Wandinha: produto de consumo fácil e divertido
Baseado nos quadrinhos de Charles Chas Addams, nas séries de TV e dos diversos filmes, a Netflix trouxe no final de 2022 uma espécie de spin off de Wandinha, a filha mais velha da família Addams.
Paulo Bocca Nunes
A FAMÍLIA ADDAMS.
A Família Addams é uma família fictícia que traz um irônico e mórbido. Se constitui em uma sátira da família norte-americana ideal. A criação é de Charles Addams e originou-se em tiras de quadrinhos nos anos 1930. O sucesso levou a família Addams para outras mídias como o teatro, cinema e séries de TV, tanto em live action quanto em animação.
A Família Addams é rica e tem hábitos muito estranhos, que levam a maioria das situações para o macabro e o sobrenatural. Apesar de as outras pessoas acharem os membros dos Addams muito estranhos, bizarros e assustadores, os próprios Addams não se importam nem se preocupam com isso.
A SÉRIE WANDINHA
A série explora a personagem Wandinha, filha mais velha da Família Addams. Depois de ser expulsa de mais uma escola, ela é matriculada na Academia Nevermore, uma escola para alunos “diferentes”. Na verdade, são jovens com habilidades especiais ou poderes sobrenaturais ou paranormais, que não são bem vistos pelos moradores da cidade vizinha de Jericho, que os toleram por causa dos recursos financeiros que a escola gera para o município.
Os pais de Wandinha acreditam que a jovem terá pessoas mais parecidas com ela, mas, enquanto Wandinha tenta dominar suas habilidades psíquicas, ela investiga uma monstruosa onda de assassinatos que aterrorizam a cidade e tenta resolver o mistério sobrenatural que envolveu seus pais, que estudaram na mesma escola, 25 anos antes. Além disso, por ser uma adolescente, ela precisa aprender a lidar com relacionamentos que envolvem dois garotos, um de Nevermore e outro que é filho do xerife e trabalha em um café.
Já no primeiro episódio encontramos uma Wandinha adolescente que precisa seguir as vontades dos seus pais, mas luta contra os seus projetos de futuro para a filha. Usando de um tom sarcástico e sombrio, a jovem deixa bem claro que fará de tudo para desaparecer da vida de seus pais e que qualquer tentativa de impedi-la estará destinada ao fracasso.
Ao chegar a Nevermore, Wandinha conhece a diretora Larissa Weems (Gwendoline Christie), que é velha conhecida de sua mãe, pois estudaram juntas na mesma escola. A garota foi encaminhada para uma psicóloga na tentativa de controlar o seu lado rebelde e, assim, poder controlar as suas habilidades e dons sobrenaturais. À medida que o tempo passa, e Wanda conhece os seus colegas de escola, ela vai conquistando não apenas desafetos como também admiradores. Claro que são rapazes adolescentes. Um deles, Tyler Galpin (Hunter Doohan), filho do xerife, que busca prender o pai de Wandinha, Gomez Addams (Luis Guzmán), por conta de um suposto assassinato anos antes.
Também no primeiro episódio passamos a acompanhar uma série de misteriosos e macabros assassinatos que ocorrem nas proximidades de uma floresta entre a cidade e a Nevermore. Para evitar complicações com a academia, da qual ele desconfia, o xerife Donovan (Jamie McShane) diz que se trata de um urso que ataca as pessoas que se aventuram pela floresta.
Wandinha tenta fugir de Nevermore, mas depois que ela sofre dois atentados e passar a serem mais frequentes o seu dom de ter visões relacionadas a algo no futuro, e ainda constatar outros mistérios que acontecem na Academia, ela decide permanecer e fazer investigações por conta própria e na tentativa de ter a ajuda do xerife Donovan. À medida que avança nas investigações, ela descobre coisas do passado de seus pais que podem estar relacionados com os acontecimentos.
A série é uma criação dos produtores e roteiristas Alfred Gough e Miles Millar traz, com a direção de Tim Burton. A personagem que dá título à série é interpretada por Jenna Ortega.
UMA ANÁLISE
A personagem Wandinha é um dos ícones da cultura pop desde o seu surgimento. Por conta disso, a expectativa para a série foi muito grande. A trama, desde o primeiro episódio, prende o espectador. Não pelo conteúdo inovador, mas porque há um clima de mistério, tanto em Nevermore quanto em Jericho, que vão levar ao desenrolar de situações a serem resolvidas e tiveram início com a história de fundação do lugar.
Os problemas remontam desde o século XVIII, quando surgiram os Peregrinos, grupo de fanáticos religiosos que perseguiram pessoas que eram acusadas de irem contra a religião cristã e geralmente acusadas de bruxaria.
