Uma das obras mais icônicas do gênero de ficção científica completa 125 anos em 2023. Até hoje influencia muitas outras obras do gênero.
Paulo Bocca Nunes
A Guerra dos Mundos é um romance de ficção científica escrito por H.G. Wells, foi publicado em 1898 e é considerado um marco na ficção científica. Desde então, tem sido amplamente estudado e apreciado por leitores de todo o mundo, mas também recebeu algumas críticas.
A história, que relata uma invasão marciana à Terra, influenciou profundamente a ficção científica do século XX e deixou sua marca em diversas formas de arte e entretenimento. Neste artigo, vamos explorar a obra de H.G. Wells e como ela influenciou a ficção científica do século XX. A obra de H.G. Wells apresentou uma série de ideias revolucionárias e inovadoras que transformaram a forma de narrar histórias de ficção científica, que já havia na época.
Primeiro, ele introduziu a ideia de que alienígenas poderiam ser seres hostis e violentos, ao invés de serem representados como seres benevolentes que vinham em paz. Essa abordagem mudou a maneira como os alienígenas eram retratados na ficção científica e inspirou muitas outras obras subsequentes.
Outra ideia revolucionária apresentada por Wells foi a de que a ciência e a tecnologia poderiam ter efeitos devastadores sobre a humanidade, caso caíssem nas mãos erradas. Nesse sentido, Wells foi um dos primeiros autores a explorar os perigos da tecnologia e a alertar sobre a necessidade de uma regulação cuidadosa da ciência. Esse tema se tornou cada vez mais relevante ao longo do século XX, à medida que a tecnologia se tornou mais avançada e poderosa.
Lembrando que os estudos que levaram à criação da bomba atômica iniciou nos anos de 1930 e o lançamento da primeira bomba sobre um alvo civil foi em 1945. Portanto muito distante de quando Wells escreveu e publicou A Guerra dos Mundos. No entanto, como ele faleceu em 1946, pode testemunhar o uso da tecnologia de forma perigosa contra a humanidade.
Uma das principais contribuições de Wells para a ficção científica foi a sua abordagem realista e científica. Ele se preocupava com a precisão científica em suas obras e sempre se esforçava para criar cenários plausíveis e cientificamente corretos. Essa abordagem realista influenciou uma série de outros autores e contribuiu para o desenvolvimento da ficção científica “hard“, que se concentra na ciência e na tecnologia em detrimento da trama ou dos personagens.
Nesse aspecto, H. G. Wells foi muito criticado por ninguém menos que Júlio Verne. Quando Wells publicou seu romance Os Primeiros Homens na Lua (1901), o escritor francês criticou Wells por “inventar” uma maneira de fazer uma viagem tripulada até o nosso satélite natural que não existia na época e se constituía em uma “invenção de Wells”. Porém, o que Wells fez foi apresentar um personagem que fazia pesquisas científicas em laboratório e descobriu um elemento capaz de ser usado para fazer viagens a longas distâncias. Portanto, Wells usou de “especulação científica” para fazer uma nave percorrer a distância entre a Terra e a Lua, diferente do que fez Verne ao escrever a sua obra Da Terra à Lua ao usar um gigantesco canhão para impulsionar um projétil gigante com três tripulantes. Verne faleceu em 1905.
A Guerra dos Mundos também influenciou diretamente muitos outros autores da ficção científica do século XX. Um dos exemplos mais notáveis é Arthur C. Clarke (1917 – 2008), que foi inspirado pelo trabalho de Wells a ponto de escrever um ensaio em homenagem a ele intitulado H.G. Wells e o romance científico. Clarke se tornou um dos principais expoentes da ficção científica “hard” e continuou a desenvolver as ideias apresentadas por Wells em sua obra. Entre as obras de Clarke estão 2001 Uma Odisseia no Espaço (1968) e Encontro Com Rama (1972). Esse último traz uma forte influência de Wells, pois a história se passa entre 2077 e 2127, quando uma nave alienígena é descoberta e um grupo de cientistas e militares é enviado para investigar e explorar o artefato. Clarke, como Wells, explorou as implicações científicas e culturais de tal evento e usou a ficção científica como uma forma de explorar questões filosóficas mais profundas.
Outro autor influenciado por Wells foi Ray Bradbury (1920 – 2012), que foi inspirado pelo livro a se tornar um escritor de ficção científica. Bradbury frequentemente citava Wells como uma de suas maiores influências e disse que a leitura de A Guerra dos Mundos foi uma experiência transformadora para ele. Entre suas obras estão a distópica Fahrenheit 451 (1953) e Crônicas Marcianas (1950). Nesse último título, a história fala sobre a colonização de Marte por humanos com problemas e eventualmente vindos de uma Terra sob a iminência de ser devastada pela Guerra Atômica. Há também conflitos entre marcianos nativos com os novos colonizadores humanos. O livro é uma coletânea de contos publicados na década de 1940 em revistas de ficção científica e os acontecimentos se iniciam por volta do ano 2000. Na época da publicação seria, portanto, sessenta anos no futuro. A obra de Bradbury apresenta a ideia de que a exploração espacial pode ter consequências imprevisíveis, uma ideia que também está presente em A Guerra dos Mundos.
A obra de H. G. Wells também influenciou a criação de uma série de filmes de ficção científica, como O Dia em que a Terra Parou (1951 e 2008), que é baseado no conto Farewell To The Master (outubro de 1940 da revista Astounding Science Fiction). Também podemos citar o filme Independence Day (1996), que exploraram ideias semelhantes às apresentadas por Wells.
