mesmo nesses casos, a pressão por resultados não deixa de existir. Basta um desempenho abaixo da expectativa que o cancelamento vira a única alternativa comercial viável.
É claro que nem tudo se resume às métricas. Existem casos onde o apelo crítico, os prêmios ou a construção de uma base fiel de fãs conseguem salvar uma produção. Mas são exceções cada vez mais raras.
O público, por sua vez, também é parte dessa equação. A forma como consumimos conteúdo mudou radicalmente. Maratonas em um fim de semana, consumo em telas pequenas, atenção dividida entre múltiplas abas, e a busca constante por recompensas narrativas rápidas acabaram moldando o próprio tipo de conteúdo que as plataformas produzem.
A ficção científica, então, fica nesse jogo de sobrevivência. Ou se adapta ao ritmo imposto pelas métricas, correndo o risco de perder sua identidade, ou mantém sua essência e paga o preço da rejeição comercial.
No próximo bloco, vamos discutir justamente essa encruzilhada: qual o futuro da ficção científica nas plataformas de streaming? Existe uma saída? Ou estamos condenados a viver apenas entre explosões visuais e monólogos existenciais que poucos irão assistir?
O Legado de Gernsback, Wells e Asimov: A Ficção Científica Sempre Foi um Espaço de Tensão
Para entender melhor o dilema que a ficção científica enfrenta hoje nas plataformas de streaming, é importante olhar para as suas origens. A ficção científica nunca foi um gênero de consenso fácil. Desde o início, ela nasceu da tensão entre o entretenimento popular e a reflexão filosófica.
No início do século XX, Hugo Gernsback, editor e escritor, deu um passo decisivo ao criar a revista Amazing Stories em 1926, considerada a primeira publicação dedicada exclusivamente à ficção científica. Mais do que um simples editor, Gernsback foi um verdadeiro idealizador de um novo tipo de narrativa. Para ele, a ficção científica deveria ter um compromisso com o rigor científico, com a plausibilidade tecnológica e, acima de tudo, com a visão de futuro. Era uma literatura que precisava provocar o leitor, projetando cenários que, mesmo fantásticos, estivessem enraizados em princípios científicos reconhecíveis.
Foi Gernsback quem cunhou o termo “scientifiction”, que mais tarde daria origem ao termo definitivo “science fiction”. Sua proposta era clara: entreter, sim, mas também educar e provocar a imaginação. O autor de ficção científica deveria ser, nas palavras do próprio Gernsback, “um visionário com os pés na ciência e os olhos no futuro”.
Mas a semente dessa tensão entre ciência e imaginação já vinha sendo plantada antes. H.G. Wells, no final do século XIX, trouxe ao gênero uma abordagem mais social, política e filosófica. Obras como A Guerra dos Mundos e A Ilha do Dr. Moreau não apenas anteciparam avanços científicos, mas também abriram espaço para a crítica social, para o questionamento ético e para a especulação sobre os rumos da humanidade.
Décadas depois, Isaac Asimov levaria essa proposta a outro nível. Em obras como Fundação e Eu, Robô, Asimov criou cenários em que o avanço tecnológico era apenas o pano de fundo para discussões éticas, morais e existenciais. Questões como o livre-arbítrio das inteligências artificiais, os limites da intervenção humana na história e os riscos da manipulação tecnológica se tornaram temas centrais.
Esse legado moldou a ficção científica como um gênero que sempre oscilou entre dois polos: o entretenimento puro e simples e a reflexão filosófica e científica. Não é por acaso que, ao longo das décadas, o gênero foi capaz de produzir tanto blockbusters como Star Wars, quanto obras densas e provocativas como Solaris ou 2001: Uma Odisseia no Espaço.
O que vemos hoje, no contexto do streaming, é apenas uma nova manifestação dessa tensão histórica. A diferença é que agora as decisões sobre o destino das obras são tomadas por algoritmos, baseadas em métricas de engajamento e tempo de retenção, e não mais pelo olhar crítico de um editor como Gernsback ou pela aposta de um estúdio em uma obra com potencial de se tornar um clássico.
