Filmes sobre viagem no tempo são comuns no gênero ficção científica. No entanto, nem todos os filmes mantêm uma consistência em seu roteiro para torná-lo coerente, mesmo que o pano de fundo seja interessante.
Paulo Bocca Nunes
Os roteiristas Gregory Weidman e Geoff Tock e o diretor Jim Mickle trouxeram uma proposta interessante para Sombra Lunar, produção norte-americana de 2019 do gênero suspense e ficção científica com viagem no tempo. No entanto, o filme não apresenta uma reviravolta admirável, que deixe o espectador surpreso e ansioso para saber quais serão os desmembramentos dos fatos mostrados.
A história começa com uma cena panorâmica de uma sala que pode ser um escritório. Tudo desarrumado, janelas com vidros quebrados. A câmera se aproxima da janela e podemos ver uma bandeira parecida com a dos Estados Unidos, mas de uma forma um pouco diferente e a cidade quase totalmente destruída, como se tivesse passado por uma catástrofe ou um bombardeio. A tela mostra que é o ano de 2024.
Há um corte que leva o espectador para 1988. Um pianista em um concerto, uma motorista de ônibus e um cozinheiro morrem de forma bastante estranha.Nenhum delas se conhece, mas todos apresentam uma marca com três perfurações atrás do pescoço, têm muita perda de sangue e o cérebro fica derretido.
O policial Thomas Lockhart, que sonha em ser investigador, deixa a mulher grávida em casa, vai trabalhar e ele e seu parceiro vão verificar as mortes. Através de câmeras pelas ruas, eles percebem que há uma mulher presente nas cenas dos crimes. Eles encontram a mulher, se inicia uma perseguição de carros, Thomas encurrala a tal mulher no metrô e, antes dela cair nos trilhos e um trem passar por cima, ela fala coisas sobre a família de Thomas que somente quem é muito próximo poderia saber.
O mistério permanece sobre quem era a mulher e os motivos que motivaram os assassinatos. O filme passa a dar saltos a cada nove anos, levando o espectador para os anos de 1997, 2006 e 2015. Em cada vez, se reiniciam os mesmos tipos de assassinatos, ou seja, pessoas que têm forte hemorragia e seus órgãos internos dissolvidos e três perfurações na nuca. Thomas faz investigações e constata coisas estranhas que podem levar a crer que a mesma pessoa está por trás dos crimes.
O filme nos dá a impressão que os roteiristas querem fazer um passeio por vários gêneros como thriller policial, suspense, ficção científica, drama familiar e alguma coisa sobre História dos Estados Unidos. O filme, de modo geral, traz umas pitadas de Os doze macacos e O exterminador do futuro. Porém, não fica constrangido em fazer uma viagem no tempo ser muito inconsistente.
Sem dúvida alguma, o melhor desse filme é a crise existencial de Thomas, as perturbações que os crimes causaram no personagem e a forma como mostra a decisão obsessiva de Thomas em investigar o caso e prender a mulher, que ele descobre se chamar Rya e provocou as mortes, inclusive de seu parceiro policial. Essa caça levou vinte e sete anos ao custo de perder seu emprego, perder o apreço de sua família e até a sua própria sanidade. A sua lucidez vai se deteriorando a partir do momento em que somente ele acredita que a mulher é uma viajante do tempo e veio do futuro.
Enquanto o roteiro se mostrou como um queijo suíço e a direção ficou refém desnecessariamente desse mesmo roteiro, as atuações foram eficientes na medida do possível.
Por ser um filme que se desenvolve aos saltos no tempo, a cada nove anos, os personagens deveriam apresentar algumas mudanças. Isso causou alguns problemas. O detetive Holt (Michael C. Hall), que é cunhado de Thomas e vai até o final da história, de certa forma mantém seu personagem mais ou menos firme. Por outro lado, Boyd Holbrook deixou seu personagem um pouco capenga à medida que seu personagem envelhecia. A forma como o ator foi dando ao seu personagem Thomas um aspecto decadente foi um pouco caricato, apesar de isso ter sido uma decisão do diretor. Mesmo assim, a construção na primeira metade do filme mostrou um personagem mais consistente.