Além disso, A Guerra dos Mundos também influenciou uma série de outras mídias além dos livros e filmes. Por exemplo, a história foi adaptada para o rádio em uma produção famosa de Orson Welles em 1938. A adaptação era tão realista que muitos ouvintes acreditaram que uma invasão real estava ocorrendo. O episódio ajudou a popularizar a história ainda mais e fez com que ela se tornasse ainda mais conhecida.
A história também influenciou a criação de diversos videogames desde a década de 1970. Os jogos de um modo geral seguem a ideia principal do romance que é a invasão marciana e os humanos lutando para repelir os invasores.
Não poderiam faltar as duas adaptações para os filmes de 1953 e 2005. Essas duas obras seguem caminhos um pouco diferentes do livro de Wells. A primeira começa um pouco parecida, com a queda dos cilindros de onde vieram os marcianos, porém as máquinas de destruição não são os famosos tripods, mas pequenas naves de onde saíam os raios da morte. No filme de 2005, surgem os tripods, mas de forma diferente do livro. Os dois filmes buscam dar um ponto de vista de um personagem principal, algo que acontece no livro, mas são histórias diferentes. Os dois filmes tiveram sucesso de público e crítica e são cultuados até hoje.
Outros filmes foram produzidos partindo da ideia principal de Wells. O primeiro é Guerra dos Mundos 2: A Próxima Onda (2005). Uma produção de baixo orçamento, com efeitos visuais e história bastante ruins. Nesse filme os tripods são diferentes e se parecem mais com aranhas. O outro filme é uma animação bastante interessante, chamada Guerra dos Mundos: Goliath (2012). Essa adaptação mostra uma nova invasão em 1914, portanto, alguns anos depois da história de H. G. Wells. O filme mostra que os humanos usaram a tecnologia deixada pelos marcianos depois que todos eles morreram. A Terra está na iminência de uma guerra mundial e um grupo de militares busca se preparar para uma nova invasão dos marcianos. Essa obra tem três aspectos interessantes: tem elementos de um dos subgêneros da ficção científica, o steampunk2 busca trazer uma visão do que aconteceu depois que os marcianos morreram e deixaram as suas naves; finalmente, e sob esse último aspecto, traz um debate interessante sobre o uso da tecnologia para o bem ou para o mal da humanidade, algo que sempre preocupou H. G. Wells. Os dois filmes estão disponíveis gratuitamente no Youtube.
A série de televisão V (1983-1985) contou a história de uma invasão alienígena na Terra, que foi vista por muitos como uma espécie de continuação espiritual de A Guerra dos Mundos. Houve outra série de TV, entre 1988 e 1990, que buscou ser uma continuação do filme de 1953 O programa de rádio que foi uma adaptação de A Guerra dos Mundos e teve a direção de Orson Welles, em 1938, também foi adaptado para a televisão em várias ocasiões, ajudando a manter a história viva e relevante.
Além disso, A Guerra dos Mundos também influenciou o gênero de horror, especialmente com a popularização do conceito de invasões alienígenas. Muitos filmes de terror apresentaram ideias semelhantes às apresentadas por Wells em sua obra, como o filme Invasão dos Discos Voadores (1956). No caso de Invasores de Corpos (1956) há ideias semelhantes às apresentadas por Wells em sua obra, como a invasão de um planeta por uma espécie alienígena que assume a forma dos seres humanos. O filme também é conhecido por explorar temas políticos e sociais, outro aspecto presente em A Guerra dos Mundos.
A Guerra dos Mundos também influenciou a cultura popular de outras formas. A banda britânica Jeff Wayne lançou um álbum conceitual intitulado War of the Worlds em 1978, que contou a história em formato de música. O álbum foi um sucesso comercial e ajudou a popularizar a história entre os fãs de rock.
No entanto, apesar de seu impacto duradouro, A Guerra dos Mundos também foi criticado por alguns. Alguns críticos acreditam que a história é muito simplista e se concentra demais na ação e na aventura, em detrimento dos personagens e da trama. Além disso, alguns argumentam que a história é muito sombria e pessimista, retratando uma visão muito negativa do futuro da humanidade. Independentemente das críticas, A Guerra dos Mundos continua sendo uma das obras mais importantes e influentes da ficção científica.
CONCLUSÃO
O romance de H. G. Wells também influenciou a ficção científica moderna com a popularização do conceito de invasões alienígenas e de outras formas de contato com outras espécies. Também influenciou a cultura popular em geral, inspirando uma série de imagens icônicas, como os tripods (as máquinas de guerra marcianas) e as descrições dos marcianos. Da mesma forma foi importante por sua abordagem da ciência e da tecnologia, que foi revolucionária na época em que foi escrita. Wells não apenas apresentou uma visão futurista da tecnologia e do progresso científico, mas também explorou as implicações dessas inovações para a sociedade humana.
A abordagem política e social de A Guerra dos Mundos é não apenas inovadora como fundamental para tornar a obra uma referência do gênero ficção científica. A obra foi escrita em uma época de grandes mudanças sociais e políticas, com o crescimento do imperialismo e do nacionalismo em todo o mundo. Wells explorou essas questões em sua obra, apresentando uma visão crítica do imperialismo e da guerra.
A Guerra dos Mundos também ajudou a estabelecer a ficção científica como um gênero literário respeitado e sério, e se constituir em elemento inspirador para muitos dos temas e conceitos que ainda são fundamentais para o gênero hoje. Também ajudou a usar o gênero como uma forma de explorar questões filosóficas e políticas mais profundas.
A Guerra dos Mundos ainda é relevante e influente hoje, mais de um século depois de ter sido escrita. A obra continua a inspirar novas gerações de escritores e artistas, e continua a desafiar a maneira como pensamos sobre a ciência, a tecnologia e a nossa relação com o universo. É uma prova do poder da ficção científica para explorar questões filosóficas e políticas mais profundas, e desafiar a maneira como pensamos a vida em sociedade.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.