FILMES E SÉRIES DE TV

Fundação (Foundation): a primeira temporada na plataforma da Apple

Em setembro de 2021, a plataforma da Apple deu início à primeira temporada de Fundação (Foundation), baseada na obra de ficção científica de Isaac Asimov. Os primeiros episódios surpreenderam pelas mudanças apresentadas nos personagens e na história de um modo geral. O que se pode dizer ao final da primeira temporada e quais as espectativas para a segunda? O que pode vir?

Por Paulo Bocca Nunes

Finalmente a saga de ficção científica de um dos maiores escritores do gênero, Isaac Asimov, teve a sua adaptação para a TV em formato de série. A estreia foi dia 24 de setembro na plataforma da Apple. Na primeira semana, a Apple liberou os dois primeiros episódios e assim já é possível fazer uma análise inicial do que virá nos próximos oito episódios que completarão a primeira temporada.

Depois de muitas tentativas para uma adaptação, tanto para cinema quanto para TV, a plataforma da Apple criou coragem e decidiu fazer um forte investimento numa produção que teria os olhares mais apurados, atentos e muito críticos de uma legião de fãs ardorosos da famosa trilogia. Os primeiros episódios mostraram, no entanto, que a tarefa de agradar a “gregos e troianos” seria mais dura e complicada do que se poderia imagina.

Os roteiristas David S. Goyer e Josh Friedman planejaram, a princípio, contar a história em oitenta capítulos, o que daria um total de oito anos se cada temporada tiver dez episódios. Não saberia dizer se isso seria uma previsão otimista ou se é o desejo da plataforma e dos criadores da série. O que pode se perceber, e nesse caso pode ser uma sensação equivocada, é que pode não chegar a tanto.

Para entendermos o porquê de todas essas proposições, faz-se necessário algumas abordagens que tratem do autor, Asimov, a obra que inspirou a adaptação, a primeira temporada e, finalmente, trazer opiniões com questionamentos que apontem para a segunda temporada e o que pode vir de outras.

SOBRE O AUTOR E A OBRA LITERÁRIA

Isaac Asimov é considerado como um dos três grandes escritores do gênero de ficção científica. Entre tantas obras, mesmo tendo duas já adaptadas para cinema (Eu, robô e O homem bicentenário), a trilogia Fundação sempre foi considerada como inadaptável. O período de tempo que abrange toda a história é muito extenso para um filme. Mesmo uma série traria alguns problemas para se contar a história.

Os livros que formam a trilogia são Fundação (1951), Fundação e Império (1952) e Segunda Fundação (1953). As obras podem ser lidas separadamente, pois como toda a trama se passa em um longo período de tempo, os personagens principais não permanecem em toda a narrativa. Para se ter uma ideia mais precisa, o personagem principal não é uma pessoa, mas a Fundação, planejada por Hari Seldom, que irá substituir o Antigo Império Galáctico.

O público leitor, fã da trilogia, sentiu a necessidade de Asimov ampliar a sua trilogia e, dessa forma, quase trinta anos depois ele trouxe a público Limites da Fundação (1982), Fundação e Terra (1986), Prelúdio à Fundação (1988) e Origens da Fundação (1993), sendo esse último publicado após a morte do escritor em abril de 1992.

A trilogia da Fundação tem um enredo de certa forma bastante simples, mas a trama é bastante complexa. Num futuro muito distante, a humanidade se espalhou pelo universo e passou a habitar mais de 25 milhões de planetas e conta com trilhões de habitantes.

Tudo isso é controlado pelo Império Galáctico que já dura mais de 12 mil anos. Em determinado momento, o império começará a enfraquecer e um grande cientista, Hari Seldon, matemático criador da psico-história, prevê através de cálculos matemáticos a queda do império e a entrada de um longo período de escuridão cultural e científica na galáxia.

