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Invasion (Invasão): uma versão de Guerra dos Mundos?

Em outubro de 2021, a plataforma da Apple trouxe mais um seriado de ficção científica que se constitui em uma versão intrigante de A Guerra dos Mundos, do britânico H. G. Wells. Nesse artigo vamos analisar os quatro primeiros pisódios.

Por Paulo Bocca Nunes

A Apple está buscando entrar com força no mercado aberto pela Netflix: produzir séries originais buscando não apenas qualidade, um requisito para competir com a gigante do streaming, mas trazendo temas que entram nos debates sociais.

Depois de anunciar e estrear Foundation, baseada na trilogia do escritor Isaac Asimov, chegou a vez de Invasion, outra produção de ficção científica criada por Simon Kinberg e David Weil.

A direção coube a Jakob Verbruggen e Amanda Marsalis. O elenco traz Golshifteh Farahani (Aneesha Malik), Shamier Anderson (Trevante Ward), Shioli Kutsuna (Mitsuki Yamato), Firas Nassar (Ahmed “Manny” Malik), Aziz Capkurt (Kuchi), Billy Barratt (Caspar Morrow), Azhy Robertson (Luke Malik), Tara Moayedi (Sarah Malik), Daisuke Tsuji (Kaito Kawaguchi) e Sam Neill (xerife John Bell Tyson).

A estreia foi em 22 de outubro de 2021 e a plataforma disponibilizou os quatro primeiros episódios. Com esse material já foi possível ter uma ideia do que viria pela frente com um total de dez episódios para a primeira temporada. Dois dias antes do último episódio (10/12/2021) a Apple anunciou a segunda temporada, mas não foi anunciada uma data até o momento em que foi escrito este artigo (19/12/2021).

OS QUATRO PRIMEIROS EPISÓDIOS

A série da plataforma da Apple se baseia em um tema que já se repete na literatura desde o século XIX, com a obra A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells. Inclusive, as primeiras impressões foram de fazer uma comparação entre a obra literária e a série a partir de cenas dos primeiros trailers. Porém, ao contrário da história do britânico Wells, essa série busca a sua própria narrativa. 

A Terra é visitada por uma espécie alienígena que ameaça a existência da humanidade. Os eventos se desenrolam em tempo real através dos olhos de cinco pessoas em todo o mundo enquanto lutam para entender o caos que se desenrola ao seu redor.

Tudo começa numa parte do deserto do Iêmen. Um homem com seus camelos. De repente um objeto cai no meio da areia. Os animais se assustam e fogem. O homem se aproxima de um objeto estranho. Um som em uma frequência muito alta afeta o homem que grita e depois ocorre uma explosão.

A sequência corta para uma cidadezinha no interior de Oklahoma, Estados Unidos. O xerife John Bell Tyson começa o seu último dia de trabalho antes de se aposentar. Um fazendeiro faz queixa de que sua caminhonete desapareceu com seus sobrinhos. Tyson vai investigar e acaba descobrindo no meio da plantação de milho um enorme círculo com um buraco no centro. Bem perto dali, está a caminhonete desaparecida, mas os dois jovens estão desaparecidos.

Sobre esse Tyson há algumas curiosidades. Primeiro, no caminho para a delegacia, ele escuta o rádio que é um programa que fala de religião. O locutor cita que lerá um capítulo do livro de Romanos. Antes de sabermos qual é o capítulo, há o corte para a delegacia. No entanto, quando Tyson investiga o desaparecimento dos dois sobrinhos do fazendeiro, ele vai até um bar onde fica um conhecido fornecedor de drogas da localidade e Tyson desconfia que ele sabe onde estão os dois. Tyson força ele a dizer, mas ao lhe dar uma chave de braço, vê tatuado no pescoço do bandido a citação de um trecho da Bíblia que é Romanos 8:18. Tyson dá mostras que aquilo mexeu com ele.

A sequência leva o espectador até Long Island, Nova York. Uma família de origem síria. A mulher, Aneesha Malik, estudou em Havard, mas antes de se formar ela larga os estudos para se dedicar à família. O marido, Ahmed Malik, também de origem síria, é um empresário de sucesso, porém, mesmo aparentando ser um exemplar chefe de família, ele trai a esposa com uma produtora digital que tem um perfil no Instagram, se envolve com essa mulher que fica grávida dele.

No Japão a agência espacial envia ao espaço uma nave para uma importante missão. A tripulação tem três pessoas. A comandante, Hinata Murai, tem um relacionamento com a chefe de comunicação da base na Terra, Mitsuki Yamato. Um objeto desconhecido bate na nave que está em órbita da Terra, abrindo um enorme buraco e lançando a tripulação ao espaço. Aparentemente, Hinata morre.

