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Vigilante Rodoviário: Um Herói 100% Brasileiro

A TV brasileira se destaca desde a década de 1950 com séries de TV e as primeiras novelas. Umas das produções que se destacaram e se tornaram icônicas é Vigilante Rodoviário.

Paulo Bocca Nunes

Os super-heróis faziam muito sucesso nas HQ’s desde a década de 1930. Com a invenção da televisão e o surgimento das emissoras de transmissão não foi difícil pensar em trazê-los pra as pequenas telas e, dessa forma, entrar nos lares e divertir as famílias. Assim foi com The Adventures of Superman de 1951 a 1957.

No Brasil, a TV Tupi enviou o seu primeiro sinal em setembro de 1950. A programação ainda não tinha a variedade nem havia orçamentos para grandes produções. No entanto, a vontade e a persistência de um grupo de pioneiros foi aprendendo a “fazer TV”. Seriados como os produzidos pelos norte-americanos pareciam algo muito distante e pouco provável. Super-heróis, então… nem pensar.

Na verdade, se a TV já estava dando seus passos seguros, já se iniciavam as primeiras telenovelas desde 1951. Faltava no Brasil algum desses heróis, algo que fosse genuinamente nacional e que tivesse alguma empatia com o público e não necessariamente voasse, arremessasse raios pelos olhos ou quebrasse uma parede de concreto com um soco. Pensando sob esse aspecto, o cineasta Ary Fernandes criou e dirigiu um seriado de muito sucesso na década de 1960: O Vigilante Rodoviário.

Uma Ideia, Um Projeto

Durante a década de 1950, o Brasil já mantinha seus contatos com a televisão devido ao desenvolvimento tecnológico que se expandia no país. Mesmo sendo um pouco lento e contando com uma abertura de mercado cada vez mais ampla, abriram-se também as portas para as facilidades de entretenimento. Até então, o veículo de massa mais utilizado na época ainda era o rádio.

Retrocedendo alguns anos, na década de 1940, Ary Fernandes, que foi o idealizador do seriado, era fã de revistas em quadrinhos e seriados de cinema. Ele não se conformava com a ideia de não haver um herói brasileiro nos mesmos moldes que os heróis norte-americanos que faziam sucesso no Brasil como Flash Gordon, Tarzan, Fantasma, Capitão América entre outros.

Três fatos contribuíram para Fernandes ter a ideia de resolver esse “problema”. Em 1959, ele passou a trabalhar como diretor de comerciais para televisão e também gostava de uma revista em quadrinhos de uma espécie de cowboy do asfalto que era chamado de O Vingador. E, finalmente, certo dia ele observou um inspetor rodoviário e começou a pensar na ideia de criar um herói que fosse um patrulheiro. Não demorou muito também para que ele unisse a sua paixão por cães e, inspirado em Rin-Tin-Tin, um personagem canino de um seriado de TV. A ideia já estava na cabeça e querendo ir para o papel.

Seria necessário, no entanto, fazer um piloto do seriado para, a partir daí, conseguir patrocínio e executar o projeto. Os primeiros contatos para a execução do projeto começou com Fernandes agendando uma reunião com a Força Pública e com a Polícia Rodoviária. O subcomandante na época se dispôs a ajudar no que fosse, mas salientou que os recursos financeiros da Polícia Rodoviária eram precários. O equipamento e material para as filmagens vieram de uma companhia de cinema que havia sido fechada.

O episódio piloto foi O diamante grão mongol, mas toda a parte de filmagem e finalização levou ainda alguns meses. Somente em 1960 que o episódio foi levado e apresentado aos representantes da Nestlé do Brasil. Com a aprovação, foi firmado um contrato que garantiria os 38 episódios que estavam planejados.

Um Seriado de Sucesso na Década de 1960

Em 1961, o Brasil mostrava a sua efervescência cultural com a Bossa Nova, o teatro de arena, a poesia concreta, o neoconcretismo nas artes plásticas e arquitetura de Oscar Niemeyer que projetara a capital Brasília. Foi um período de desenvolvimento industrial e participação forte nos esportes como no futebol, basquete e tênis. A televisão já se mantinha há dez anos no país, o rádio permanecia forte e influente como veículo de comunicação e informação e os jornais consolidavam os seus impérios.

Naquela época, os filmes e seriados norte-americanos que eram exibidos no Brasil mostravam e vendiam o american way life que incluía não apenas o modo de viver, mas também a cultura do consumo e a cultura de massa estrangeira. A idealização de O Vigilante Rodoviário viria, portanto, compensar esse desequilíbrio cultural.