A queda estaria prevista para acontecer em aproximadamente 500 anos para durar 30 mil anos de barbárie. Após esse período, um novo império ressurgiria mais forte que o primeiro. Para abreviar esse longo período, Seldon idealizou uma instituição que guardaria todo o conhecimento adquirido pela humanidade e assim o império ressurgiria em torno de 1000 anos. O nome dessa instituição foi batizada de Fundação.

Para Seldon, a psico-história pode indicar possibilidades futuras de situações que envolvam um grande número de pessoas. Quanto maior o número, maior a precisão e exatidão dos acontecimentos futuros. A psico-história só não serviria aos propósitos em casos específicos e únicos, ou seja, em casos individuais.

O primeiro livro (Fundação) cobre aproximadamente os primeiros 150 anos desde a saída dos cientistas enciclopédicos de Trantor até a criação e consolidação da Fundação em Terminus. Nesse período, os habitantes de Terminus passam por três grandes crises. Em cada uma delas, um cofre se abre e surge a figura holográfica de Hari Seldon que fala a quem estiver ali presente. Em nenhum momento ele dá orientações sobre o que fazer, mas deixa a todos a responsabilidade da escolha dos caminhos a serem seguidos para contornarem ou vencerem a crise que estão passando.

De modo geral, o leitor é envolvido em muitos reveses que envolvem um complexo jogo político, questões sociais, militarismo e busca pelo poder e hegemonia. Precisa ser destacado que a religião é um ponto muito importante que o governo de Terminus, por conseguinte da Fundação, faz uso para expandir o seu poder e domínio político aos povos bárbaros da periferia da galáxia. A religião criada pelos pensadores da Fundação, com seus rituais e dogmas, é usada como instrumento fundamental para vencer as primeiras crises.

Em cada um dos cinco capítulos subdivididos em outros tantos, o leitor segue todas as situações a partir de um personagem principal que pode ser tanto o prefeito de Terminus quanto uma pessoa comum ou um dos comerciantes que fazem negócios com qualquer um dos planetas da periferia da galáxia. Um desses, por exemplo, teve educação religiosa em Terminus. Portanto, será uma das figuras mais eminentes que ajudará a vencer uma das mais graves crises da Fundação.

Os personagens principais são Hari Seldon, Gaal Dornick (um habitante do planeta Synax que vai a Trantor a convite para ajudá-lo); Salvor Hardin (um político talentoso que se tornou o prefeito de Terminus); Wienis (regente de Anacreon, planeta que quer submeter Terminus ao seu domínio); Limmar Ponyets (um comerciante); Robert Mallow (Mestre Comerciante de Smyrno). Os planetas que mais se destacam, tanto na sua importância em relação a outros quanto nas crises são Terminus, Anacreon e Smyrno.

A SÉRIE NA APPLE

Dificilmente alguém irá ver uma série que se diz baseada em uma obra literária ser exatamente como a leu. Uma série de fatores contribui para essa impossibilidade. Pode ser a liberdade do roteirista em trazer elementos que expliquem de forma visual ao invés de textual, como também responder a necessidades do tempo em que a adaptação foi feita. No caso da obra de Asimov muitas coisas foram revisadas e modificadas. Os mais significativos foram os personagens e a forma como o tempo transcorre dentro da narrativa.

A primeira temporada abrangeu uma parte temporal de todo o livro Fundação que, segundo já falamos, é de aproximadamente 150 anos. Entretanto, há um tempo transcorrido na série enquanto uma nave leva os futuros habitantes de Terminus a partir de Trantor. Como o Império não forneceu naves de salto levou-se meses para chegar ao destino. Essa viagem trouxe reviravoltas tento no destino da Fundação quanto da própria história.