Se Gernsback buscava a combinação entre ciência e ficção para estimular o pensamento crítico, as plataformas de hoje buscam, acima de tudo, o “play next”. Um salto de lógica que, inevitavelmente, coloca em risco a essência da ficção científica como espaço de especulação e questionamento.
E talvez seja justamente esse o maior dilema que o gênero enfrenta no cenário atual: como manter viva a tradição visionária e reflexiva em um ambiente onde o que importa é a retenção por segundo?
No bloco final, vamos tentar responder essa pergunta e refletir sobre os caminhos possíveis para o futuro da ficção científica no streaming.
Conclusão: A Encruzilhada da Ficção Científica no Streaming
A ficção científica sempre foi, por natureza, um gênero de fronteira. Ela nasceu entre a ciência e a fantasia, entre a previsão do futuro e o espelho crítico do presente, entre o puro entretenimento e a provocação filosófica. E, ao longo de décadas, foi justamente essa capacidade de transitar entre mundos – narrativos e conceituais – que manteve o gênero vivo, relevante e surpreendente.
Mas no cenário atual, dominado pelas plataformas de streaming, a ficção científica parece ter chegado a uma encruzilhada particularmente delicada. A lógica dos algoritmos, das métricas de retenção e do consumo rápido impõe um ritmo que nem sempre é compatível com a construção de histórias mais complexas ou com o desenvolvimento de reflexões profundas.
De um lado, temos a avalanche de produções focadas na ação imediata, no espetáculo visual e nas fórmulas narrativas pensadas para não deixar o espectador desviar o olhar da tela. São séries e filmes que funcionam como produtos de consumo rápido, descartáveis, muitas vezes esquecíveis logo após os créditos finais.
Do outro lado, resistem as obras mais introspectivas, que ousam desacelerar, que exigem atenção e que nem sempre entregam respostas fáceis. Mas essas, como vimos com Away, Extrapolations ou Constelação, enfrentam o fantasma do cancelamento precoce, vítimas de uma cultura de consumo que valoriza mais o “tempo de tela” do que o impacto intelectual ou emocional de longo prazo.
Entre esses dois extremos, um pequeno grupo de produções tenta ocupar a “zona cinzenta”. Séries como Silo, Matéria Escura e Corpos provam que é possível oferecer entretenimento com conteúdo, ação com reflexão, ritmo com profundidade. Mas são exceções que, infelizmente, confirmam a regra.
Olhando para trás, fica evidente que o que estamos presenciando hoje é mais uma fase dessa longa disputa entre mercado e criatividade, entre indústria e arte, entre o desejo de provocar e a necessidade de agradar. Se Hugo Gernsback defendia uma ficção científica visionária e educativa, os executivos das plataformas atuais parecem mais interessados em uma ficção científica que garanta um aumento no número de assinaturas ou que mantenha os espectadores por mais tempo na plataforma.
A grande questão que permanece é: para onde vamos a partir daqui?
O futuro da ficção científica, pelo menos no universo do streaming, depende de vários fatores. De um lado, da coragem das plataformas em apostar em narrativas que desafiem o espectador. De outro, da capacidade do público de valorizar obras que vão além da superfície. E, claro, da persistência de roteiristas, diretores e criadores que ainda acreditam que a ficção científica é, antes de tudo, uma ferramenta para questionar, provocar e imaginar novos futuros.
Talvez a saída esteja na diversificação dos formatos. Produções menores, séries limitadas, antologias, experiências audiovisuais que escapem da lógica tradicional das temporadas longas. Talvez o caminho seja uma nova geração de criadores que entendam como dialogar com os algoritmos, mas sem abrir mão da essência provocativa do gênero.
O que é certo é que, enquanto houver público disposto a pensar, questionar e se emocionar com as possibilidades que a ficção científica oferece, haverá espaço – ainda que estreito – para obras que escapem da previsibilidade.
A ficção científica sempre sobreviveu aos seus próprios desafios. Seja na literatura, no cinema ou agora no streaming, ela continua a ser um espelho desconfortável da nossa sociedade e uma janela para futuros possíveis – ou impossíveis.
A encruzilhada está posta. Cabe aos criadores, plataformas e ao público escolherem o caminho a seguir.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.
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