No Afeganistão um grupo de soldados norte-americanos vai em uma missão e enfrenta uma tempestade desconhecida e estranha. Um dos soldados, Trevante Ward, luta para salvar e resgatar os seus companheiros. Em meio a um confronto contra um inimigo que não se sabe bem o que é, os soldados vêem um ser monstruoso, mas muito rapidamente. 

Na Inglaterra, alunos de uma escola saem para uma excursão. O garoto Caspar Morrow sofre bullying por ser epilético. O rapaz que pratica o bullying lidera um pequeno grupo de rapazes. Em meio do caminho, por uma estrada estreita atravessando um campo, a estrada é atingida por um objeto vindo do céu, o professor desvia o ônibus e todos caem em uma enorme buraco vários metros abaixo. Caspar mostra ter algo mais que apenas ataques epiléticos. Ele faz desenhos que não sabe do que se trata, no entanto ele afirma que saem de sua cabeça como se fossem quase materiais.

Todas as narrativas são desenvolvidas ao longo dos quatro primeiros episódios. Para cada centro narrativo há um desenvolvimento muito bom para cada personagem, ou para cada um desses centros dramáticos. O roteiro valoriza os trabalhos dos atores para desenvolver os conflitos internos e transportá-los para o exterior dos personagens e colocar dentro dos conflitos criados pelos outros personagens que, não necessariamente, são os antagonistas. Funcionam como os elementos de vão criar os nós das micro-narrativas e amarrar tudo em uma macro-narrativa.

O que se pode esperar a partir desses quatro primeiros episódios é que, em algum momento, essas micro-narrativas irão se cruzar e seguir adiante até o desenlace final. Esse, pelo menos, é o sentimento, a impressão que passa ao espectador nos quatro episódios.

O RESTANTE DA TEMPORADA

A partir do quinto episódio vamos observando a luta dos personagens em busca de uma solução para os seus problemas surgidos com a nova situação. Em cada episódio vamos acompanhando de forma igual os acontecimentos de cada um dos cinco centros dramáticos.

Aneesha é o centro de fuga da família em busca de um lugar seguro. Ao passo que Ahmed se mostra mais preocupado com a amante do que com a própria família, algo que Aneesha descobre ao encontrar mensagens no celular do marido. Porém, à medida que a família entra em fuga para encontrar um lugar seguro, e enfrentam um dos alienígenas, Ahmed se mostra disposto a lutar pela sua família e até mesmo a se sacrificar por ela.

Trevante acaba descobrindo algumas coisas sobre os alienígenas, mas está sozinho e busca voltar para sua casa, nos Estados Unidos, e reencontrar a sua esposa que não vê há dois anos. Essa micro-narrativa parece ser uma das mais fortes, pois se conhece a história de Trevante, seus conflitos internos provocados por uma tragédia familiar. Apesar de sua luta e empenho, ele não consegue voltar diretamente para a América.

Enquanto isso, os garotos conseguem chegar à estrada e pedir ajuda. No entanto, o grupo se divide e Caspar decide voltar à Londres com parte do grupo. O garoto vai observando que algo está ficando diferente nele. Tem a ver com as suas convulsões e com os sons que ele afirma ouvir em sua cabeça. Da mesma forma, ele passa a ter visões que parecem sonhos.

Trevante consegue sair do Afeganistão em um avião, mas o destino não é os Estados Unidos e sim a Inglaterra. Ele acaba conhecendo Caspar e ajuda o garoto a escapar de uma situação bastante delicada que envolve os alienígenas. 

Finalmente, Mitsuki tenta de todas as formas fazer contato com Hinata, que acredita ainda estar viva. A jovem especialista em comunicações consegue identificar alguns sinais como sendo uma forma de comunicação, apesar de não fazer ideia do que se tratava. As descobertas de Mitsuki permitiram aos norte-americanos tomarem certas iniciativas que, a princípio, surtiram efeito de vitória para os humanos.

Em cada centro dramático segue a perspectiva de desenvolvimento de trabalho de ator para construir os dramas internos. Pouco texto e muita ação performática para vermos o quanto cada personagem está sendo afetado pelo seu problema e tendo que manter uma postura de enfrentamento para a situação que parece cada dia mais complicada contra os alienígenas. 

OPINIÃO

Essa série já foi comparada com A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, por ter essa temática de uma invasão alienígena. Inclusive, em um dos quatro episódios, surge um ser que tem uma aparência orgânica e três pernas enormes, sendo uma referências aos tripods de Wells. Porém, é muito rápida a aparição e não se pode ver muitos detalhes.

Programada para ter dez episódios, os primeiros quatro episódios nada mostrou de alienígenas. A ideia da direção certamente é de apresentar o evento a partir do ponto de vista de diferentes pessoas ao redor do mundo e em diferentes situações pessoais complicadas. Para isso, se busca usar o trabalho de ator para mostrar e não explicar. Há momentos, é claro, em que alguma coisa é contada, mas minimamente, sem que se estenda muito na história. Trata-se de algo suficiente para que possamos entender algo sobre determinado personagem e que servirá para a história que se desenvolve.