Os personagens foram os elementos mais modificados. Hari Seldon se manteve um homem idoso, mas na série ele se mostra um pouco arrogante e, conforme Gaal Dornick, a sua assistente, ele quer criar uma imagem de si mesmo como um mito ou um deus. Por sua vez, Dornick originalmente é um homem bastante jovem e matemático promissor no romance, mas na série é uma jovem muito inteligente que decifrou um teorema que há séculos ninguém resolvia. Ela veio de Synax, como no livro, mas a comunidade em que vive é totalmente contra a ciência e toda forma de conhecimento científico. A religião de seu povo fala coisas que seriam relacionadas ao misticismo e Dornick, desde o primeiro episódio, apresenta poderes sensitivos que preveem o futuro. Dornick mantém um relacionamento com o assistente de Seldon, Raych Seldon, que não faz parte do romance. Esse relacionamento vai causar grandes reviravoltas na primeira temporada e se refletirão na próxima.

Um personagem muito importante no romance é Salvor Hardin, um jovem e talentoso político que se tornou o prefeito de Terminus e, com sua habilidade política e diplomática, contornou as duas primeiras crises que estavam previstas por Seldon para acontecer. Na série é uma mulher que, além de ser a guardiã de Terminus (uma espécie de protetora armada, pois o planeta não se dedica ao reforço bélico), ela também possui um tipo de poder que se manifesta de duas formas. Uma delas é que se aproxima de um objeto muito grande e de formato triangular dividido ao meio que foi encontrado em Terminus quando os colonizadores chegaram e é chamado apenas de “Cofre”. Há uma espécie de campo de força em torno do Cofre que não permite ninguém se aproximar, no entanto, Dornick consegue e até toca no objeto. Outro poder seria as visões que ela tem com pessoas que não conhece, mas sempre lhe mostram algo que pode dizer respeito ao futuro. Hardin mantém um relacionamento amoroso com o comerciante Hugo, que também não faz parte do romance de Asimov.

No romance, Hardin administra as duas crises e os seus oponentes. Uma parte deles vem dos planetas da periferia e a outra vem dos enciclopedistas e da política interna de Terminus. Tudo ele consegue administrar com diplomacia e habilidade política. Na série há o lado bélico, de confronto armado e com muitas lutas corporais, mas há o momento em que a negociação através da diplomacia prevalece, mantendo alguma coisa do que se esperava do personagem. Porém, na série a habilidade de confronto em Hardin é maior do que a diplomática do livro. Por sinal, a diplomacia de Hardin é maior no livro porque Terminus tem carência de metais que possam contribuir para o armamento de defesa e, por outro lado, nunca apresentou uma habilidade de enfrentamento como a Hardin da série.

Outros aspectos modificados: a morte de Seldon! No romance, ele sequer sai de Trantor, porém, a sua morte chega de forma estranha e inusitada. Os acontecimentos durante a viagem de Trantor até Terminus parecem apenas recheio de roteiro para completar o tempo de cada episódio, mas depois se entende que explicam as reviravoltas no último episódio e modificam completamente os rumos de toda a história em relação a ela mesma e ao livro.

Uma das mudanças que causaram forte impacto, sem dúvida alguma, foi a figura do imperador que, na verdade, são três. Todos são clones do primeiro de sua linhagem, Cleon I. Esse, por sinal, faz parte da obra de Asimov, mas em edições posteriores que tratam de um tempo anterior à criação da Fundação. Esse sistema de clonagem, segundo Seldon durante o seu julgamento, seria o motivo principal de toda a derrocada do império. Para ele a galáxia precisava de variedade, algo natural para a evolução da espécie humana, e a clonagem iria contra tudo isso.

Para deixar clara essa questão, o Imperador, ou os clones do imperador Cleon I, são três: o irmão Crepúsculo (idoso), irmão Dia (meia idade) e Alvora (geralmente um garoto ou adolescente). Quem realmente manda é Irmão Dia. Esse tem toda uma carga dramática ou estrutura de personagem para ser um dos maiores vilões da TV e cinema, porém, ele fica circunscrito às crises internas, que dizem respeito aos debates sobre a manutenção da clonagem. No episódio em que teve que contornar uma revolta de um grupo que estava sabotando a clonagem, ele mostrou um perfil de vilão extremamente cruel e frio. Mas, isso acontece paralelamente aos debates que envolvem aspectos religiosos de outros grupos em planetas distantes de Trantor, mas que possuem forte influência em outros planetas.