Enquanto isso, Cleopatra Coleman manteve seu personagem bastante sólido, mesmo que no final tenha havido um pouco de exagero na forma como foi explicado tudo o que a levou a ser uma viajante no tempo. Por conta disso, o final foi bastante morno, levando toda a história para o lado dramático sentimental.
A parte que cabe à ficção científica, ou seja, a viagem no tempo, não convenceu e foi um pouco forçada. Nas últimas cenas em que o espectador vem a conhecer toda a história, tudo é apenas contado, narrado. Viemos a saber que em um momento da história atual surge uma conspiração a partir de um grupo que traz ideias retrógradas que poderão causar sérios conflitos armados em um futuro não muito distante.
Outros problemas dessa viagem no tempo em Sombra Lunar são quem, quando e como foi criada a droga que causa as mortes através de um dispositivo que provoca três perfurações na nuca das pessoas. Isso foi explicado, mas a forma como foi feita causou dúvidas de plausibilidade. A outra foi a invenção da tal máquina do tempo, que nunca se soube quem e como foi inventada, nem se ela foi criada para somente resolver o problema que Rya estava se empenhando. Finalmente, o filme tenta passar a ideia de que o efeito borboleta causado pelas mortes das pessoas pode vir a ser uma solução plausível e necessária, que trará a paz à sociedade.
Se todo o filme ficasse, de alguma forma, centrado na motivação e formação desses grupos e no combate a eles, seria muito mais consistente do que fazer brincadeiras de viagens no tempo para evitar que esses grupos atuem de forma negativa na sociedade. Tratar o assunto que motiva Rya a viajar no tempo para solucionar o problema é de uma fraqueza enorme. A ideia que fica é que a única solução para todos os problemas é criarmos uma máquina do tempo para voltarmos ao passado e resolver o que não fomos capazes de evitar.
PARADOXO TEMPORAL NO FILME
Em certo momento do filme algo acontece e, mais adiante, cria-se uma dúvida. No primeiro ato, Thomas encurrala Rya em uma estação do metrô. Rya diz a Thomas algumas coisas pessoais e sobre família que somente ele poderia saber. Ela ainda diz: “Então, é aqui que vai acontecer”. Há uma luta, ela cai nos trilhos e um trem passa por cima dela, que fica toda dilacerada. Hipoteticamente, ela está morta. Ao ser feita a autópsia do corpo, constatam que há um prejétil de um revólver em um braço de Rya que parece ser de um policial. Como Thomas não disparou a arma, fica a dúvida.
Porém, nove anos mais tarde, ela reaparece, fica a dúvida sobre se Rya teria morrido. Os dois se reencontram em outras vezes que ela retorna. Em uma das últimas vezes que os dois se deparam, o que acontece no terceiro ato, Thomas atira em Rya e acerta o seu braço. No encontro derradeiro, os dois sabem que ela vai morrer e como isso irá acontecer.
Exatamente nesse ponto está algo que parece um paradoxo. A morte de Rya acontece de fato, causado por Thomas, mas em um lapso temporal bastante improvável, ou seja, no começo de toda a história. Tudo o que vem depois do último encontro entre os dois se constitui em um drama em que Thomas sabe exatamente como tudo irá acontecer e se constitui naquele que irá informar Rya de tudo o que irá acontecer. Ainda assim, Rya se sacrifica para executar a sua missão que ela mesma escolheu.
Outro paradoxo pode ser o próprio efeito borboleta depois de a missão ter sido coroada de êxito. Como garantir que tudo ficará resolvido e as conspirações futuras terem sido eliminadas trazendo paz à sociedade do futuro?
FINALIZANDO
Pode se dizer que, depois de muitos filmes sobre a mesma temática, depois de muitos debates sobre o assunto provocados por filmes que tratam de viagens no tempo, Sombra Lunar tenta trazer uma ideia sobre viagem no tempo e como se mudam os acontecimentos passados sem que isso cause maiores efeitos nem crie uma realidade alternativa. O detalhe é que isso não se firmou como uma regra, pois em nenhum momento do filme se toca nesse assunto. Tudo o que se pode dizer, baseia-se apenas em ligar os fatos que são mostrados ao longo do filme e criar uma linha lógica, mas que não se sustenta. Há muitos filmes melhores do que Sombra lunar que tratam da mesma temática de viagem no tempo. Esse Sombra Lunar é mais um para preencher um catálogo, mas não traz o brilho de um grande filme.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.