O xerife Tyson, no começo, tem um certo trauma na sua carreira que o impede de se sentir realizado. O envolvimento dele na investigação do desaparecimento dos dois rapazes o leva para uma situação que foi mostrada, mas não sabemos ao certo como terminou. O que parecia ser um ótimo centro dramático, para desenvolver uma micro-história bastante interessante, ficou apenas em algo superficial e de pouco efeito para contribuir ao todo da série.

A forma como Aneesha é apresentada como mãe e depois descobre a traição do marido é algo que envolve demais o espectador. Quase dá vontade de só ver isso e quase esquecemos de que há uma invasão extraterrestre para acontecer. Nos episódios seguintes, ela ganha uma força impressionante, pois precisa superar a traição do marido e manter a família unida para se manter viva. Mesmo admitindo sentir medo, ela permite que seus sentimentos de mãe e mulher se sobressaiam e supere o próprio medo para sobreviver.

Pelo fato de ser uma imigrante síria, mulher, mãe de dois filhos e sem saber para onde ir e manter em segurança a si e aos seus filhos, Aneesha é uma grande personagem. A princípio se mostra ser a mais forte de todos os outros. Ela ganhou mais força a partir do momento em que ela descobre um tipo de metal diferente que, aparentemente, é de uma das naves alienígenas e um grupo de soldados vai atrás dela e de sua família. A princípio parece haver uma ligação com a posse desse metal. Acredita-se que a segunda temporada vai seguir acompanhando essa personagem e toda a sua trajetória.

Da mesma forma, podemos falar da história que envolve as personagens Mitsuki e Hinata. Tudo que é mostrado sobre a história das duas, em forma de flashbacks, as tomadas de câmera que mostram as expressões e os olhares entre elas, como as duas conversam entre si envolvem tanto o espectador que também quase nos esquecemos da tal invasão e queremos saber apenas dessa história.

Quanto aos outros dois centros dramáticos podemos dizer o mesmo. Trevante é a história movida pela ação de combate. Há um começo de empatia com o público por causa de como ele é entre seus companheiros e como ele enfrenta a distância de sua mulher que está nos Estados Unidos. A sua jornada de retorno envolve a dificuldade de encontrar os meios para isso, o amor que ainda sente pela mulher e pelo trauma que tem que enfrentar e envolve o filho de ambos.

Finalmente, Caspar se apresenta como um personagem que tem muito que superar principalmente por ser um pouco mais que uma criança, ser epilético e sofrer bullying de um garoto terrível. Porém, pelos últimos episódios e depois do encontro com Trevante, o garoto mostra uma capacidade de comunicação com os alienígenas que pode ajudar a resolver o problema da invasão. Só que ninguém espera as consequências que isso pode trazer para Caspar. 

Todos esses desenvolvimentos têm sido algo um tanto lento, na minha opinião. Vez que outra, o andamento segue um rumo um pouco mais intenso, principalmente com o personagem Trevante. Mas ainda assim, talvez a construção desses personagens foi quase ao ponto de ser algo “além da conta”, pois queremos saber e acompanhar mais cada uma dessas histórias com os alienígenas que, até o quarto episódio, não dão os ares da graça. Por outro lado, essa é uma forma de mostrar os seus problemas, as suas dificuldades e limitações que serão o combustível para a jornada de superação de cada um para enfrentar o que está para vir.

Quanto aos tais alienígenas, o máximo que se vê são seres em forma de esfera por onde saem espinhos enormes de seus corpos que são usados tanto para se movimentarem quanto para atingirem as pessoas. Eles, no entanto, possuem uma fraqueza, mas é necessário muito empenho para abater cada um. A forma como eles são vencidos é o ponto alto, muito intrigante e emocionante, mas que engana o espectador em um primeiro momento.

Para completar, o elenco é ótimo e as atuações foram ótimas. A fotografia foi excelente. Os efeitos especiais até o quarto episódio não foram surpreendentes nem muito grandiosos. Nos outros episódios não se viu absolutamente nada de mais até pelo fato de os alienígenas não serem algo muito espantoso. 

Sob esse aspecto, espera-se uma grande reviravolta na segunda temporada. As últimas cenas do último episódio, os rostos de cada um dos personagens principais mostraram o horror ao vislumbrarem algo que se aproximava, anunciando uma forte ofensiva que poderá levar a humanidade a um extermínio. Sob essas últimas cenas, creio que podemos fazer uma comparação dessa série da Apple com o grande clássico de H. G. Wells. Certamente a segunda temporada irá se desenvolver através de situações dramáticas que fará a humanidade seguir uma jornada épica.

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Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.