Enquanto para os lados de Terminus, há picuinhas entre planetas da periferia da Galáxia, em Trantor há um imperador cruel que fica apenas circunscrito ao seu território. E esse mesmo imperador não durará toda a temporada, pois os clones se revezam e nada se sabe como será o próximo imperador Dia. O conflito do imperador é, portanto, evitar que as previsões de Hari Seldon se realizem e se mantenha a clonagem de Cleon I.

Outra mudança diz respeito à Demerzel, a figura parda do império e sombra constante ao lado do trono. Na obra de Asimov, Demerzel é um robô, mas com aspecto masculino. Ao longo de toda a obra literária sabemos que foi essa figura a responsável por vários acontecimentos e mudanças de rumos na história do império galáctico, inclusive com a criação da psico-história. Na série, Demerzel se apresenta como uma mulher e em alguns episódios ela faz referência às guerras robóticas, algo que encontramos nos livros de Asimov e mais tarde foram classificadas como dentro do universo do império galáctico ou do universo dos robôs. Sobre essas guerras, Seldon também fala a Dornick. Isso pode nos dar a ideia de que haverá muito mais do que duas temporadas. Fazer tantas referências a esse evento tão importante não pode ficar desapercebido ou sem ser mostrado.

Ao longo da primeira temporada, vimos o desenvolvimento de vários conflitos que se revezam entre Terminus, Trantor (com as diversas crises envolvendo os três clones) e Gaal Dornick numa nave que se dirige a Helicon, o planeta natal de Hari Seldon. Todos os acontecimentos devem receber a maior atenção do espectador, pois o tempo narrativo pode nos levar para 400 anos antes do tempo inicial da narrativa da série como levar para aproximadamente 150 anos depois. 

No final da primeira temporada, muitas surpresas foram reveladas. Coisas que aconteceram no primeiro ou segundo episódio se amarraram a outras no último. Um desses casos é o segredo que envolve Dornick e Salvor Hardin. Certamente, esse aspecto trará uma reviravolta em toda a narrativa da segunda temporada que certamente levará para rumos muito imprevisíveis. Tudo será possível. A primeira temporada não abrangeu o primeiro livro conforme o lemos, mas provavelmente dará um salto temporal para levar os acontecimentos para algo que pertence ao segundo livro da trilogia, Fundação e Império. Além do mais, não se pode descartar flashbacks que expliquem algumas coisas do passado relacionadas ao imperador e a um período de 150 anos que não se sabe o que aconteceu tanto em Trantor quanto em Terminus.

As mudanças não influenciaram na qualidade da série. O que pode ter acontecido é um estranhamento por parte dos fãs que esperavam algo muito próximo da obra de Asimov. Deve-se, no entanto, entender que essas adequações ou mudanças respondem a necessidades atuais. Por exemplo, em toda a obra de Asimov a participação de mulheres é algo muito pequeno, algo reconhecido por ele próprio em sua biografia.

Talvez seja o caso de dizer que a adaptação esperada pelos antigos fãs já tenha passado. O mesmo se pode dizer quando essa mesma obra, se for o caso, receberá outra adaptação num futuro mais adiante. Ela responderá a outras necessidades. As necessidades de seu tempo.

SOBRE A PARTE TÉCNICA DA SÉRIE

No primeiro episódio foi possível constatar que a Apple optou em fazer um investimento em qualidade de filmes e séries em sua plataforma. Se por um lado, os efeitos especiais, por exemplo, não podem se comprar com grandes produções de Hollywood, também não se pode dizer que nesse aspecto Foundation pecou. Pelo contrário. Produções como essa e de outras plataformas estão mostrando que é polssível fazer bons produtos com orçamento bem abaixo dos blockbusters norte-americanos. Muitas vezes, os orçamentos correspondem aos salários dos astros de filmes e no caso de agrupar muitos astros, certamente isso irá encarecer bastante o produto final, ou seja, o filme ou a série.

