Os três universos de Asimov
O escritor estadunidense, Isaac Asimov, criou um universo complexo e multifacetado em suas obras de ficção científica. A relevância de suas obras que falam de robôs, um império galáctico e a humanidade em expansão pela galáxia e todas as suas crises existenciais, fizeram com que as obras fossem divididas em três grandes universos.
Paulo Bocca Nunes
Isaac Asimov é um dos autores mais influentes da ficção científica, e sua genialidade criativa brilha em três universos interligados: a série da Fundação, dos robôs e do Império Galáctico. Ao longo de sua carreira, Asimov construiu uma narrativa intricada e visionária, explorando temas profundos e complexos que continuam a ressoar na literatura e na cultura pop até os dias de hoje.
Vamos conhecer nesse artigo quais são os três universos criados por Asimov e como ele os interligou de modo a criar uma obra coesa e reconhecível pelo seu estilo.
OS TRÊS UNIVERSOS DE ASIMOV
A série da Fundação é um marco na ficção científica, composta por sete livros que mergulham no declínio e na ascensão de civilizações em uma galáxia vasta e complexa. A saga começa com o livro “Fundação“, publicado em 1951, onde o matemático Hari Seldon prevê a queda iminente do Império Galáctico e estabelece a Fundação, uma instituição dedicada a preservar o conhecimento humano e a guiar a civilização durante a era do caos que se seguirá. À medida que a trama se desenrola, os leitores testemunham os desafios enfrentados pela Fundação ao longo dos séculos, em seu esforço para evitar o colapso total da civilização.
Por sua vez na série do Império Galáctico, Asimov aborda temas como política, poder e governança. Ele examina as estruturas de poder e suas consequências, revelando as complexidades das relações sociais e políticas em uma escala galáctica. Por meio de personagens carismáticos e intrigantes, Asimov oferece uma crítica perspicaz sobre os perigos da concentração de poder e a importância da responsabilidade e do equilíbrio na administração de uma civilização. A série é composta por três livros e começa por “827 Era Galáctica” (1950).
Finalmente a série dos Robôs é composta por uma série de romances e coletâneas de contos que foram inicialmente publicados nas revistas pulp fiction. O primeiro livro da série Robôs foi a coletânea “I, Robot” (1950). Nesse livro, Asimov reuniu os primeiros contos sobre robôs e o primeiro foi também o primeiro conto publicado em uma das muitas revistas. O conto tem o título de Robbie e a história gira em torno de um robô doméstico que é a companhia de uma menina. Esse robô é anterior a todos os robôs positrônicos que Asimov criou nas suas histórias.
COMO ASIMOV INTERLIGOU OS TRÊS UNIVERSOS
Asimov interligou de forma magistral a série da “Fundação” com o universo dos robôs em obras como “As Cavernas de Aço” (1954) e “Os Robôs” (1956) e “Os Robôs do Amanhecer” (1983). Esses livros apresentam o robô humanoide R. Daneel Olivaw como protagonista, que investiga crimes e conspirações em um cenário político complexo. Essa interconexão permite explorar temas como a relação entre humanos e robôs, ética da inteligência artificial e as implicações sociais e morais do progresso tecnológico.
Mais tarde, na série da “Fundação”, encontraremos um personagem enigmático chamado de Eto Demerzel, um robô super-desenvolvido que nada mais é que Daneel Olivaw. Demerzel é fiel ao império galáctico e ao imperador. Porém, ele faz uso de sua elevada evolução do cérebro positrônico e da sua longa existência para interferir nas decisões do Império.
O personagem ressurge ao final da saga da Fundação novamente como Daneel Olivaw. Dessa vez, são dadas respostas para a criação da psicohistória, criada por Hari Seldon e o destino do planeta Terra. Tudo isso se passa milhares de anos no futuro. Portanto, Asimov apresenta ao leitor a sua perspectiva visionária de toda a humanidade: expandindo-se pela galáxia, mas a um alto preço pela existência do planeta de origem.
A série dos robôs, que inclui o livro “Eu, Robô” (1950), uma coleção de contos que introduziu as famosas “Leis da Robótica”, enriquece ainda mais o universo compartilhado, ampliando os horizontes da narrativa e explorando as implicações da presença dos robôs na sociedade humana. Essas três leis são muito importantes ao longo de todas as obras. Veremos que Demerzel e Giskard, outro robô com capacidades de ler os pensamentos, introduzem uma quarta lei, a chamada Lei Zero.
Outra personagem importante nessa série é a psicóloga robótica, Susan Calvin. Ela será importante no desenvolvimento dos robôs comuns para os positrônicos e nas questões que envolvem a interpretação das três leis da robótica. Sua influência é tão importante que, mesmo toda a obra interligada se desenvolvendo ao longo de milhares de anos, as Três Leis perduram, fazem sentido, são importantes e quase perfeitas.
No universo dos robôs, Asimov examina a interação entre humanos e máquinas inteligentes. Por meio das Leis da Robótica, ele nos desafia a considerar os limites éticos da criação e do uso de inteligência artificial. As histórias exploram dilemas morais envolvendo robôs e levantam questões sobre a responsabilidade dos criadores em relação às suas criações. Asimov nos instiga a refletir sobre nossa própria relação com a tecnologia e as implicações de sua integração cada vez maior em nossas vidas.
Além disso, Asimov expandiu o universo da Fundação, fornecendo uma perspectiva histórica em “Prelúdio à Fundação” (1988) e “Origens da Fundação” (1993). Essas prequelas revelam eventos anteriores à criação da Fundação, explorando a vida do matemático Hari Seldon e os primórdios do plano de Seldon para guiar o futuro da galáxia. Essas obras oferecem uma visão mais profunda sobre os fundamentos da saga da Fundação, adicionando camadas de complexidade e contexto à narrativa já estabelecida.
