O Troll da Montanha não é conto de fadas.
Um dos sucessos da Netflix em 2022 é um filme de monstro, mas que pertence aos contos de fadas.
Paulo Bocca Nunes
O Troll da Montanha é uma produção norueguesa com roteiro de de Roar Uthaug e Espen Aukan, e direção de Roar Uthaug. A história bebe na fonte das tradições ancestrais dos antigos povos da Noruega. Há referências sobre como a cristianização influenciou a cultura local e traz efeitos sobre a contemporaneidade.
Nos primeiros momentos do filme, Tobias Tidemann sobre uma montanha com sua filha adolescente, Nora. Ao atingirem o topo, o velho pai mostra à filha o magnífico cenário das montanhas e a lembra das antigas lendas sobre os Trolls, criaturas das montanhas, cuja origem remonta aos tempos dos vikings. Essas histórias antigas se constituem em narrativas fundadoras do povo local, mas que foram se perdendo com o passar do tempo. O que Tobias deixa claro é que ainda há tempo de reconquistar os antigos valores culturais. Uma das coisas que ele busca mostrar é que não se precisa ver para acreditar, mas basta apenas isso: acreditar.
Ainda no primeiro ato, a história dá um salto de vinte anos e encontramos Nora já adulta e trabalhando como arqueóloga. Por causa de um acidente causado por uma explosão incomum em uma obra de abertura de estrada pelas montanhas de Dovre, faz com que a montanha desmorone e surge uma criatura gigantesca desconhecida pelos seres humanos. Ela passa a circular pelos arredores, destruindo o que tem pela frente e não deixando nenhuma pista. O governo norueguês, através de sua primeira ministra, entra em contato com Nora para auxiliar nas investigações.
Numa tentativa de eliminar a criatura, a segurança nacional descobre que o Troll está se dirigindo para Oslo. Nora, com o auxílio do capitão Kristoffer e do secretário da primeira ministra, Andreas Isaksen, investigam o que acordou a criatura e o que ela busca em Oslo. Mais uma vez, são trazidos elementos da história do país, da influência da cristianização, da colonização e das mudanças que foram impostas à cultura e causou o quase desaparecimento dos Trolls. Em uma cena, o Troll localiza uma pessoa pelo simples fato de ela estar com um rosário e rezando. Isso se constitui em uma (não muito) sutil crítica à própria igreja.
Há alguns problemas ao longo do filme, porém há pontos positivos e interessantes nessa produção. Em primeiro lugar, a temática para tratar sobre as interferências externas nos aspectos culturais de determinada região. Outra é a fotografia que valoriza muito a topografia norueguesa. As cenas e as sequências nas montanhas, tanto em plano fechado quanto em panorâmica, são de tirar o fôlego e encher os olhos. Constitui-se em algo não muito comum, pois só encontramos cenas assim em filmes de época, ou que estejam ambientadas em um espaço temporal antigo.
Algo que foi bem destacado sobe essa questão da natureza e as pessoas, foi o fato de a personagem Nora conhecer tão bem a região em que nasceu e se criou, que os aromas e os cheiros são inconfundíveis e até mesmo reveladores. Esse aspecto vivo e presente na personagem a ajudou a desvendar a primeira parte do mistério que envolve o troll. Também é uma forma de mostrar que a sintonia entre os humanos e a natureza se constitiu fortemente numa questão cultural e não se restringe apenas em se adaptar para sobreviver.
Roteiro e direção conduziram a história até o seu terceiro ato de forma bastante eficiente, bebendo em alguns aspectos na fonte hollywoodiana. As sequências de ação foram bem dosadas para gerar suspense em ritmo adequado. A forma como se incluiu os aspectos culturais na trama foram muito interessantes, sem necessariamente haver um discurso ideológico panfletário. No entanto, se à medida que a história transcorria de modo bastante eficiente, o final foi um tanto fraco. A solução que deveria resolver a existência ou não do Troll foi fraca. Talvez por ser um pouco com doçura de conto de fadas, algo que destoa de uma produção adulta e de gênero “filme de monstro”, como Godzilla e King Kong.
Talvez o roteiro tenha sido um pouco inconsistente em certo momento. Se uma pessoa que trabalha no sistema de segurança nacional da Noruega é pega em flagrante raqueando o sistema, certamente iria receber voz de prisão na hora. No entanto, ela fica na mesma sala para dar um soco em um dos altos funcionários do governo norueguês que dá uma de vilãozinho da história.
Os efeitos especiais para dar vida à criatura, bem como toda a destruição causada por ela, foram muito bons. O Troll ganhava vida à noite e durante o dia se tornava parte integrante das rochas nas montanhas e essas mudanças e transformações, com uma criatura de mais de cinquenta metros, foram não apenas convincentes como um tanto assustadoras. Estamos acostumados a ver filmes de duendes, fadas, bruxas e elfos, ao contrário de um troll. Só por esse fato já vale a pena assistir ao filme.
Um aspecto interessante é que não se buscou dar à criatura uma vestimenta de monstro e de maldade. Em uma cena bastante tensa, o troll salva uma criança, o que nos mostra que ele tem algo que chamamos de “coração bom”. Exatamente por isso, as críticas sociais e históricas são contundentes, mesmo que não agressivas.
O elenco é bom e eficiente, apesar de alguns escorregões, como o militar bonitão e durão que se faz de difícil para a mocinha bonita. O auxiliar da mocinha, bastante desajeitado, mas capaz de surpreender nos momentos decisivos. A mocinha inteligente e perceptiva para desvendar o mistério da existência do Troll e de como ela decifra os antigos cadernos de anotação de seu pai.
O filme é bom e vale a pena assistir à uma hora e quarenta minutos de duração. Há cenas pós-créditos que sugerem a possibilidade de uma continuação. Acredita-se que possa haver, pois desde o seu lançamento no final de 2022, a produção alcançou uma dos primeiros lugares de acesso à plataforma da Netflix.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.