Os criadores David S. Goyer e Josh Friedman conseguiram montar uma ótima equipe para dar conta de toda a complexidade que a série exige. Ainda mais em se tratando da adaptação livre de uma das obras clássicas da ficção científica de um dos maiores escritores do gênero. Um elenco coeso, maduro e muito qualificado. Os personagens que se sobressaem é porque consegue dar a vida necessária ao roteiro preparado para dar um rumo moderno à obra já citada.

A fotografia ajuda o espectador a envolver-se com toda a história, mudando de um lugar a outro sem criar uma confusão de onde e porque as coisas estão ali. As imagens do deserto, quando Império está fazendo a sua caminhada para mostrar que tem alma, ou os desertos frios onde está a Fundação parecem de fato outro mundo. As cenas que ocorrem no espaço mostram uma maneira de olhar as estrelas de um modo muito particular. Aliás, as localizações das estrelas, ao longo da primeira temporada, são fator importante para as constantes mudanças de rumo da história.

ESPECTATIVA PARA A SEGUNDA TEMPORADA

Conforme já dissemos, a obra de Isaac Asimov é extensa e abrange um espaço de tempo muito longo. Esses, com certeza, foram os principais motivos de ter demorado tanto tempo para uma adaptação, mesmo para uma série. No entanto, o que se pede numa obra fílmica é um personagem e sua trajetória, um conflito, a forma como ele vence as suas próprias dificuldades e limitações, como ele busca alcançar os seus objetivos e um antagonista que seja o seu grande obstáculo. No caso da série da Apple, o personagem principal não é uma pessoa, mas a própria Fundação. O único personagem que se mantém na trilogia é Hari Seldon, mas na forma de uma holografia. Algo sem vida que aparece apenas nos momentos de grandes crises da Fundação. Os personagens que participam dos acontecimentos vão mudando de tempos em tempos e não há como construir um personagem com profundidade dessa forma. No primeiro livro, dividido em cinco capítulos, Salvor Hardin participou de duas crises que foram narradas em dois capítulos. Nos três capítulos seguintes, ele já havia morrido.

Asimov conseguiu criar uma obra diferente que funcionou em livro. Entretanto, isso não daria certo em cinema ou TV. A Fundação não é um ser vivo que precisa ser testada em todas as suas limitações físicas, mentais e psicológicas para vencer os seus obstáculos e alcançar os seus objetivos. Então, como resolver esse problema para dar uma construção dramática adequada?

Resposta muito simples: criando um roteiro em que um ou dois personagens sigam por mais tempo em toda a narrativa fílmica e vivendo os seus conflitos!

Para se ter uma ideia mais clara, comparemos Fundação com outras obras que foram adaptadas para cinema: Guerra dos Mundos (H. G. Wells) e Duna (Frank Herbert) só para citar dois exemplos. No primeiro, a história é contada em primeira pessoa que, pelo seu ponto de vista, sabemos de tudo o que acontece, como acontece e as consequências desastrosas para a humanidade de uma invasão alienígena. Em todas as adaptações para cinema, de alguma forma isso se manteve, mesmo que os nomes dos personagens e suas vidas fossem diferentes do livro. Em Duna conhecemos a trajetória da família Atreides e todos os desdobramentos em torno dela. As adaptações para filme seguiram também o mesmo caminho. Guardando as suas devidas proporções entre cada uma dessas obras (não se pode comparar a qualidade de uma com a outra), o que se pode dizer é que o que prende o espectador é a trajetória, tanto de uma pessoa como de uma família.

