The Titan: Ficção Científica Esvaziada
A Terra já não é um lugar seguro. O futuro pode estar fora do planeta. A lua Titan, de Saturno, é uma possibilidade. Um experimento é uma tentativa de adaptar o ser humano a um mundo novo. Mas, tanto o resultado do experimento, quanto do filme não conquistaram bons resultados.
Paulo Bocca Nunes
A ficção científica é, por natureza, um terreno fértil para experimentações ousadas. Ela permite imaginar futuros possíveis, explorar os limites da ciência e, com sorte, provocar reflexões profundas sobre o que significa ser humano. The Titan, lançado pela Netflix em 2018 e dirigido por Lennart Ruff, surge com uma premissa instigante: e se, diante do colapso da Terra, a única forma de sobrevivência humana fosse evoluir biologicamente para habitar outro mundo? No entanto, o que poderia ser um drama denso sobre transumanismo e dilemas éticos acaba se tornando uma obra rasa, visualmente estilosa, mas dramaticamente inerte.
Uma Promessa de Ficção Científica de Alto Nível
O ponto de partida de The Titan é promissor: em um futuro próximo, a superpopulação e o desastre ambiental tornaram a Terra quase inabitável. A alternativa encontrada pela OTAN é enviar um grupo de voluntários para a lua Titã, de Saturno, após modificações genéticas radicais que lhes permitiriam sobreviver em sua atmosfera hostil — e tudo isso sem o uso de equipamentos de proteção.
O Tenente Rick Janssen (Sam Worthington), um militar dedicado, é um dos escolhidos para integrar esse experimento extremo. Ao lado da esposa, Abi (Taylor Schilling), e do filho, ele se muda para uma luxuosa residência onde o projeto será conduzido. O filme então se propõe a acompanhar a jornada de Rick enquanto seu corpo e mente são transformados, levantando a expectativa de que o enredo caminhará em direção a conflitos intensos, questionamentos morais e reações humanas profundas.
Mas o que acontece é justamente o oposto.
Ciência Frágil, Conflitos Fracos
A premissa, que pede um tratamento rigoroso ou, no mínimo, coerente da ciência, é enfraquecida pela superficialidade com que os experimentos são apresentados. A crítica especializada foi unânime ao apontar o quanto o roteiro carece de verossimilhança científica. A ideia de que Titã seria o único corpo celeste com atmosfera, por exemplo, é um erro factual básico. E a transformação do corpo humano — rápida, quase mágica — ignora os fundamentos da genética, da fisiologia e até da evolução.
Os efeitos colaterais dos experimentos também carecem de peso dramático. Ao invés de gerar tensão crescente ou debates éticos entre os envolvidos, tudo parece correr “bem demais” até que, de repente, as consequências surgem de forma abrupta — mais como exigência do roteiro do que como resultado lógico da narrativa.
Estética à Frente da Substância
Um dos pontos mais destacados por críticos é a impressionante ambientação visual do filme. A casa futurista onde a família Janssen se instala é belíssima, com grandes painéis de vidro, arquitetura minimalista e paisagens paradisíacas (graças às locações em Gran Canaria). O problema é que essa estética parece assumir o protagonismo da narrativa, relegando os personagens a meros figurantes em um cenário de “propaganda de casa inteligente”. O termo irônico “Future House Porn”, cunhado por uma crítica, resume bem essa sensação de que o filme está mais interessado em ser bonito do que relevante.
E embora esse cuidado visual possa agradar os olhos, ele não sustenta por si só um enredo que carece de profundidade emocional e intelectual. O design de produção, apesar de eficaz, acaba funcionando como uma distração para as ausências narrativas.
A Esposa Silenciosa e o Conflito que Nunca Vem
Outro ponto recorrente nas críticas — e perceptível ao espectador atento — é o desperdício de personagens com potencial. A Dra. Abi, esposa de Rick, é reduzida a um papel passivo e previsível. Ela observa as mudanças do marido, sofre em silêncio e reage apenas quando tudo já está prestes a ruir. A crítica sugere, com razão, que o filme teria se beneficiado imensamente se Abi fosse parte ativa do experimento, talvez como médica do projeto. Isso abriria espaço para dilemas éticos mais sofisticados: até onde ela iria para salvar a humanidade? Ela escolheria o filho ou o marido? Em vez disso, resta-lhe gritar diante das decisões que outros tomam por ela.
A ausência de conflitos reais — éticos, emocionais ou científicos — esvazia o filme. Ao tentar conciliar uma trama de ficção científica com o drama familiar, The Titan acaba não aprofundando nenhum dos dois. Não há verdadeira tensão doméstica, nem conspiração política, nem questionamentos filosóficos. O que resta é uma sucessão de cenas que se pretendem emotivas, mas soam forçadas, porque os personagens carecem de camadas e motivações críveis.
O Clímax que Nunca Chega
Conforme a narrativa se aproxima do desfecho, espera-se um momento de impacto, algo que justifique a trajetória de transformação — seja em horror corporal, em tragédia familiar, ou em revelação científica. Mas o que se vê é um final anticlimático, que recorre a clichês do gênero sem ousadia. Há violência, sim, mas sem consequência real. Há um alerta sobre os perigos de brincar de Deus, mas sem a densidade de uma crítica à la Frankenstein. O destino do protagonista é apresentado como transcendência, mas não convence.
A transformação final de Rick em uma criatura adaptada a Titã poderia ter levantado questões fascinantes sobre identidade, humanidade e evolução. Mas tudo isso passa ao largo, substituído por imagens poéticas vazias e uma trilha sonora que tenta compensar a ausência de peso dramático.
Conclusão: A Forma sem o Conteúdo
The Titan é um exemplo claro de como uma boa ideia pode se perder em uma execução que não sabe escolher um caminho. A ficção científica exige mais do que uma boa premissa: pede desenvolvimento consistente, construção de mundo crível e personagens que nos façam sentir as consequências de escolhas difíceis.
Ao optar por uma abordagem superficial, o filme frustra não apenas os fãs do gênero, mas qualquer espectador em busca de uma história envolvente. Fica a sensação de que The Titan poderia ter sido algo grande — mas optou por ser apenas bonito.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.
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