Constelação: Um thriller estelar quântico
A Apple começa a mostrar um domínio bastante forte nas séries de ficção científica. Desta vez, é Constelação. E vá se preparando, pois tudo o que você vai assistir pode ser algo muito surpreendente.
Paulo Bocca Nunes
Imagine que você volta de uma longa viagem e percebe que tudo à sua volta não é exatamente como você havia deixado. As pessoas, que antes você conhecia, parecem ser totalmente diferentes ou até mesmo estranhas. As coisas mudaram de lugar, de aspecto e de cor. Como você se sentiria? O que você faria ou diria? A série Constelação deixa o cérebro do espectador bugado à medida que a trama avança e vamos entendendo o que está acontecendo.
SOBRE A SÉRIE
A astronauta Jo Ericsson (Noomi Rapace) está em missão em uma estação espacial com outros astronautas, por volta de um ano longe de seu marido Magnus (James D’Arcy) e de sua filha Alice. Em certo momento, enquanto ela está conversando com sua filha por meio de Ipad, o seu colega Paul está fazendo um experimento para descobrir um novo estado da matéria, que só pode ser feito em gravidade zero. O projeto é liderado por um lendário astronauta americano chamado Henry (Jonathan Banks), que ganhou um prêmio Nobel décadas atrás, mas agora faz participações especiais em eventos de ficção científica e está desesperado para retornar à vanguarda da descoberta científica.
Quando Paul aciona o mecanismo, começam a ocorrer eventos bastante estranhos. Um objeto se choca contra a estação espacial. Ela sai para verificar os estragos e vê o corpo de um astronauta. Há uma emergência para evacuar a estação espacial e Jô fica para trás. Ela finalmente volta para a Terra, porém tudo começa a ficar estranho para ela. A vida entre o casal não é mais a mesma. A filha não fala mais seu sueco nativo. Ela esquece a cor do carro da família e confunde o nome de um amigo. Ela relata a colisão na estação espacial e o corpo de um astronauta, que foi descartado e considerado uma alucinação de Jo.
Ao longo de cada episódio, observamos ora Jo e Alice, ora Magnus e Alice se abrigando em uma velha cabana na Suíça. O espectador vai percebendo que todos os eventos parecem estar acontecendo paralelamente, um em relação ao outro. O ponto de ligação entre essas duas realidades é, justamente, a filha. Não é por acaso que ela se chama “Alice”, pois o espelho tem relação fundamental com toda a história.
Os primeiros episódios dão a impressão inicial de uma história à deriva, mas o roteirista, Peter Harness, sabe exatamente o que está fazendo. O momento culminante, quando acontece, é uma revelação impressionante e esmagadora. Vamos entender os primeiros sinais que foram lançados nos primeiros episódios e, depois de parecerem fios soltos, se mostraram ser, na verdade, as peças que se encaixam mais adiante e segue até o seu desfecho.
Outros personagens se envolvem nessa trama, que envolve o espectador num emaranhado psicológico. Henry está desesperado para recuperar os dados do dispositivo que foi ativado em um experimento na estação, não importa o que isso signifique para os astronautas a bordo. O astronauta Paul não entende o que aconteceu com ele e procura Henry, que faz de tudo para dizer que não é quem Paul está procurando. Tudo vai se envolvendo em um clima de mistério, por outro lado, alguns personagens parecem saber exatamente o que está acontecendo e buscam deixar tudo exatamente como está, sem mudar mais nada, pois nada pode ser mudado.
A série distribui respostas de forma lenta mas deliberadamente, movendo-se em um ritmo que faz com que os espectadores sintam como se estivessem descobrindo a verdade por conta própria, enquanto fazem uso inspirado do que se presume saber sobre a própria história. Imagens estranhas, pinturas misteriosas, pílulas vermelhas e amarelas, um colar de contas em tons pastéis são apresentados em sequências e detalhes que pouco fazem sentido a princípio. Enquanto Jo vai tentando entender o que está acontecendo, duvidando até mesmo de si mesma, buscando juntar as peças para o grande e inconcebível quebra-cabeças, a história em si envolve uma mistura perfeita de ficção científica pesada, emoções baseadas em ação e terror psicológico.
A aplicação da física quântica em Constelação pode não impressionar os cientistas ou conhecedores de ficção científica. O que torna a série atraente é a maneira como o roteirista, Harness, mapeia essas ideias abstratas na vida interior de seus personagens. Jo teve algo tirado dela. Alice e Henry também. A sua busca incansável pelo que perderam ilumina não apenas os mistérios do universo, mas também a ligação inseparável entre os astronautas e as pessoas que amam em casa.
Os personagens secundários vão se encaixando e se aprofundando na trama de forma quase assustadora. Não existem as verdades de um universo único. Não existe uma ação frenética nessa série, porém uma tensão subjacente. Há uma construção lenta que vai se estabelecendo e tudo o que pode ou não estar realmente acontecendo aqui ou ali. As pistas fazem mais sentido à medida que avançamos, e quanto mais observamos a história de Constelação se desenvolvendo, mais profunda e perturbadora ela se torna.
Jonathan Banks está muito bem como um ex-astronauta que faz suas pesquisas sem se importar com as consequências que podem ocorrer com seus astronautas. Noomi Rapace entrega uma personagem complexa e envolvida no seu drama psicológico. James D’Arcy, que interpreta o marido, e as gêmeas Davina e Rosie Coleman, estão ótimos. A direção dos dois primeiros episódios ficam a cargo de Michelle MacLaren e os posteriores ficam com Oliver Hirschbiegel e Joseph Cedar. A história de Constelação está cheia de narradores pouco confiáveis e as imagens são mais importantes e reveladoras do que o diálogo. Assistir a essa série exige comprometimento, paciência e atenção, mas você será recompensado com uma história impressionante que, no centro de tudo, é sobre o amor entre mãe e filha.
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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.