A série apresenta situações comuns de adolescentes: crise de identidade, descobertas, conflitos e disputas pessoais com outros jovens, além de dificuldades em relacionamentos amorosos. Mesmo em se tratando de personagens dotados de poderes sobrenaturais e psíquicos, a série não mostra nenhuma novidade. A personagem Wandinha chama a atenção de um jovem de Jericho, que, ao contrário dos outros moradores, não tem medo dela. Nem mesmo esse arremedo de relacionamento não se constitui em uma novidade. Mesmo assim, se torna interessante pelo fato de Wandinha ser extremamente sombria e fechada em seus sentimentos.
A interpretação de Jenna Ortega é para receber muitos elogios. A criação da personagem parece ter passado por uma oficina de preparação bastante complexa. A sua aparência é sombria, mas tem detalhes muito importantes que fazem a personagem ser uma incógnita. Wandinha usa tranças que parecem cordas em torno de seu pescoço. As tomadas de câmera que buscam o seu rosto mostram detalhes interessantes: ela não pisca quando faz contato visual com quem está falando. Nesse ponto, quase sempre é uma tomada frontal e de plano fechado, como se ela estivesse falando também para o espectador.
Outro detalhe é a sua boca. Nos planos fechados de seu rosto, a tomada é feita de cima para baixo e seus olhos se viram para cima. Dessa forma, mesmo que muitas vezes a personagem fale coisas sórdidas, sua boca parece que apresenta a forma de um coração, o que destoaria da personalidade da personagem. Em um diálogo com a colega de quarto, Enid Sinclair (Emma Myers), Wandinha explica o porquê de nunca chorar e a sua transformação no que ela é naquele momento.
Os personagens secundários parecem que estão ali apenas para empurrar a história da personagem principal até o fim, sem terem uma profundidade adequada. A participação de cada um, no entanto, valoriza o próprio desenvolvimento não apenas da história como também da evolução da personagem Wandinha. Nesse ponto é preciso destacar a participação do Mãozinha. Mesmo não tendo um rosto, a forma como ela reagia a tudo o que Wandinha falava para ela, mostrava claramente o que estava sentindo em cada momento.
O roteiro apresenta vários núcleos que trazem conflitos que devem ser resolvidos pela personagem. A relação com a sua família é a principal e com a descoberta de um segredo de seus pais, a situação fica mais complicada. Os outros núcleos dizem respeito a uma possível descoberta do amor por um rapaz, a amizade com sua colega de quarto e de um garoto, Eugene Otinger (Moosa Mostafa), admirador de abelhas. Finalmente, a forma como se relacionar com outras pessoas, no caso os seus colegas de escola que, por serem considerados “diferentes” como ela, fazem insinuações hostis contra ela. Além disso, tanto a garota quanto seus colegas de Nevermore precisam encarar o preconceito e a hostilidade dos moradores de Jericho.
Há um aspecto em Wandinha que passa a impressão de que ela engaja a ideia de ser uma anti-heroína. Ela domina vários tipos de armas (espada, arco e flecha, por exemplo) bem como domina artes marciais e é capaz de dar conta de vários oponentes, mesmo sendo garotos maiores e aparentemente mais fortes que ela. Inclusive, isso aparece quando ela aparece tocando violoncelo e toda a escola se encanta pela música.
Há vários easter eggs nos episódios. Talvez o mais interessante e claro seja a cena da dança de Wandinha na festa dos alunos de Nevermore. Em um dos episódios da série de 1960, a pequena coloca uma música dos Ramones e começa a dançar e incentiva o mordomo da família, que está a sua frente, para dançar também. Outro encontrado são os dois estalos que Wandinha usa para abrir uma passagem secreta, depois de desvendar um enigma, e remete aos dois estalos conhecidos das antigas séries de TV.
A trama, um pouco complexa para apenas oito episódios, é bem amarrada e se desenvolve de forma dinâmica. Os conflitos são bem desenvolvidos, mesmo sem muita profundidade. Os mistérios que vão surgindo e se somando à trama prendem o espectador até o final, de modo que maratonar essa série não é difícil.
Há uma diversidade muito grande na série que traz consigo uma série de temas importantes, que não são desenvolvidos e foi esse aspecto que trouxe muitas críticas. A direção de Tim Burton é precisa, a fotografia e as locações são ótimas, os efeitos especiais são competentes. A trilha musical encaixa perfeitamente com a proposta da série e da personagem. Apesar disso, a série não é unanimidade de crítica, no entanto, é muito boa quando se busca entretenimento.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.