Os romances inseridos na série do Império Galáctico são um prenúncio daquilo que Seldom acusou em “Fundação“. Em “827 Era Galáctica”, por exemplo, vemos um império se consolidando, organizando os seus domínios e onde a Terra, centro da dispersão humana, não é reconhecida por outros planetas da galáxia, por ser radioativa e ser considerada um planeta com um povo primitivo. A Terra não é mencionada na primeira trilogia da “Fundação”, mas fala-se em lendas de origem da humanidade. Somente nos últimos livros da série “Fundação” é que a Terra voltará a ser o centro das atenções narrativas.
Asimov nos apresenta a sua visão sobre os maus usos da energia atômica e as consequências desastrosas com relação a uma guerra nuclear ou sofrendo com a superpopulação da Terra. Isso ficou claro em várias obras como 827 Era Galáctica e As cavernas de aço. Nesses romances, como em outros, Asimov apresenta a sociedade humana em meio a uma alta evolução tecnológica, mas sofrendo ainda assim com ela. Em As cavernas de aço, a história se passa em torno de três mil anos no futuro, as pessoas aproveitam os avanços científicos, porém sofrem com a superpopulação e as cidades são construídas debaixo de redomas. Isso faz com que todos sofram de agorafobia, algo que foi retomado na descrição do planeta Trantor, capital do Império Galáctico, na obra Fundação. Lembrando que os eventos dessa obra literária ocorrem milhares de anos no futuro. Portanto, percebe-se pelos títulos das obras que Asimov interligou obras dos seus três universos.
A habilidade de Asimov em interligar esses universos reside em sua maestria literária. Seus enredos são meticulosamente construídos, com personagens cativantes e complexos que habitam um universo coeso e rico em detalhes. Asimov demonstra uma compreensão profunda das questões sociais, políticas e científicas, oferecendo uma visão ampla do futuro e levantando questões éticas e morais que ecoam em nossa própria sociedade. Através de seus escritos, ele explora o impacto da tecnologia, a natureza da humanidade, a dinâmica do poder e os desafios que enfrentamos ao longo do tempo e do espaço.
OS UNIVERSOS INTERLIGADOS NA CULTURA POP
A influência de Isaac Asimov na literatura e na cultura pop é imensurável. Suas obras transcenderam o gênero da ficção científica e se tornaram referências clássicas e atemporais. Sua abordagem equilibrada entre ciência, filosofia e narrativa envolvente cativou uma legião de fãs e inspirou inúmeros autores e cineastas. Os conceitos introduzidos por Asimov, como as Leis da Robótica, influenciaram diretamente a concepção e a representação de inteligência artificial na cultura popular, deixando uma marca indelével na ficção científica como um todo.
No contexto da cultura pop, Asimov e suas obras têm sido referências constantes. Personagens como o robô R. Daneel Olivaw e suas leis éticas tornaram-se arquétipos amplamente reconhecidos, e muitos outros autores e cineastas se inspiraram em suas criações. A influência de Asimov pode ser vista em obras como “Blade Runner” de Ridley Scott, que explora a relação entre humanos e replicantes, e em diversos outros filmes, séries e jogos que abordam temas relacionados à inteligência artificial e ao futuro da humanidade.
Se analisarmos Star Wars sob uma perspectiva inspirada no conjunto da obra de Asimov, perceberemos que na ópera espacial de George Lucas há um império galáctico e pessoas que convivem com robôs e andróides. Os robôs R2D2 e C3PO possuem uma programação que quase chega a humanizá-los.
A série da Fundação, em particular, chamou a atenção em 2020, com a adaptação televisiva produzida pela Apple TV+. A série trouxe à vida o universo criado por Asimov, apresentando aos espectadores a riqueza e a complexidade da narrativa. Isso levou uma nova geração a se familiarizar com o trabalho de Asimov, ampliando ainda mais seu alcance e influência.
CONCLUSÃO
A importância dessas obras vai além do entretenimento. Elas nos convidam a refletir sobre questões fundamentais que afetam nossa sociedade contemporânea, como o avanço tecnológico, a ética da inteligência artificial, a política e o poder. Asimov nos desafia a considerar as implicações dessas questões em nossa própria existência, levantando dilemas morais e éticos que ainda são relevantes hoje.
A influência de Asimov se estende para além da literatura. Suas obras têm sido adaptadas para o cinema e a televisão, alcançando um público ainda maior. A série da Fundação, por exemplo, está alcançando uma nova geração de fãs através de sua adaptação para a tela, proporcionando uma experiência visual e imersiva desse universo complexo e fascinante.
Além disso, Asimov inspirou gerações de escritores, cientistas e pensadores com sua abordagem interdisciplinar e sua visão otimista do futuro. Suas ideias visionárias e seu estilo de escrita acessível abriram portas para novas possibilidades e estimularam a imaginação de inúmeros artistas e cientistas.
Portanto, a série da Fundação, a saga dos robôs e o Império Galáctico são testemunhos brilhantes da imaginação e da genialidade de Isaac Asimov. Sua habilidade em conectar esses universos, sua maestria literária e sua capacidade de explorar questões profundas e atemporais fazem dele um dos escritores mais influentes e respeitados da ficção científica. Seu legado continua a inspirar e cativar leitores de todas as idades, nos convidando a explorar o futuro, especular os rumos da ciência, a refletir sobre nossas escolhas e a questionar os limites da ciência e da humanidade.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.