“O Predador: a caçada” salvando a franquia
A franquia de O Predador teve mais um capítulo em 2022. Depois do filme de 2018, que não caiu no agrado do público, esse filme passou a ser visto como mais um para afundar a franquia ou para salvá-la.
Paulo Bocca Nunes
Depois da estreia em 1987, a franquia de O Predador derrapou em alguns filmes, e especialmente o último podemos afirmar que foi um desastre. Dessa vez, ainda com alguns receios, a expectativa parece ter sido recompensada com um filme à altura do primeiro. A princípio houve um estranhamento pelo fato de ser uma mulher jovem a protagonista que vai enfrentar o alienígena caçador de cabeças. Depois veio a confirmação de que a história se passaria em meio a uma tribo indígena dos Comanche, nas planícies norte-americanas. O que poderia se esperar disso?
À medida que o filme vai contando a história, vemos a personagem principal, Naru (Amber Midthunder), uma jovem que está sendo preparada para conhecer tudo sobre as ervas medicinais que servirão para curar as doenças e ferimentos de seu povo. Porém, o que ela quer mesmo é ser como o seu irmão mais velho: um caçador. Ao longo do filme, ela vai fazer de tudo para, não apenas provar que pode ser uma caçadora tão competente quanto seu irmão ou qualquer outro da tribo, como também salvar a sua tribo de um inimigo desconhecido e totalmente diferente de tudo o que conhecia até então.
O primeiro ato do filme é usado para apresentar tudo o que diz respeito à personagem Naru e tornar verossímil tudo o que vai ser mostrado até o final. Nele vamos conhecendo aos poucos a sua rotina na tribo e a sua insatisfação em fazer o que lhe é determinado. Enquanto todas as mulheres fazem as suas tarefas diárias, os homens saem para caçar. Naru observa as mulheres e depois vê os homens se afastarem com suas armas de caça. Em uma tomada de cena muito significativa, ela caminha decidida em sentido contrário de outras mulheres, que vão fazer as suas tarefas, e ela vai na mesma direção que os homens.
O diálogo entre mãe e filha também é muito importante, pois podemos entender que Naru não se sente atraída para uma função que não quer e, por outro lado, quer colocar em prática um talento que ela sabe ter e desenvolveu de forma bastante eficiente: seguir rastros. Dominar essa técnica é essencial e decisiva para um caçador. Inclusive, em determinada sequência do filme, o irmão de Naru, Taabe (Dakota Beavers), reconhece que Naru é excelente rastreadora, o que incomoda os seus companheiros caçadores.
Outros aspectos também são muito importantes para a constituição e formação verossímil de Naru. Um deles é a sua determinação para enfrentar os homens da tribo que vêem nela apenas uma mulher que deveria ficar na aldeia cuidando dos afazeres que toda mulher comanche faz. Em determinado momento, quando o conflito entre ela e os homens aumenta, há um enfrentamento corpo a corpo e Naru mostra que tem valor lutando mesmo contra homens, que aparentam ser mais fortes que ela. Naru mostra agilidade não apenas na luta como também no manuseio de armas.
Sobre esse último aspecto, em certo momento Naru vê a necessidade de mudar um pouco a sua forma de usar o machado que ganhara de seu pai. Vemos como ela treina e se especializa em um manuseio totalmente diferente de outros que também usam do machado. Especialmente essa arma será uma das mais decisivas no final do filme.
Em muitos momentos Naru mostrou a utilidade de conhecer a função das ervas e como elas poderiam ser úteis de outras formas, que não apenas para curar feridas. E isso graças a sua capacidade de aprender com a observação.
Ainda no primeiro ato, conhecemos o grande companheiro de Naru: uma cachorrinha chamada Sarii. Se a participação do animal não foi maior, isso se deve ao fato de não terem sido feitas muitas cenas por causa do temperamento bastante agitado de Coco, o nome verdadeiro da cachorrinha. Também é importante ressaltar como é mostrada a grande sintonia entre Naru e Sarii, algo que será de muita importância no final.