O Vigilante Rodoviário apresentava as aventuras de um policial rodoviário chamado Inspetor Carlos e seu cachorro Lobo. Juntos, eles cuidavam das rodovias, lutavam contra o crime ou simplesmente ajudavam as pessoas. Para viverem suas aventuras eletrizantes, os dois usavam um automóvel Simca Chambord 1959 ou uma motocicleta Harley Davidson 1952.

O primeiro episódio foi ao ar em março de 1961, na Rede Tupi, uma quarta-feira, às 20h. Na época, apenas 30% das casas brasileiras tinham aparelhos de TV, mesmo assim o seriado alcançou rápido sucesso de audiência. Para dar acesso a um público maior, O Vigilante Rodoviário foi levado ao cinema com dois títulos: O Vigilante Contra o Crime (1962) e O Vigilante em Missão Secreta (1964). O resultado nas bilheterias também foi um sucesso.

Para formar o elenco das aventuras do vigilante rodoviário, foram convidados artistas em início de carreira que, mais tarde, se tornaram muito conhecidos e famosos como Fulvio Stefanini, Rosamaria Murtinho, Ari Fontoura, Stenio Garcia, Juca Chaves, Ari Toledo, Toni Campelo, Milton Gonçalves, Luís Guilherme entre outros.

Como na época não havia rede nacional de televisão, os episódios eram distribuídos depois de serem transmitidos na TV Tupi. No dia seguinte eram levadas cópias para o Rio de Janeiro e assim ia para outras capitais. Em 1961 havia 10 episódios prontos para exibição. O seriado seguiu até 1963 com o total de 38 episódios de aproximadamente 20 minutos cada um. 

O sucesso foi tão grande que logo recebeu a versão em uma revista em quadrinhos pela Editora Outubro além de comercialização de bonequinhos e de miniaturas do Simca Chamboard usado no seriado e era usado pelo vigilante Carlos. O seriado também deu ao Brasil o título de primeiro país da América do Sul a ter um seriado em película, rodado em 35 mm, fato bastante comum para o cinema, mas raro para televisão.

O Ator e o Personagem Carlos

Carlos Miranda foi o ator do primeiro seriado produzido para a televisão em toda a América Latina. Ele nasceu em São Paulo, capital em 29 de julho de 1933. Começou sua carreira como cantor de circo aos 15 anos de idade e frequentou grupos do Teatro Popular do SESI onde fez curso de ator. Sua escolha para o papel principal só foi possível devido ao fato de nenhum dos 127 candidatos aos testes terem agradado aos produtores. Mesmo sendo da equipe de produção, Carlos fez o teste e agradou o diretor do seriado.

Ainda assim, Carlos passou por um treinamento na Escola de Policiais Rodoviários, que incluía o uso de armas, e também teve aulas de artes marciais na Escola de Educação Física da antiga Força Pública. Após o término da série, Carlos foi convidado pelo Comandante Geral da Força Pública General de Exército João Franco Pontes para ingressar na carreira de policial. Ao se aposentar em 1998, ele ocupou o posto de tenente-coronel.

Os Episódios

De todos os 38 episódios, três deles foram dados como perdidos. Porém todos os outros estão disponíveis no Youtube. Você pode assistir ao primeiro episódio, O Diamante Grão Mongol, clicando AQUI. Todos os outros episódios virão na sequência.

Conclusão

Em forma de depoimento, eu peço licença ao leitor para dizer algumas palavras sobre esse seriado. Lembro-me muito bem de ter assistido a vários episódios, pois quando assisti, eu ainda era criança (em 2021 eu completo 60 anos de idade). Quando minha família pegava a estrada para visitar os parentes no interior, eu ficava deslumbrado quando via um policial rodoviário, pois acreditava que seria possível encontrar o Vigilante e seu cachorro. Entre os amigos da rua em que eu morava, inventávamos brincadeiras como “polícia e ladrão” e todos queriam ser, é claro, o Vigilante Rodoviário. Lembro que, certa vez, apareceu um cachorro que certamente não era um pastor alemão, mas era muito parecido com Lobo, o ajudante canino de Carlos. Não demorou para darmos o nome de Lobo ao animal, que depois de alguns dias simplesmente sumiu.

Já naquela época, nós assimilávamos algo que ficou muito comum a partir dos anos seguintes que foi a “cultura pop”. Sim! Pelo sucesso que foi o seriado e como ele se sustentou dentro dos poucos lares que tinham televisão, podemos afirmar que foi um fenômeno da cultura pop de seu tempo, tal como vemos outros produtos para cinema, TV e HQ’s vindos de outro lugares. Dessa forma, o Brasil deu ao mundo (e por que não?) a sua contribuição, além de ter sido o primeiro na América Latina a criar um seriado em película.

Paulo Bocca Nunes é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade. Especialista em Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira. Especialista em Cultura Indígena e Afro-brasileira. Escritor. Contador de histórias.