Em Fundação buscou-se a solução mudando alguns personagens, como Gaal Dornick e Salvor Hardin. A primeira percebeu um erro nos cálculos de Hari Seldon que mudou totalmente os rumos de sua história, apesar de estar apaixonada por Raich Seldon, o assistente de Hari Seldon. Tudo o que ela acreditava e sonhava passou a ter outro sentido. Nesse momento, ela decidiu mudar o rumo de sua vida, mesmo que para isso precisasse fazer uma longa viagem de 180 anos em uma pequena nave criogênica.

Salvor Hardin, por sua vez, assim como no primeiro romance, foi muito importante na crise entre a Fundação, Anacreon e Téspis, resolvendo tudo com um mínimo de conflito que quase terminou em batalha. Mas, tudo o que ela viveu até aquele momento, inclusive com as suas visões de pessoas e lugares que ela nunca havia conhecido a fizeram tomar uma decisão que romperia tudo o que sonhava construir com Hugo. Além do mais, um fato do passado da Fundação ligou os destinos das duas personagens e na segunda temporada cada uma irá atrás daquilo que busca e moverá os próximos acontecimentos cada vez para frente, até a constituição final da Fundação.

Além dessas, certamente Hari Seldon voltará. Na trilogia, ele surge como uma holografia, mas nessa série ele é uma projeção da sua própria inteligência ou consciência. Algo como se fosse uma pessoa viva, com consciência, mas sem matéria. A forma como ele aparece em meio à primeira crise da Fundação mostra como isso acontecerá nos próximos episódios da segunda temporada.

Outro personagem que voltará e terá uma importância considerável é Demerzel. Na obra literária foi ganhando importância e complexidade na grande teia que forma o universo ficcional de Fundação. Ao longo da primeira temporada a “sombra do trono” foi se mostrando cada vez mais fiel ao Império e fazendo isso de modo bastante brutal às vezes. Ela já vem desde o primeiro imperador Cleon I, há mais de 400 anos. Demerzel já fez referências à guerra dos robôs, um evento muito antigo. Fez de maneira a não apresentar qualquer tipo de “mágoa”, se é que podemos falar assim de um androide. Só que, com o desenrolar dos eventos que levarão à queda do Império, como Demerzel irá se comportar em relação ao império? E a ela? Que rumo irá tomar depois que Trantor cair, conforme previu Hari Seldon. No último episódio, Demerzel teve uma atitude que a abalou, mesmo sendo um androide. O que virá depois? Não se pode descartar a utilização e algum flashback que mostre a origem de Demerzel como a sombra de Cleon I.

E quanto ao imperador? O que virá dali depois das crises com os grupos revolucionários e com as previsões de Hari Seldon que prevê a queda do império e consequentemente do imperador? Como toda a crise se transcorrerá? Lembrando que na trilogia não há a figura dos clones de Cleon I e a participação dele é quase nula. Há um hiato de aproximadamente 150 anos que ainda nada sabemos sobre o imperador. Que outros problemas ele pode ter enfrentado? A clonagem continua? Nesse caso, como serão os próximos imperadores? Serão impassíveis na condução do império ou as necessidades irão forçar alguma mudança? Até o final da primeira temporada, esse “vilão” parecia que estava sendo muito mal aproveitado.

Sobre esse último aspecto, que é uma mudança considerável na série em relação ao romance, se era para mover os conflitos em várias frentes, se haveria uma mudança de foco dramático e de conflitos na série, com personagens subaproveitados, por que não foi feita a adaptação o mais próximo do romance? Nesse caso, os protagonistas e antagonistas estariam em torno do grande objetivo que é a construção da Fundação!

Duas últimas perguntas: qual a importância dos poderes sensoriais de Dornick e Hardin? Na trilogia, surge o Mula, um fator que não poderia ser previsto por Seldon, mas trouxe grandes problemas para o projeto da Fundação. Como será a formação e desenvolvimento da Segunda Fundação?

As respostas virão com a segunda temporada que, certamente, trará outros questionamentos!

Assista ao vídeo sobre esse mesmo artigo, que está no Youtube. Aproveite e se inscreva no canal, acione as notificações, curta o vídeo e deixe o seu comentário.

Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.