Tudo o que acontece dali para frente está dentro do que foi mostrado no começo. Se o filme começasse mostrando Naru como frágil e sem habilidades, ou mesmo não tendo capacidade de aprender com a observação, na luta final entre os dois certamente nada seria crível e verossímil se Naru sobrevivesse e ainda derrotasse o alienígena. Principalmente pelo fato de esse estar usando armas que não havia na época, ou seja, eram armas que apenas uma civilização muito evoluída poderia usar.
Outro aspecto importante diz respeito ao fato de que em nenhum momento do filme a história foi conduzida para o campo do mitológico ou da lenda. Naru relata que viu uma criatura e faz uma comparação com um dos seres mitológicos da sua tribo, mas apenas para servir de ilustração e não mais que isso. Taabe acusou Naru de estar influenciada por histórias contadas por mulheres para as crianças, mas Naru rebate e insiste na sua versão. O seu irmão Tudo foi conduzido dentro do mundo físico da narrativa. Naru não se mostrou com medo de estar enfrentando uma criatura maligna saída dos contos ao redor da fogueira. Tudo ela via com olhos racionais e tudo era usado para aprender o que era aquela criatura e como fazer para derrotá-la e evitar que seu povo sofresse e morresse.
Outro aspecto fundamental para a constituição da personagem Naru é o seu conhecimento da região em que vive, fator importante para a sobrevivência. Cada detalhe do solo, das plantas, do rio ou das árvores levaria ao fracasso ou ao sucesso da caçada, ou ainda à morte ou sobrevivência. Isso fica claro no momento em que Naru encontra um urso e ela consegue escapar ao se refugiar em uma toca de castor. Bem verdade que seu companheiro Sarii ajudou Naru a desviar a atenção do urso, mas ela precisava saber como entrar na toca do castor para se salvar da fera.
A escolha pelo povo comanche não foi totalmente descabida. Ao longo da história norte-americana, os índios das planícies eram conhecidos por serem muito aguerridos e um dos povos mais temidos pelos colonos que avançavam para o Oeste. Conhecidos como caçadores de bisonte americano, era preciso ter coragem e determinação para abater animais que poderiam pesar até uma tonelada. Se a única forma era lutar para sobreviver, era preciso encontrar uma forma de vencer o que aparentemente é mais forte fisicamente. Para isso, é preciso usar a tática do caçador: observar a presa, conhecer os seus hábitos e as suas formas de defesa para assim encontrar uma forma de vencer esses obstáculos e obter êxito. Foi assim que Naru conseguiu vencer a criatura. Não foi no confronto direto, algo impensável, mas pela observação e pelo ardil.
Naru entendeu que estava enfrentando algo que nenhum dos guerreiros de sua tribo poderiam enfrentar, pois suas armas não eram suficientes. Contra armas desconhecidas, arcos, flechas, facas e lanças não seriam letais da forma como ela estava acostumada a usar. Nem mesmo a pistola que recebeu de um guia de caçadores franceses que invadiram as terras comanches para caçar búfalos. Para vencer a criatura, portanto, não adiantaria colocar frente a frente cada um as suas armas. Mais uma vez, a inteligência deveria ser usada para compensar essa imensa diferença. Uma das observações de Naru: o ser tinha algo parecido com sangue. Era de cor verde, mas poderia ser sangue. Se fosse sangue, mais comprovada a ideia de que não se tratava de uma ser irreal ou alguma entidade espiritual maligna. Portanto, poderia ser derrotada e eliminada.
Se não fossem essas habilidades que somente uma exímia caçadora poderia desenvolver, certamente não seria possível Naru vencer os obstáculos, as dificuldades e a superioridade de força e poder da criatura. Todas as habilidades foram demonstradas e apresentadas no primeiro ato do filme. Tudo o que veio depois, principalmente no final, passou a ser crível e até mesmo verossímil. Bem verdade que houve bastante ficção quanto à heroína da história, mas se no começo fomos apresentados à personagem da forma como analisamos acima, fica mais fácil de aceitarmos a ficção apresentada.
Houve muitos easter eggs no filme. O mais importante foi a pistola no final com a inscrição de um nome e uma data. Esse detalhe remete diretamente para o segundo filme da franquia. Além disso, nos créditos finais, percebemos que algumas espaçonaves alienígenas estão se aproximando de uma aldeia indígena, o que pode ser um indício de uma continuação envolvendo Naru.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.